quarta-feira, 26 de outubro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – BROMÉLIA AECHMEA RAMOSA

Aechmea ramosa variedade festiva

Aechmea ramosa é uma bromélia bastante comum, no Sudeste e parte do Nordeste, habitando a faixa de transição entre o clima litorâneo e as vertentes continentais da Cadeia Marítima. Parece se beneficiar das condições ecológicas que prevalecem neste encontro entre a contínua disponibilidade de umidade atmosférica e a estacionalidade climática do Brasil Central, que lhe propicia longo período seco, no meio do ano.

As plantas típicas são portentosas, podendo alcançar cerca de um metro de diâmetro, com rosetas foliares amplas e guarnecidas de densos espinhos. Instalam-se em meio às copas de grandes árvores típicas da floresta estacional semidecidual, tais como ipês, louros e outras espécies dotadas de cascas espessas e rugosas. Nestes ambientes arejados e bem expostos, emitem longas inflorescências ramificadas, com tonalidade vermelho-amarelada, ostentando incontáveis flores, que depois se transformam em palatáveis frutinhos mucilaginosos, que as aves devoram avidamente, promovendo assim sua larga dispersão.

Frestas de paredões rochosos também servem bem à instalação dessas bromélias, que podem ser vistas, com frequência, nos cortes laterais de rodovias movimentadas, como a BR040 (Rio-Juiz de Fora). É uma planta bastante útil aos amantes de aves, podendo ser cultivada, nos arboretos urbanos e jardins, para onde atrairá diversos pássaros silvestres.


Existe uma variedade descrita e mais comumente cultivada – Aechmea ramosa variedade festiva – que é natural do Espírito Santo e se trata daquela mais conhecida e cultivada, nos jardins, por seu menor porte, por sua tonalidade vinácea das folhas e pelo profuso e contínuo florescimento. Adapta-se bem a diversos gradientes de luz, embora sinta muito o sol direto, na Região Serrana, onde está situado o JARDIM FITOGEOGRÁFICO, no qual se encontra presente, desde os ambientes de rock-gardens (jardins entre pedras), até o epifítico.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

A FLORESTA RECUPERADA DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO


Bromélia ambientada na floresta do JARDIM FITOGEOGRÁFICO

Numa das primeiras postagens desta série sobre as plantas do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, falamos ligeiramente sobre o projeto da FLORESTA RECUPERADA (http://orlandograeff.blogspot.com.br/2016/09/quesnelia-arvensis-bromelia-da-floresta.html ), contando que, em 2007, quando começamos a ocupara o terreno, pouco mais ali havia que restos de uma pastagem abandonada, na qual cresciam, aqui e ali, algumas arvoretas espontâneas. Apenas uma grande árvore, vestígio da mata nativa que ali deve ter um dia existido, podia ser observada no local: uma frondosa bicuíba (Virola bicuhyba – família Myristicaceae), bastante danificada, que servia de esconderijo às abelhas e prometia despencar, em pouco tempo.

A partir de 2008, efetuamos um trabalho intenso de recuperação da floresta, pondo em prática tudo o que havíamos aprendido, em muitos anos de reflorestamentos e recuperações de áreas degradadas, na Região Serrana Fluminense e Serra do Mar. O plantio de espécies nativas, acompanhado de rigorosa fertilização e correção do solo, reintroduziu espécies pioneiras, que cuidaram rapidamente de fechar o dossel da mata, restabelecendo condições adequadas, similares às das florestas nativas da região.

O trabalho com as árvores ainda segue seu curso e deverá durar muitos anos, enquanto se identificam espaços ecológicos apropriados às árvores mais nobres, que possuem crescimento mais lento e são muito mais exigentes que as pioneiras, em termos de adaptação. Algumas dessas espécies nobres, que chamamos de “definitivas”, em nossos projetos de recuperação de áreas degradadas (PRADs), dos anos 1990/2000, não conseguem ressurgir na natureza, enquanto não se fecha o coberto florestal, do qual dependem quando jovens, antes que venham a aflorar e ocupar o estrato dominante.
Outras tantas espécies nativas são estritamente adaptadas ao ambiente de sob as copas das árvores maiores, sendo-lhes impossível ressurgir sozinhas, sem que a mata esteja fechada, acima. Essas arvoretas, muitas delas palmeiras delicadas, são chamadas esciófilas, termo que significa a mesma coisa que umbrófilas, ou seja, que gostam da sombra.

O pouco que falamos acima,  por si só, explica o termo que adotamos, para caracterizar nosso projeto, no qual abrigamos nossa coleção botânica – JARDIM FITOGEOGRÁFICO. A FITOGEOGRAFIA, ramo da ciência botânica que abraçamos e que nos levou a editar o livro FITOGEOGRAFIA DO BRASIL – UMA ATUALIZAÇÃO DE BASES E CONCEITOS (NAU Editora, 2015 – ver postagem http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2015/10/o-livro-fitogeografia-do-brasil-uma.html ), trata das vegetações e de sua distribuição geográfica. As observações das plantas, como afirmava Carlos Toledo Rizzini, um dos maiores nomes desta ciência, são imprescindíveis ao fitogeógrafo. Mas, em nosso caso, resolvemos transcender a mera observação individual das plantas e nos atirar de cheio na ecologia delas, o que não deixa de ir ao encontro dos postulados metodológicos de Rizzini.

