Por mais que a galera dos anos setenta não acreditasse, alguns de nós não eram “doidões”. Doidão, não deve ser nenhuma novidade, era aquele cara que, no mínimo, “fumava um...” Sim, esse negócio de “queimar um fumo” era jargão de careta, de gente reacionária, fora daquele nosso contexto, e que queria dar uma de malandrão: - “Fulano tá queimando um fumo!” Meu Deus! Se falasse que estava “queimando um fuminho”, então, pior ainda! Mas, bem, a maioria de meus amigos daqueles anos fumava “unzinho” e, em muitos casos, algo mais. Mas, deixe-me dizer: paz e amor era o lema da maioria. Ninguém imaginava cheirar um monte de cocaína ou fumar crack, ficar alucinado, extremamente violento, entrar num carro de luxo (que o papai deu) e se matar num poste, junto com mais uns dois ou três amigos. Garanto para vocês, tudo era bem diferente!
É lógico que sempre teve um ou outro que se arrebentou – e até morreu – em cima de uma motocicleta (Muito frequentemente, uma Yamaha RD350, apelidada, por isso, de “pertinho do céu”). Naquele tempo, havia somente uns poucos diabinhos a menos do que hoje... Mas havia! Só que o clima decididamente era outro. Bem, não sei se hoje um carinha careta (que não fuma, não cheira etc.) consegue ser aceito dentre os demais. Infelizmente, estou fora do sistema, faz tempo, e não dá para ver as coisas de dentro. Ainda bem que não fico dizendo que “os caras são boleteiros, maconheiros etc.” Mas, não canso de me perguntar se os “caretas” circulam tranqüilos, em meio ao restante da galera. No meu tempo (Falou o velho!), eu não encontrava problemas. Nem eu, nem alguns de meus amigos, tais como o Brenno, o Sérgio e o Paulo. Isso sim é que era liberdade.
Voltei a estas lembranças, devido às historinhas que andei contando sobre o “Celacanto Provoca Maremoto!” aqui no meu blog. Falei do Carlos Alberto Teixeira, o CAT, sujeito tão estranho, na época, quanto gente fina e que se tornou meu irmão, desde aquele tempo. Lembrei-me de que ela muito diferente de nós, um tipo de rapaz do interior, e não podia ver, nem pintado, um baseado (cigarro de maconha). Uma vez, Paulo e eu o convidamos para fazer uma excursão pelas matas da Floresta da Tijuca, o que nada tinha de suspeito, uma vez que já éramos naturalistas, coisa igualmente incomum entre todos. Ele quase recusou, dizendo: -“Vocês vão chupar maconha na mata!” Rimos muito daquilo e acabamos convencendo-o do contrário, tendo ele participado de grandes incursões pelas florestas do Rio. É, esse contexto engraçado cercava inocentemente nossa juventude, com a droga circulando geral, mas quase sempre duma forma que chamo de “lisérgica”, o que quer dizer, para mim: de um modo pacífico. A maconha mandava, além de uns “acidinhos”, que eram os LSDs. Tudo isso remetia os usuários a momentos de muita calma e, assim, geralmente, geravam histórias engraçadas.
Já havia escapado das patrulhas ideológicas, ao falar do Celacanto Provoca Maremoto!, dias atrás. Resolvi, então, enfrentá-las novamente, agora, para contar umas historinhas engraçadas, tendo como tema central a doideira dos anos setenta. Não pensem vocês que faço isso, num tipo de arroubo de moralismo, querendo reafirmar minha então “caretice”, para passar por bonzinho. Nada disso! Muito pelo contrário: Foi a presença da maconha, especialmente, que tornou tudo aquilo muito mais engraçado. Não quero, também, dizer que estimulo sua utilização, ou de qualquer outra droga. Claro que não! Será fácil perceber que a graça de tudo era justamente não viver doidão. O que celebro aqui, na verdade, é a lembrança de um clima de liberdade, no qual eu e alguns outros tínhamos pleno direito de não sermos doidões e, mesmo assim, sermos plenamente aceitos e curtidos pelos demais. Isso sim era ser livre.
Vamos às historinhas, que são o que realmente interessa:
Na Praia do Pepino: Eu era o irmão mais novo de dois. Três anos era o que me separava do Helinho (Hélio Roberto, meu irmão mais velho), que tinha o sugestivo apelido de “Guru”, na turma do Bob’s de Ipanema. Isso foi, mais ou menos, em 1974 e eu estava naquela fase fundamentalista do surf. Tudo o que me vinha à mente eram ondas e mais ondas e eu fazia de tudo para cair num mar perfeito. Só que eu era menor de idade e não dirigia. Assim, fiquei alvoroçado, certo dia, quando um amigo de meu irmão, que surfava muito – o Márcio da Prudente de Morais (Isso bastava, na época!) - me convidou para “subir” no dia seguinte. Subir, devo explicar, significava ir às praias da Av. Niemeyer para frente: Barra, São Conrado, Prainha etc.
