Acima – ecossistema de bromélias, no alto da Serra da Maria
Comprida, em Petrópolis, após o grande incêndio de setembro de 1994: erosão
genética
Numa terça-feira chuvosa de primavera, como hoje, talvez
poucos se detenham na leitura deste singelo texto sobre QUEIMADAS E INCÊNDIOS FLORESTAIS, afinal, já se vai a temporada
seca do ano, na macrorregião da Serra dos Órgãos, onde está Petrópolis. Pois bem,
fica aí a primeira provocação, no assunto FOGO: o fogo não é natural, não faz parte da dinâmica
ecológica da região? Sim, sim, muitos
afirmam isso, concebendo as mais fantásticas teorias climáticas e botânicas,
talvez, com o fito de afastar do foco este incômodo e quase insolúvel problema
ambiental da Região Serrana Fluminense. Então, é hora de dar continuidade à
nossa série de postagens sobre o FOGO,
desta vez, esclarecendo esta questão da pertinência, ou não, dos incêndios
florestais, por aqui.
Na postagem do dia 17 de setembro de 2016, publicada logo
depois da enésima ocorrência de incêndios de montanha, aqui na
RPPN Graziela Maciel Barroso, em Petrópolis (ver -
O QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE O FOGO NAS ENCOSTAS ), tratamos do principal mecanismo de
PROPAGAÇÃO DE CHAMAS NAS ENCOSTAS, mostrando como o fogo se realimenta, a
partir das massas de ar quente que ele mesmo cria, viajando em grande
velocidade, pelas montanhas, e ocasionando imensa destruição de patrimônio
natural e humano. No presente texto, cabe-nos a missão: mostrar que O FOGO NÃO
É NATURAL, NA REGIÃO SERRANA FLUMINENSE e, sim, ele causa destruição da flora e
fauna, destruição usualmente irreversível, embora a gente pouco perceba, aqui
de baixo.
Acima – orquídea Hoffmannseggella
cinnabarina, em flores, no campo de altitude da RPPN Graziela Maciel
Barroso – preciosidades botânicas que o fogo destrói, irreversivelmente – Abaixo – planta destruída, neste mesmo
ambiente
O mito do “fogo natural” ou espontâneo nasceu no Hemisfério
Norte, em climas de índole temperada, onde ocorrem incêndios florestais, em
períodos determinados, iniciados por descargas elétricas, geralmente, em florestas de baixa diversidade florística e
grande acúmulo de matéria orgânica sobre o solo. As célebres florestas de
sequoias, das Montanhas Nevadas, na Califórnia, são vitimadas por fenômenos
deste tipo e sua composição florística, tanto quanto seus ciclos de vida são
ADAPTADOS para isso.
Por lá, assim como em outros lugares, com vegetações
similares, as condições climáticas ensejam incêndios, embora não esteja ainda
totalmente esclarecido se isso realmente seria APROPRIADO ao ambiente, mesmo em
face da notável adaptação da flora regional. No Brasil, com destaque para a
Serra dos Órgãos e restante Região Serrana Fluminense, as coisas são
diametralmente diversas e pude mostrar isso, exaustivamente, no capítulo que
dediquei ao FOGO, em meu livro sobre as vegetações do Brasil –
FITOGEOGRAFIA DO BRASIL, UMA ATUALIZAÇÃO DE BASES E CONCEITOS
(NAU Editora, 2015 – ver
O LIVRO - FITOGEOGRAFIA DO BRASIL ).
Abaixo – Orlando Graeff examinando floresta de sequoias, na
California, em 2013, que haviam sido recentemente queimadas, como se percebe ao
redor: fogo natural
A Seguir – Floresta de altitude, na Serra da Maria Comprida, em
Petrópolis, irreversivelmente destruída, logo após o grande incêndio de 1994,
com tronco de arvoreta (detalhe) exibindo consequências da passagem do fogo por
matas não adaptadas
Apenas para trazer o foco aqui para a Região Serrana,
voltemos ao introito deste texto, quando aventei a hipótese de o leitor
estranhar a abordagem do assunto, “mesmo
já tendo passado a estação seca”, quando ocorrem os incêndios florestais. Pois
então! Você achou natural que o assunto estivesse “fora de época”, uma vez que,
esta semana, chove continuamente e a floresta rebrote intensamente, cobrindo-se
do mais profundo verde. Ora, como pode ser que os incêndios florestais, aqui em
Petrópolis, comecem com raios, se somente ocorrem no auge da estação seca?