Assim, trabalhar com o projeto do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, não apenas na floresta recuperada, mas igualmente nos jardins de campos e restingas, situados na parte mais ensolarada da coleção, ajudou e ainda ajuda bastante a conhecer os processos envolvidos na associação entre plantas, para formar vegetações. Evidentemente, a tônica deste projeto são as plantas epífitas (que vegetam agarradas às árvores), assim como outras espécies que dependem do ambiente formado pelas vegetações tropicais para crescer. São principalmente: orquídeas, bromélias, filodendros, antúrios e outras joias que deliciam os horticultores.

Centenas de espécies dessas plantas, provenientes das mais diversas partes do Brasil, nativas de florestas as mais variadas, ocupam os ambientes proporcionados pelas árvores da floresta recuperada do JARDIM FITOGEOGRÁFICO. Se considerarmos o número de exemplares, então, essas plantinhas se contam aos milhares, neste parque criado por nós. Mais de 300m de caminhos foram projetados e executados, em meio a esta floresta, proporcionando acesso fácil a cada ambiente.

O status absolutamente degradado que encontramos, tanto quanto a distância considerável de nossa floresta para os fragmentos de matas nativas existentes ao redor, autorizou-nos a trabalhar com mais liberdade, no tocante à manutenção de espécies estranhas à flora local. Não haveria qualquer perigo de invasões ao ecossistema nativo, coisa que, aliás, teremos chances de comentar, em novas postagens, mostrando ser praticamente impossível que algo assim ocorra, em florestas tropicais bem conservadas, dado não contarem com a mesma capacidade da flora autóctone para competir pelos recursos, polinizadores, dispersores e condições microclimáticas. Além do macroclima, em si, que é soberano na potencialização dessas supostas invasões.


Resumindo: a FLORESTA RECUPERADA é um jardim. Um jardim silvestre, é fato, mas ainda assim representa um experimento intensamente manejado por nós, que mantemos o controle das condições horticulturais que permitem a inúmeras dessas plantas sobreviver em nossa região. Então, se falamos de um jardim, nada mais convidativo que visitá-lo, nas imagens a seguir, produzidas HOJE, aqui na floresta recuperada do JARDIM FITOGEOGRÁFICO. Bom passeio.





















quarta-feira, 12 de outubro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – CAMBOATÁ: SUSTENTO DA FAUNA




Periquito-maracanã (Ara maracana) – devorando os frutos do camboatá

No início dos anos 1990, quando realizava minhas primeiras consultorias em meio ambiente, em Petrópolis, não havia Google Earth, mapas digitais, nada disso. Trabalhávamos, invariavelmente, com velhas cartas geográficas 1:50000 do IBGE, que eram objetos de desejo de todos, sendo vendidas numa lojinha da rua Senador Dantas, no Rio; ou conseguíamos imensas cartas 1:10000 da FUNDREM – Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que uns emprestavam para os outros, através de arcaicas “cópias a metro”, obtidas na extinta e memorável Multicópias, na Praça D. Pedro, em Petrópolis.

Bons tempos, tempos de muita emoção: trabalhar com meio ambiente era tarefa investigativa das mais duras, que exigiam extrema capacidade de observação e atenção. Tudo bem, não podemos reclamar dos imensos avanços, desde então. Hoje, tudo se resolve a um toque no computador, com modernos sistemas de geoprocessamento, ou até mesmo através do voo de um drone, aqueles mini-helicópteros, com câmeras espetaculares, que substituíram enormes aviões, pesados com a carga de câmeras analógicas, cujos rolos de filme tinham que ser revelados e interpretados, em trabalhos de aerofotogrametria caríssima e que, no final, nada mais eram que arquivos analógicos. Mas, naqueles venturosos tempos, tínhamos surpresas quase poéticas, ao lidar com aquelas cartas geográficas.

Uma dessas belas experiências, da qual jamais esquecerei, foi meu primeiro contato mais objetivo com uma árvore que viria a saber se tratar de um dos mais importantes sustentáculos da fauna da Floresta Atlântica – o camboatá (Cupania vernalis), da família Sapindaceae, a mesma do guaraná, com o qual, aliás, seus frutinhos se parecem muito. Eu fazia um levantamento a respeito de uma área, em Pedro do Rio, distrito de Petrópolis, onde se desejava implantar um condomínio. Minha tarefa era de elaborar um zoneamento ambiental, que determinasse as melhores maneiras de se desenhar a mancha urbanística, para causar os menores impactos ao meio.

Minha interpretação, é claro, se baseava numa então recente carta da Prefeitura de Petrópolis, em escala 1:10000, que trazia importantes detalhes geográficos daquela localidade. A propriedade, ficava situada numa suposta Serra das Cambotas, disjunção da Serra da Maria Comprida, que acompanha o traçado da Rodovia BR040. Aquilo me intrigava: de onde diabos advinha aquele nome tão singular – Serra das Cambotas? Cambotas são cambalhotas! Teriam despencado de seus aclives outros consultores, ou mateiros?

O espírito investigativo despertava em mim a curiosidade de saber a origem do nome daquelas montanhas. Consegui, então, uma antiga folha da FUNDREM, na qual constava a toponímia original, que certamente havia sido descuidadamente copiada pelos cartógrafos, que elaboraram a carta da Prefeitura: SERRA DOS CAMBOATÁS.

Examinando a Serra dos Camboatás, não tive dificuldades para entender de onde vinha a referência dos mapas: os camboatás (Cupania vernalis) eram extremamente numerosos, dominavam grande parte das matas regenerativas, que ainda existiam na propriedade. Claro que essa árvore ficou estampada em minha memória e se tornou objeto de minha imediata atenção, em todas as partes que eu fazia meus muitos trabalhos.