Eu havia recentemente pegado uma prancha novinha, uma Rico verde, com um shape fenomenal. Caminhara da casa do Rico, no Leblon, até Ipanema, de volta, com aquela jóia sob o braço, fazendo questão de que todos vissem aquele “carro novo”. Queria testá-la em ondas de verdade. Aderi à “barca” do Márcio e, na madrugada do dia seguinte, estávamos os dois na Av. Vieira Souto, esperando uma carona, que logo chegou: Uma Kombi caindo aos pedaços, pertencente ao Horácio, o cara genial que desenhara as letras que figuravam nas pranchas do Rico. Quanta honra! Entramos correndo na Kombi do Horácio, que não tinha mais o berço, na frente da carroceria, permitindo que os pés do motorista pegassem um arzinho e fossem vistos da rua. Sentamos nuns bancos velhos, ao redor do centro da Kombi, cada um segurando sua prancha no colo. Foi quando escutei o chamamento típico: -“Olha o baseado!!!”
Entre meio gelado e esforçado, para não dar uma de (muito) careta, fiz que nem era comigo. O baseado passou, de mão em mão, até passar por mim – passar mesmo, pois não fumei, é claro – e pelo carinha que estava ao meu lado que, lembro-me bem, também não fumou. Tudo ia muito bem, até que começaram a mostrar um recorte de jornal, no qual se lia: “Foi queimada meia tonelada de maconha, no Aeroporto do Galeão, pela Polícia”. A manchete era motivo de debates e não deixei escapar: - “Caramba! Vai ter muito urubu doidão voando por lá”. O comentário levou a galera (devidamente doidona, é claro!) às gargalhadas e, evidentemente, ganhei a simpatia de todos. O mar da praia do Pepino estava gigantesco, com ondas aí de seus 2,5m, quebrando em picos perfeitos, entre as lajes negras, sob as águas, e as rochas íngremes do costão. Foi duro, mas tive que cair n’água e entrar até lá fora, contando com a cara e a coragem, sem fumar nada!
Nesse mar memorável, estavam celebridades que despencavam nas maiores, com águas de um verde profundo. Lembro-me do Maurício Galinha, com suas perninhas delgadas e o tronco forte – daí talvez o apelido – caindo no vazio, para aparecer mais adiante e dar o famoso grito dos surfistas: “Úuuuu!” (Nada de U-Hu! Isso é novidade de americano, bem depois dos anos setenta!). Também me lembro do Daniel Sabá, ao meu lado, falando: - “Vou sair, fumar mais um e entrar de novo!” E eu ali, caretaço, tentando encontrar coragem para descer uma daquelas morras... Bem, não teve outro jeito e acabei testando minha Rico, num pico imenso, com grande sucesso, graças a Deus! Careta mesmo, juntei-me àquela galera da pesada e surfei horas, com o maior prazer. No dia seguinte, meu irmão chegou na sala e me olhou com aquela cara de incredulidade: - “Você, einh? Eu soube que entrou no mar, doidão, e que até contou piadas sobre os urubus doidões...” Como foi difícil fazê-lo acreditar que eu não havia fumado nada.
Teatro Tereza Rachel – Show dos Mutantes: Eu era como mascote do restante da galera do Colégio Rio de Janeiro, por ser o único que não fumava, mas que era mais doido do que todos os outros. Haveria um show dos Mutantes, já sem a Rita Lee, no Teatro Tereza Rachel, carinhosamente apelidado de “galinheiro”, pelas suas condições gerais de conservação. Como em todo show de rock, nos anos setenta, a grande atração era fumar um baseado ou tomar um ácido e “entrar numas”. Todos levavam seu baseadinho, escondido aqui ou ali. Mas, a grande atração se tornou um pacote que eu levava comigo, bem escondido, prometendo somente liberar a “coisa” na hora do show. Reconhecido careta, eu acabara me tornando o centro das atenções, pois todos finalmente me veriam doidão, pensavam. Imagine só o que seria aquela “marofa” que eu levava escondida naquele misterioso embrulho.
Show começado, clima de alto transe, a música dos Mutantes, que era realmente muito boa, com aquele toque meio Pink Floyd. A platéia era uma noite estrelada, com centenas de pontinhos luminosos dos baseados que se acendiam. No palco, a fumaça do gelo seco inundava tudo, parecendo vir de umas paisagens incríveis que eles colocaram no fundo, com uns slides de montanhas nevadas. Era chegada a hora de conhecerem o que eu levara escondido, para abrir em pleno show. A galera quase se estapeava para chegar perto e também poder ganhar um pouco. Cuidadosamente e com certo mistério, abri o pacote, que insistia em manter velado, para “não dançar”: Pacotes da mais deliciosa bananada Ojuara (Que queria dizer Araujo, de trás para frente), empanadas em açúcar-cristal! O delírio foi absoluto e a disputa pela nova droga foi insana. Até hoje, alguns amigos, que estavam naquela cena, me lembram, com carinho, dessa deliciosa passagem, que virou lenda entre os doidões.
Deixem-me confessar uma coisa: Já não mais consumo aquelas bananadas Ojuara. Tenho muito receio de retornarem aquelas sensações e eu não mais querer parar. Tudo na vida tem que passar, não é?