Devemos lembrar que realmente raios atingem cumeadas de
morros, em Petrópolis e região, deflagrando focos de fogo florestal, durante os
meses críticos da estação chuvosa. Eu mesmo já investiguei, no alto de morros,
este tipo de ocorrência, onde raios abateram árvores e incandesceram a mata ao
redor... Perdendo-se, logo depois, na vegetação viçosa e impermeável às chamas.
Mas, entre os meses de agosto e setembro, quando ocorrem os piores e mais
destrutivos incêndios florestais, nem uma só faísca atmosférica ocorre e o céu
se encontra indefectivelmente azul, com umidade relativa do ar, comumente
abaixo dos 30%, às vezes, próxima de 10%.
Como expliquei no referido capítulo do livro FITOGEOGRAFIA DO BRASIL, o apogeu da
destruição florestal por incêndios, em todo o país, quando ocorrem as piores
perdas para a natureza, com erosão genética irreversível, se dá exatamente
nesta época do ano AGOSTO E SETEMBRO, quando as plantas revertem seu
metabolismo para acumular açúcares e reservas, de forma a enfrentar o frio e a
seca típicos do CLIMA TROPICAL DO BRASIL CENTRAL, que domina imensa parte de
nosso território. Por conta dessa estacionalidade, as plantas passam a contar
com notável
desequilíbrio entre a quantidade de átomos de CARBONO e a de NITROGÊNIO,
o que chamamos de RELAÇÃO
CARBONO-NITROGÊNIO, ou simplesmente relação C/N – quanto mais alta for a
quantidade de Carbono, mais seca estará
a planta e, por conseguinte, mais
inflamável será sua composição, por conta do CARBONO = CARVÃO!
Então, cabe compreender que, não sendo naturais as causas do
fogo, aqui na Região Serrana Fluminense, o que equivale a confirmar serem TODOS
OS INCÊNDIOS CRIMINOSOS, nossa flora não se encontra adaptada para esta
condição extrema. Nossas vegetações de alta montanha não se regeneram
satisfatoriamente, mesmo depois de retornadas as chuvas. Enfim, nossas
montanhas estão se empobrecendo, ano após ano, queimada após queimada,
caminhando para o agravamento de fenômenos tais como a TRAGÉDIA DO VERÃO DE
2011, quando mais de mil pessoas pereceram, na Região Serrana Fluminense, por
conta de imensas corridas de lama e detritos, que arrasaram bairros inteiros,
desde Petrópolis a Nova Friburgo.
No link
DIAGNÓSTICO VALE DO CUIABÁ – você poderá encontrar o parecer técnico que
elaboramos, naquele ano fatídico, a pedido do
Instituto Superior do Ministério
Público, no qual esclarecemos o que realmente ocorreu, naquele verão
de 2011, particularmente, no Vale do Cuiabá, em Petrópolis. Segundo verificará,
naquela peça, o elo que se rompeu, no equilíbrio ambiental das montanhas
daquele setor da Serra dos Órgãos, promovendo tamanha destruição, foi
exatamente a ESTABILIDADE DA VEGETAÇÃO DAS ENCOSTAS, POR CONTA DE SUA
DESTRUIÇÃO ENDÊMICA PELO FOGO. Incapaz de absorver o impacto de chuvas de ordem
superior aos 300mm, em poucas horas, os solos se liquefizeram e desceram, nua torrente
incontrolável de lama, esmagando tudo o que encontrou pelo caminho.
Acima – Vista aérea do alto Vale do Cuiabá, em Petrópolis, logo
após a tragédia de 2011, sendo possível observar que os escorregamentos se
iniciaram em cumeadas nas quais a vegetação se encontrava endemicamente
agredida pelo fogo.
Abaixo – As consequências da corrida de lama do Vale do Cuiabá,
onde mais de setenta pessoas morreram: consequências indiretas do fogo
Em nossa próxima postagem desta série, já em posse do
conhecimento da relação causal entre o ser humano e os incêndios florestais,
assim como de sua capacidade de destruição, que influencia, direta e
indiretamente o ambiente, poderemos debater e propor soluções para minimização
das consequências desta doença ambiental tão grave da Região Serrana
Fluminense: OS
INCÊNDIOS FLORESTAIS. Adiantamos que algumas dessas possíveis
soluções passam por ações a serem implementadas AGORA, durante a estação das
chuvas. Até a próxima postagem deste tema!