Na floresta recuperada do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, o camboatá é espontâneo, como seria de imaginar. Quando começamos a recuperação da floresta, em 2008, já havia um pé jovem dessa árvore, muito próximo de nossa casa. Hoje, cerca de oito anos depois, transformou-se numa planta relativamente frondosa, que floresce no final do inverno e frutifica exatamente agora, no início da primavera, quando a maioria das aves estão nidificando e procriando. Desnecessário falar muito sobre a grande diversão que é acompanhar, de nossa janela, a festa das aves, quando chegam para o banquete.

A evidente palatabilidade e a suposta fonte de energia que representam os frutos do camboatá confirmam a suprema importância ecológica desta árvore que, como eu mesmo afirmava, nos textos de meus diversos projetos de reflorestamento, das Décadas de 1990 e 2000, “não podem faltar, nas listas de espécies a serem sugeridas, nos projetos de recuperação de áreas degradadas”.



O jacu (Penelope obscura bronzina) chega a dormir nos galhos do camboatá, para amanhecer em meio ao atraente farnel

Até os esquilos ou caxinguelês (Sciuris ingrami) visitam o camboatá, para variar sua dieta usual de coquinhos e frutos verdes


domingo, 9 de outubro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – BROMÉLIA NIDULARIUM FERDINANDO-COBURGII

Nidularium ferdinando-coburgii na natureza

É muito comum, na comunidade de amantes da Botânica, não pertencentes à Academia (universidades e instituições de pesquisa), a circulação de nomes de plantas em que, ao nome binomial, apõem um terceiro nome, dito como VARIEDADE. Na grande maioria das vezes, a tal “variedade” nada mais representa que uma FORMA da planta, um clone da espécie cultivada, que apresentou características interessantes e, por isso, foi propagada vegetativamente, à exaustão, para suprir o mercado. Assim, na Botânica, essas plantas devem ser chamadas de FORMA, como dito acima.

As verdadeiras VARIEDADES são populações de plantas de determinadas espécies, que subsistem na natureza, usualmente ocupando microrregiões geográficas distintas da forma típica. Sim, elas um dia saíram daquela dita FORMA TÍPICA da planta, devido a mutações ou seleções ocasionais, que geraram indivíduos adaptados a certas mudanças ou particularidades do meio, logrando se perpetuarem e ocuparem território próprio. Existem teses que aventam a hipótese de que certas variedades de plantas terem sido, num passado remoto, a própria planta TIPO e que aquilo que encontramos hoje, em maior número e mais numerosamente representado, ser a VARIEDADE, que prosperou e colonizou as maiores áreas de ocorrência.

Isso não é nada provável, tão somente por questões estatísticas, que reputam muito mais provável que a variedade típica, mais numerosa e bem distribuída, obrigatoriamente assimilaria velhas populações menos importantes. De todo modo, como não é nosso blog um compêndio de genética evolutiva, servimo-nos de nossas primeiras linhas apenas para esclarecer bem o que é realmente uma VARIEDADE e o que representa uma FORMA.

Em Petrópolis, tanto quanto em grande espaço territorial da floresta atlântica de altitude, no Brasil Sudeste, ocorre uma bromélia que se torna característica dessa faixa ecológica – Nidularium ferdinando-coburgii. Nas florestas da região, especialmente nos vales mais abrigados, acima dos 1.000m de altitude, geralmente nas proximidades de cursos d’água murmurantes, essa bromélia assume importância capital, surgindo como espécie mais numerosa.

Roseta e flores de Nidularium ferdinando-coburgii

Ela vegeta principalmente no terço inferior dos troncos e galhos das árvores e sobre o solo, por cima de matacões de pedra, ou meramente na manta de folhas secas que cobre o chão úmido das matas de altitude. Na primavera, principalmente, deixa surgir uma coroa de folhas róseo-avermelhadas, no centro da roseta (coisa comum às bromélias deste gênero), entre as quais emergem flores arroxeadas, com pétalas fechadas e margeadas por linhas delicadamente alvas (ver fotos). Essas coroas vistosas servem para atrair aves e insetos, mas também para chamar atenção dos amantes de plantas, que a reconhecem de pronto, em meio ao caos da floresta densa.

Nidualrium ferdinando-coburgii apresenta variações clonais, que a fazem parecer, às vezes, plantas distintas. Também é comum, em vista da famosa plasticidade de formas desta família botânica (Bromeliaceae), que pensemos ter encontrado “variedades” da espécie, neste ou naquele morro, o que termina por se revelar equívoco, ao cultivarmos essas plantas, em condições diferentes daquela do habitat, quando todas convergem para um mesmo padrão.

Florescimento de Nidularium ferdinando-coburgii na coleção do JARDIM FITOGEOGRÁFICO


Na coleção de plantas do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, Nidularium ferdinando-coburgii vegeta de forma idêntica à de seu habitat, até por terem sido plantadas em fac-símiles destes ecossistemas, que ocorrem poucos quilômetros dali. Por serem plantas nativas, sua tendência é de que se dispersem naturalmente, na floresta recuperada da coleção. Nesta mesma condição, possuímos uma virtual VARIEDADE de Nidularium ferdinando-coburgii, que coletamos na região, há muitos anos, exatamente para esclarecer-lhe a identidade. Essa variedade, em fase de descrição botânica, pelo taxonomista de bromélias Ivo de Azevedo Penna, apresenta a coroa de folhas centrais absolutamente verde, mesmo em estágio de florescimento, característica que havíamos observado, em seu habitat nativo, e que se manteve imutável, em diversas condições de cultivo, ao longo dos últimos anos.

Nidularium ferdinando-coburgii Wawra variedade viridis Penna habita certo vale da Serra dos Órgãos, onde somente ela ocorre, inexistindo populações da planta típica. Quando a encontramos, ficamos intrigados com a ausência de pigmentação violácea, em todas as plantas que encontramos, floresta afora. Coletamos diversos exemplares jovens e imaturos, como forma de nos certificarmos que as progênies em curso manteriam essa estranha característica. Todas as plantas desenvolveram a coroa esverdeada, característica que jamais perderam, ano após ano, mesmo depois de sua propagação vegetativa, que originou diversas plantas, mantidas até hoje em locais distintos e acompanhados.

Nidularium ferdinando-coburgii variedade viridis no habitat


A planta também apresenta aspecto pouco mais robusto de folhas e brácteas, diferindo assim da variedade típica, cujas folhas são levemente mais afiladas. Porém, nenhuma dessas variações morfológicas foi capaz, segundo Ivo Penna, de sustentar pretensões taxonômicas de elevá-la a espécie distinta. Então, antes de nos apressarmos em ver variedade e novas espécies, nas plantas que nos vêm às mãos, tratemos sempre de conhecer suas populações naturais e sua ecologia. Sem isso, estaremos constantemente inventando nulidades científicas.

sábado, 8 de outubro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – BROMÉLIA NEOREGELIA CRUENTA

Acima - Neoregelia cruenta forma “variegata”, presenteada por Pedro Nahoum, nos anos 2000


Outra planta que ficou celebrizada, no boom das bromélias, nos anos 1990, foi Neoregelia cruenta. Bromélia extremamente rústica, em seu ambiente natural – restingas arenosas do Rio de Janeiro – Neoregelia cruenta foi coletada praticamente até sua total extinção, na costa fluminense. Dois fatores estimularam essa medonha pressão, que parece ter vitimado a planta, mais do que muitas outras do mercado paisagístico: o primeiro deles o fato de serem nativas exclusivamente do substrato arenoso, nas bordas das vegetações de restingas, sendo raríssimo encontrá-las de forma epifítica (crescendo nas árvores); o segundo fator, mais decisivo, foi a erradicação dessas restingas arenosas, para urbanização do litoral fluminense.

Nesses habitats, onde ocorriam diversas formas (cultivares) de excepcional beleza, Neoregelia cruenta funcionava como espécie colonizadora da faixa de areia pura, ao redor das manchas de vegetação mais densa: ela crescia, em sol pleno, conquistando o areal quente, deixando o solo “melhorado” para as demais plantas nativas, como clúsias, mirtáceas e uma infinidade de outras espécies, que não aguentavam nascer na areia pura e se beneficiavam da umidade e matéria orgânica deixada pelas bromélias.


Acima – clusiáceas nascem nas bainhas de Neoregelia cruenta “variegata”, no JARDIM FITOGEOGRÁFICO, mostrando o processo que ocorre na natureza das restingas arenosas do litoral. Esses “seedlings” (sementeiras) se desenvolvem e viram arvoretas, que modificam a vegetação.


Assim, coletar Neoregelia cruenta, uma bela planta escultural, de extrema rusticidade, para levá-la para os jardins das casas e prédios, tornava-se tarefa extremamente fácil, prescindindo de subidas em árvores e outros esforços maiores. Os caminhões paravam, ao lado das populações naturais, e se arrancavam quantas plantas fossem necessárias para uma obra jardinocultural, ou mesmo para abastecimento de estoques comerciais. Sobre este assunto, leia a postagem - E SE TODOS FIZESSEM ISSO

Paralelamente, os loteamentos residenciais avançavam, principalmente na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, onde estavam algumas das mais significativas populações de Neoregelia cruenta. Combinava-se, então, a sanha colonizadora da Zona Oeste da Cidade Maravilhosa, com a demanda comercial por bromélias e outras plantas nativas das restingas. O resultado não poderia ser outro e, após a Década de 1990, praticamente nada restara das restingas e, claro, de suas bromélias.

O golpe fatal sobre as espécies nativas de bromélias do Rio de Janeiro sobreveio na primeira metade da Década de 2000, quando se associou, equivocadamente, a severa epidemia de dengue, que se abateu sobre a região, à possibilidade de que elas pudessem servir de criadouro para o Aedes aegypti, mosquito importado transmissor da moléstia. Por mais que tivéssemos comprovado que as bromélias não representavam criadouro preferencial do mosquito (ver postagem - BROMÉLIAS E DENGUE ), através das ações esclarecedoras movidas pela Sociedade Brasileira de Bromélias-SBBr, prevaleceu a quase total erradicação das plantas, nos jardins públicos e privados, o que as levou, definitivamente, ao limiar do desaparecimento.

A dengue acabou se tornando endêmica da cidade, mostrando que os criadouros estavam em outras partes, que não foram alvo prioritário e quase não são vistas as belas Neoregelia cruenta, na Cidade Maravilhosa. Em cultivo, nas mãos de colecionadores conscientes, preservaram-se belos clones desta bromélia, sendo que, na coleção do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, há pelo menos quatro belas formas em cultivo, em ajardinamentos que simulam condições outrora existentes nas restingas, juntamente com outras plantas relacionadas.

No norte do estado, existe um Parque Nacional (Restinga de Jurubatiba), onde subsistem algumas populações notáveis, assim como naquilo que ainda resiste ao avanço do homem, na Restinga de Massambaba, entre Saquarema e Arraial do Cabo, na Região dos Lagos.



AcimaNeoregelia cruenta forma “rubra”, no JARDIM FITOGEOGRÁFICO
Abaixo – bela forma de Neoregelia cruenta, com variegação e tonalidade amarelada, com pontas vermelhas e frentes maduras vináceas (centro), vegetando junto à pequena e prolífica Neoregelia paratiensis (frente-direita), no JARDIM FITOGEOGRÁFICO


terça-feira, 4 de outubro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – ORQUÍDEA BIFRENARIA HARRISONIAE

orquídea Bifrenaria harrisoniae no JARDIM FITOGEOGRÁFICO

Uma das primeiras orquídeas com a qual travei contato, em minha vida de naturalista, certamente foi Bifrenaria harrisoniae. E, seguramente, isso foi bem antes de sequer saber que eu era um NATURALISTA! Sim, pois isso deve ter sido no meio da Década de 1970, ainda nos bancos escolares, do célebre Colégio Rio de Janeiro, quando arregimentava meus colegas, pobres coitados, para se embrenharem na mata, junto comigo, prometendo aventuras emocionantes... Que, afinal, acabaram mesmo sendo! Em alguma dessas aventuras, não sei bem se na própria cidade do Rio de Janeiro, ou se foi em Teresópolis, acabei deparando com os pseudobulbos de uma dessas orquídeas, caídos no chão, ou nalgum galho podre, no meio da floresta densa e úmida.

Isso é bastante comum, em lugares bem conservados, onde a floresta apresenta taxas magnas de reposição de plantas: encontrar propágulos desta curiosa orquídea, descartados pela natureza, no chão, em galhos podres, ou até mesmo caídos, na serapilheira. Assim, se não me falha a memória, teria sido meu primeiro contato de colecionador com Bifrenaria harrisoniae; certamente deste modo terminou sendo meu encontro mais recente, em 1992, em Mangaratiba, quando coletei os pseudobulbos das plantas da coleção, durante excursão pelas matas do alto vale do rio Sahy.

Nos meus relatórios de campo, revejo meus apontamentos sobre essa ocorrência marcante, que resolvi transcrever, para se ter uma ideia da prodigalidade daquelas matas primárias, que então investigava e que hoje integram o Parque Estadual de Cunhambebe, na Costa Verde:

           “Essas coletas racionais e comedidas se revelam interessantes para futuros estudos específicos. Um galho apodrecido e tombado ao chão, próximo ao recanto das cachoeiras, logo abaixo, me fornecera, tempos antes, alguns moribundos exemplares da orquídea Bifrenaria harrissoniae (excursão de 1992). Levados para minha coleção, em estado lastimável, restando-lhes apenas os pseudobulbos, foram devidamente cultivados e mostraram três formas de flores diferentes, na mesma colônia, uma delas se tratando de espécie distinta – Bifrenaria inodora”.


Dessas anotações, verifica-se uma característica interessante da espécie e, até mais, do gênero Bifrenaria em si, que parece guardar certos mistérios genéticos e taxonômicos, indicados pela imensa variação de formas, ou mesmo espécies, como mostrou ser o caso das plantas do vale do Sahy. Em nossa coleção de plantas do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, temos exemplares da forma típica de Bifrenaria harrisoniae, vindos de diversas partes do Sudeste e Sul, alguns advindos dos Campos Gerais, no Paraná, onde vegetavam de forma rupícola (sobre rochas); também havendo exemplares advindos de outras coleções; além das plantas tidas como B. inodora, que são mantidas com numeração indexada específica.


forma alba de Bifrenaria harrisoniae

Bifrenaria cf. inodora


Todas essas plantas costumam florescer entre o final do inverno e o início da primavera, exalando deliciosa fragrância, que inunda o ar a seu redor. Então, nunca jogue fora aqueles pseudobulbos velhos de sua Bifrenaria harrisoniae. Pode ser que venham a te alegrar, muitos anos depois, como aqueles do vale do rio Sahy.

O QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE O FOGO NAS MONTANHAS II – QUEIMADAS NATURAIS?




Acima – ecossistema de bromélias, no alto da Serra da Maria Comprida, em Petrópolis, após o grande incêndio de setembro de 1994: erosão genética

Numa terça-feira chuvosa de primavera, como hoje, talvez poucos se detenham na leitura deste singelo texto sobre QUEIMADAS E INCÊNDIOS FLORESTAIS, afinal, já se vai a temporada seca do ano, na macrorregião da Serra dos Órgãos, onde está Petrópolis. Pois bem, fica aí a primeira provocação, no assunto FOGO: o fogo não é natural, não faz parte da dinâmica ecológica da região? Sim, sim, muitos afirmam isso, concebendo as mais fantásticas teorias climáticas e botânicas, talvez, com o fito de afastar do foco este incômodo e quase insolúvel problema ambiental da Região Serrana Fluminense. Então, é hora de dar continuidade à nossa série de postagens sobre o FOGO, desta vez, esclarecendo esta questão da pertinência, ou não, dos incêndios florestais, por aqui.

Na postagem do dia 17 de setembro de 2016, publicada logo depois da enésima ocorrência de incêndios de montanha, aqui na RPPN Graziela Maciel Barroso, em Petrópolis (ver - O QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE O FOGO NAS ENCOSTAS ), tratamos do principal mecanismo de PROPAGAÇÃO DE CHAMAS NAS ENCOSTAS, mostrando como o fogo se realimenta, a partir das massas de ar quente que ele mesmo cria, viajando em grande velocidade, pelas montanhas, e ocasionando imensa destruição de patrimônio natural e humano. No presente texto, cabe-nos a missão: mostrar que O FOGO NÃO É NATURAL, NA REGIÃO SERRANA FLUMINENSE e, sim, ele causa destruição da flora e fauna, destruição usualmente irreversível, embora a gente pouco perceba, aqui de baixo.




Acima – orquídea Hoffmannseggella cinnabarina, em flores, no campo de altitude da RPPN Graziela Maciel Barroso – preciosidades botânicas que o fogo destrói, irreversivelmente – Abaixo – planta destruída, neste mesmo ambiente



O mito do “fogo natural” ou espontâneo nasceu no Hemisfério Norte, em climas de índole temperada, onde ocorrem incêndios florestais, em períodos determinados, iniciados por descargas elétricas, geralmente, em florestas de baixa diversidade florística e grande acúmulo de matéria orgânica sobre o solo. As célebres florestas de sequoias, das Montanhas Nevadas, na Califórnia, são vitimadas por fenômenos deste tipo e sua composição florística, tanto quanto seus ciclos de vida são ADAPTADOS para isso.

Por lá, assim como em outros lugares, com vegetações similares, as condições climáticas ensejam incêndios, embora não esteja ainda totalmente esclarecido se isso realmente seria APROPRIADO ao ambiente, mesmo em face da notável adaptação da flora regional. No Brasil, com destaque para a Serra dos Órgãos e restante Região Serrana Fluminense, as coisas são diametralmente diversas e pude mostrar isso, exaustivamente, no capítulo que dediquei ao FOGO, em meu livro sobre as vegetações do Brasil – FITOGEOGRAFIA DO BRASIL, UMA ATUALIZAÇÃO DE BASES E CONCEITOS (NAU Editora, 2015 – ver O LIVRO - FITOGEOGRAFIA DO BRASIL ).

Abaixo – Orlando Graeff examinando floresta de sequoias, na California, em 2013, que haviam sido recentemente queimadas, como se percebe ao redor: fogo natural



  
A Seguir – Floresta de altitude, na Serra da Maria Comprida, em Petrópolis, irreversivelmente destruída, logo após o grande incêndio de 1994, com tronco de arvoreta (detalhe) exibindo consequências da passagem do fogo por matas não adaptadas



  
Apenas para trazer o foco aqui para a Região Serrana, voltemos ao introito deste texto, quando aventei a hipótese de o leitor estranhar a abordagem do assunto, “mesmo já tendo passado a estação seca”, quando ocorrem os incêndios florestais. Pois então! Você achou natural que o assunto estivesse “fora de época”, uma vez que, esta semana, chove continuamente e a floresta rebrote intensamente, cobrindo-se do mais profundo verde. Ora, como pode ser que os incêndios florestais, aqui em Petrópolis, comecem com raios, se somente ocorrem no auge da estação seca?

Devemos lembrar que realmente raios atingem cumeadas de morros, em Petrópolis e região, deflagrando focos de fogo florestal, durante os meses críticos da estação chuvosa. Eu mesmo já investiguei, no alto de morros, este tipo de ocorrência, onde raios abateram árvores e incandesceram a mata ao redor... Perdendo-se, logo depois, na vegetação viçosa e impermeável às chamas. Mas, entre os meses de agosto e setembro, quando ocorrem os piores e mais destrutivos incêndios florestais, nem uma só faísca atmosférica ocorre e o céu se encontra indefectivelmente azul, com umidade relativa do ar, comumente abaixo dos 30%, às vezes, próxima de 10%.

Como expliquei no referido capítulo do livro FITOGEOGRAFIA DO BRASIL, o apogeu da destruição florestal por incêndios, em todo o país, quando ocorrem as piores perdas para a natureza, com erosão genética irreversível, se dá exatamente nesta época do ano AGOSTO E SETEMBRO, quando as plantas revertem seu metabolismo para acumular açúcares e reservas, de forma a enfrentar o frio e a seca típicos do CLIMA TROPICAL DO BRASIL CENTRAL, que domina imensa parte de nosso território. Por conta dessa estacionalidade, as plantas passam a contar com notável desequilíbrio entre a quantidade de átomos de CARBONO e a de NITROGÊNIO, o que chamamos de RELAÇÃO CARBONO-NITROGÊNIO, ou simplesmente relação C/N – quanto mais alta for a quantidade  de Carbono, mais seca estará a planta e, por conseguinte, mais inflamável será sua composição, por conta do CARBONO = CARVÃO!

Então, cabe compreender que, não sendo naturais as causas do fogo, aqui na Região Serrana Fluminense, o que equivale a confirmar serem TODOS OS INCÊNDIOS CRIMINOSOS, nossa flora não se encontra adaptada para esta condição extrema. Nossas vegetações de alta montanha não se regeneram satisfatoriamente, mesmo depois de retornadas as chuvas. Enfim, nossas montanhas estão se empobrecendo, ano após ano, queimada após queimada, caminhando para o agravamento de fenômenos tais como a TRAGÉDIA DO VERÃO DE 2011, quando mais de mil pessoas pereceram, na Região Serrana Fluminense, por conta de imensas corridas de lama e detritos, que arrasaram bairros inteiros, desde Petrópolis a Nova Friburgo.

No link  DIAGNÓSTICO VALE DO CUIABÁ – você poderá encontrar o parecer técnico que elaboramos, naquele ano fatídico, a pedido do Instituto Superior do Ministério Público, no qual esclarecemos o que realmente ocorreu, naquele verão de 2011, particularmente, no Vale do Cuiabá, em Petrópolis. Segundo verificará, naquela peça, o elo que se rompeu, no equilíbrio ambiental das montanhas daquele setor da Serra dos Órgãos, promovendo tamanha destruição, foi exatamente a ESTABILIDADE DA VEGETAÇÃO DAS ENCOSTAS, POR CONTA DE SUA DESTRUIÇÃO ENDÊMICA PELO FOGO. Incapaz de absorver o impacto de chuvas de ordem superior aos 300mm, em poucas horas, os solos se liquefizeram e desceram, nua torrente incontrolável de lama, esmagando tudo o que encontrou pelo caminho.


Acima – Vista aérea do alto Vale do Cuiabá, em Petrópolis, logo após a tragédia de 2011, sendo possível observar que os escorregamentos se iniciaram em cumeadas nas quais a vegetação se encontrava endemicamente agredida pelo fogo.
Abaixo – As consequências da corrida de lama do Vale do Cuiabá, onde mais de setenta pessoas morreram: consequências indiretas do fogo




Em nossa próxima postagem desta série, já em posse do conhecimento da relação causal entre o ser humano e os incêndios florestais, assim como de sua capacidade de destruição, que influencia, direta e indiretamente o ambiente, poderemos debater e propor soluções para minimização das consequências desta doença ambiental tão grave da Região Serrana Fluminense: OS INCÊNDIOS FLORESTAIS. Adiantamos que algumas dessas possíveis soluções passam por ações a serem implementadas AGORA, durante a estação das chuvas. Até a próxima postagem deste tema!

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – ORQUÍDEA ENCYCLIA LINEARIFOLIOIDES

Encyclia linearifolioides

A região de Poxoréo, no sudeste do Mato Grosso, já foi uma das mais produtivas bacias diamantíferas do mundo. Das cangas ribeirinhas dos rios Poxoréo e Coité, na grande depressão ou pediplano de Poxoréo, saíram fortunas incalculáveis, até o final do Século XX, na forma de diamantes brutos, que eram, em sua esmagadora maioria, contrabandeados para outros países. Como em todas as jazidas diamantíferas do Brasil, pouco restou de tanta exploração, a não ser um monte de seixos rolados, amontoados na paisagem, ao lado de imensas crateras e erosões irrecuperáveis, nos vales dos rios.

A única atividade que atravessou todos esses tempos, praticamente sem mudanças dignas de nota, foi a pecuária de baixo rendimento, na qual algumas poucas rezes pastam por capoeiras ou pastagens muito fracas, em meio aos restos daquilo que, um dia, foram cerradões e florestas estacionais. Atestam a presença pretérita dessas matas alguns exemplares de árvores mais resistentes, ou que foram preservadas pelos pecuaristas, com objetivo de dar alguma sombra ao gado, ou mesmo para servir de madeira, em ocasiões próprias.

paisagem rural da região de Poxoréo, no Mato Grosso, onde vegeta Encyclia linearifolioides

Mas, o botânico interessado sempre encontrará atrativos para sua curiosidade, ao percorrer essas pastagens semiabandonadas, observando esses velhos exemplares arbóreos, ou até seus galhos secos, caídos ao chão. São bromélias e orquídeas, que resistiram à destruição e sobrevivem, por longos anos, até que essas árvores sejam derrubadas, pelo homem, ou pelo vento. Largas moitas de Aechmea bromeliifolia, uma bromeliácea comum na região; touceiras agigantadas de orquídeas-sumaré (Cyrtopodium saintlegerianum); ou notáveis indivíduos da linda orquídea Cattleya nobilior, são avistamentos relativamente comuns, nessas paisagens.

Porém, há uma orquidácea muito discreta, quase invisível, com pseudobulbos esféricos e folhas tão curtas quanto afiladas, que costuma passar despercebida, aos olhos dos observadores leigos. É Encyclia linearifolioides, que gosta de galhos quase secos e cascudos, quase à luz solar plena, florescendo elegantemente, nesta época do ano. Esses galhos despencam e belos exemplares dessa orquídea são esquecidas sobre a capineira, sendo devorados pelos bois, ou simplesmente apodrecendo solitariamente.


Assim, chegou o exemplar dessa orquídea, que até hoje vive na coleção de plantas do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, mantida no interior da estufa de orquídeas: encontrada sobre galhos secos de um enorme ipê, caídos ao solo, numa estradinha arenosa, que atravessa a baixada de Poxoréo, na Década de 1990, durante uma expedição que realizamos ao Mato Grosso. Serviu ao propósito de cultivo e identificação, para esclarecer mais sobre a flora regional.

domingo, 2 de outubro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – NEVARES DE CARVALHO E QUESNELIA TESTUDO


Quesnelia testudo "variegata"

Dias de belas plantas, na coleção do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, dias de lembrar dos bons amigos, que partilham de nosso gosto pelas matérias da natureza, que tanto contribuem para nosso engrandecimento intelectual. Não sou muito competitivo, em minha vida intelectual, pelo contrário, acredito piamente no coletivo cultural: não seria nada, na Botânica, quiçá na vida, não fossem amigos, colegas, professores e autores. Dos amigos, vieram plantas, ensinamentos, lembranças...

A boa lembrança de hoje é de meu eterno presidente da Sociedade Brasileira de Bromélias – SBBr, daquele que foi seu cocheiro principal, desde sua criação, nos anos 1990, tendo dedicado boa parte de sua existência ao conhecimento, à divulgação e, principalmente, à CONSERVAÇÃO dessas lindas plantas: LUIZ FELIPE NEVARES DE CARVALHO.

Sob sua presidência da memorável entidade, fui Diretor de Conservação, no final dos anos noventa; sob sua orientação e a partir de sua sabedoria e seus conselhos, fui Presidente, entre 2001 e 2003. Experiência que marcou minha vida e me legou amizades incríveis, dentre as quais a sua própria, que durou muitos anos, até sua passagem, poucos anos atrás.

Numa das inúmeras visitas à sua esplêndida coleção de bromélias, talvez a melhor do planeta, em Petrópolis, fui agraciado com um belo presente: Quesnelia testudo forma “variegata”. Nesta época do ano, diversas plantas deste gênero florescem, tendo já sido aqui no blog apresentada Quesnelia arvensis, planta relativamente frequente, na Floresta Atlântica do Sudeste (veja postagem - http://orlandograeff.blogspot.com.br/2016/09/quesnelia-arvensis-bromelia-da-floresta.html ).

Quesnelia testudo é planta que ocorre na floresta litorânea e de encosta atlântica, nos estados de São Paulo e Paraná, que ainda conservam extensa reserva de matas, nesta faixa. Sua forma “variegata” foi selecionada em cultivo, muitos anos atrás, e representa belo clone, que mantenho na floresta recuperada do JARDIM FITOGEOGRÁFICO. A variegação, que é o surgimento de folhas matizadas de “branco” (na verdade, uma clorose, ou falha de pigmentação de clorofila), pode ser devida a mudanças fisiológicas, ou até mesmo a alguns vírus que convivem com as plantas.

Nas bromélias, o fenômeno é pouco explicado, mas pode atingir somente alguns ramos, sem chegar a afetar toda a planta. Na nossa coleção, temos algumas espécies de plantas que vieram variegadas, tendo originado frentes sem variegação e, por conseguinte, exemplares definitivamente destituídos da síndrome.


Passeando pelos caminhos da floresta recuperada do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, não deixo de me alegrar, nestes dias, ao passar por Quesnelia testudovariegata” e lembrar do bom amigo Luiz Felipe Nevares de Carvalho

sábado, 1 de outubro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – SOBRALIA LILIASTRUM

orquídea Sobralia liliastrum

Quando realizava uma de minhas primeiras expedições pelo estado da Bahia, na Década de 1990, visitei uma cadeia de montanhas, elevadas sobre o agreste, em plena transição entre semiárido e zona úmida da Floresta Atlântica, no topo da qual vegetava a mais densa e úmida floresta, que poderia ser encontrada. Chamam aquilo, no Nordeste de “brejos de altitude”, sendo que o termo “brejo”, neste caso, não significa exatamente o que poderia esperar uma pessoa vinda do Sudeste.

Brejos de altitude, na acepção nordestina, significa uma área de vegetação úmida, que medra excepcionalmente, em meio às tipologias xéricas (secas), típicas do perímetro da Caatinga. Em meu livro – FITOGEOGRAFIA DO BRASIL (ver o blog das Expedições Fitogeográficashttp://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2015/10/o-livro-fitogeografia-do-brasil-uma.html ) – tratei dessas vegetações de exceção da Caatinga, explicando serem relacionadas à condensação adiabática da umidade trazida do oceano, ou seja, da água que condensa, em maiores altitudes, por força da pressão atmosférica e baixa temperatura.

No topo daquela serra, não muito distante da região de Milagres, onde se observam caatingas extremamente secas, pejadas de cactáceas, observamos dezenas de espécies de bromélias tanque-dependentes; além de inúmeras orquídeas típicas de zonas úmidas, não apenas da Floresta Atlântica, mas também da Amazônia. Foi o caso da linda orquídea terrestre de flores alvas Sobralia liliastrum, da qual foi destacado um propágulo lateral, para posterior cultivo e identificação.

Na coleção do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, onde o singelo raminho se transformou numa grande touceira, que floresce todos os anos, entre a primavera e o verão, Sobralia liliastrum se ambientou esplendidamente, mostrando sua inequívoca adaptabilidade. Sua presença, nos brejos de altitude da Bahia; somando-se à sua profusa ocorrência nos altiplanos da Cadeia do Espinhaço (Chapada Diamantina); à sua presença nos já raros fragmentos de vegetação de restinga, no litoral da Bahia; e à sua zona central de ocorrência, no coração da Floresta Amazônica, milhares de quilômetros dali, confirma o que afirmamos no livro FITOGEOGRAFIA DO BRASIL (NAU Editora, 2015), com respeito às mudanças climáticas do Quaternário.


Sabe-se hoje, não somente em vista do exemplo de Sobralia liliastrum, mas de várias outras espécies com centro de dispersão amazônica, que ocorrem nas vegetações do Nordeste Semiárido e do litoral nordestino e do Sudeste, de forma disjunta, que a Hileia já se estendeu amplamente, pelo Brasil Oriental, em cima dos sedimentos da Formação Barreiras, hoje amplamente erodidos e segmentados. É a Botânica, em escala unitária (nossas plantas queridas), esclarecendo a Geografia de nossas vegetações.

Adiante - a orquídea Sobralia liliastrum, nos campos rupestres (campos entre rochas) da Chapada Diamantina, na Bahia