sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Uma Burle Marx Contemporânea

          O nome impacta, imediatamente, pelo teor fortemente plástico de seu DNA: Burle Marx. Ser Burle Marx, para as artes, corresponde mais ou menos à mística de um Bond, para o mundo do cinema de ação. My name is Bond... James Bond”, celebrizou em nosso inconsciente romântico e cinéfilo o jeitão britanicamente charmoso de Sean Connery, ao responder às indagações dirigidas por lindas mulheres, que assediavam o famoso agente secreto da Coroa. Talvez Sandra pudesse se ater, de modo pródigo, à simples menção de seu ilustre sobrenome para buscar afirmação em seu trabalho, nas artes plásticas: “Me chamo Burle Marx... Sandra Burle Marx”. Mas, ao vislumbrarmos o trabalho singular dessa artista carioca legítima (como ela mesma afirma), apesar de seu biótipo um tanto europeu, que a faz ser confundida com estrangeira, afastamo-nos instantaneamente do estereótipo de James Bond.

          Quando “viaja” pelo cerne da Cidade, em busca de inspiração para suas obras, Sandra Burle Marx costuma ser abordada por pessoas que a ela se dirigem, em inglês, tomando-a por alguma turista do Hemisfério Norte. Seu diagnóstico um tanto ingênuo a faz pensar que apenas seu jeitão alourado desperta tal equívoco. Mas, de minha parte, prefiro ver nisso outro aspecto mais importante, que termina por tributar sua visão contemporaneamente expressionista, mostrada em seus quadros. O que realmente a faz passar por estrangeira, em terras cariocas, é o modo como contempla, completamente extasiada e envolvida, cada um dos mais reconhecidos ângulos da Capital Cultural do país. Somente alguém que enxerga pela primeiríssima vez a paisagem carioca poderia ser acometido de tamanha sensibilidade. Todos nós outros, narcotizados pelos anos de hábito com o Cristo Redentor, por exemplo, enxergamos tão somente o... Cristo Redentor.

          Ao me deparar com o quadro publicado por Sandra Burle Marx, em sua página do Facebook, mostrando um Cristo Redentor coloridamente cercado por favelas, senti um misto de choque e prazer, imenso prazer. Somente um artista com dotes especiais seria capaz de transformar um aniversariante Cristo de 2011 numa antevisão à la Stanley Kubrick de uma possível - mas, graças a Deus improvável – favelização do inteiro Corcovado. É uma mistura de grito de protesto da artista engajada, que faz questão de girar o ângulo de suas lentes ao restante dos morros da Cidade, recusando-se a apagar de seu cenário a realidade que tanto pode enfear o entorno do Cristo quanto embelezar um renascente Morro do Alemão. Com certeza, Sandra enxergou, de forma expressionista, o inverso da tendência, mostrando que sentia o Cristo transportado à (ex) cidadela do crime organizado, que hoje se debate, em busca de uma nova e (possivelmente) colorida identidade.

          O oportunismo artístico de Sandra Burle Marx expõe seu olhar atento e um extraordinário talento. Como paisagista, acostumei-me a referenciar meu trabalho no legado permanentemente inovador de seu tio-avô Roberto Burle Marx. Como homem romântico, jamais consegui virar as costas à aparição de uma bela mulher, ostentando uma das lindas jóias desenhadas por Haroldo Burle Marx, seu avô. Nas artes plásticas, tirando a magnífica obra do próprio Roberto, que antecedeu seu paisagismo, habituei-me ao modernismo de sua mãe Sônia, que nos brindou sempre com esculturas e óleos de forte presença. Agora, maravilhado, assisto ao apogeu de Sandra Burle Marx, no mais contemporâneo vigor do DNA de sua família. Vida longa, Sandra... Sandra Burle Marx.


Vigorosa colagem do Cristo Redentor sobre a neo-paisagem de um Morro do Alemão... e não o inverso. Oportunidade de se revisar o conceito de que não se pode deixar o feio englobar o belo, utilizando a arte para levar o belo ao que julgamos feio.


Sandra passa por estrangeira na cidade que ama: Somente quem admira o Rio de Janeiro pela primeira vez pode senti-lo com tamanho vigor... Não, uma artista expressiva também pode.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

INÍCIO DE INVERNO EM ITAIPAVA – UM CHATO NA SERRA

          Do outono para o inverno, surgem paisagens que não costumamos ver, durante outras épocas do ano, em Itaipava. Não que as demais estações do ano não tenham seu charme próprio, claro que não! Mas, nesta época, os cenários ganham uma tonalidade esmaecida, conferida pela constante condensação da umidade, guardada durante as épocas chuvosas, o que acontece mais nas madrugadas frias e daí para as primeiras horas da manhã, resulta em brumas suaves, que realçam as cores da paisagem. Entremeando-se entre vales anfractuosos, em meio às escarpas elevadas das altas serras, essa névoa tênue nos permite entender as verdadeiras formas dessas montanhas elevadas, além de lhes emprestar coloração suavemente azulada. É comum que exclamemos, frente a tão belos espetáculos: Eu nunca havia percebido aquela montanha, que agora vejo ali, na frente daquela outra, mais alta. Essas revelações de início de inverno, na verdade, são apenas parte do que podemos ver de bom, em Itaipava, nesta época do ano, mas também em tantas outras estações.
          Acordando cedo, todos os dias, aí pelas 6:00h ou pouco depois, costumo iniciar meu dia com uma conferida nos jardins de minha casa, sendo cumprimentado invariavelmente pelos ansiosos pastores-alemães, que contam os minutos, até nossa aparição. Tem que ter roupa própria para isso – e tenho – daquelas mais surradas, para aguentarem a alegria da bicharada, depois de toda uma noite de expectativas pelos donos adorados. Vale à pena! Uma conferida no termômetro, quase sempre nos informará que a manhã se inicia com algo em torno dos 10oC, o que desperta ainda mais fome. Ah, o café da manhã: Pães quentinhos, da Padaria de Bonsucesso, alguns dos melhores do país, me acreditem, ou mesmo o famoso pão integral do Luiz. Mas, espere aí! Se é para falar das boas coisas de Petrópolis e Itaipava, não posso deixar de citar o pão do Sítio do Moinho, do grande Dick Thompson, figura inesquecível que abandonou o Rio, para fazer por aqui um monte de coisas de que gostava e que faz como ninguém: Verduras orgânicas, conservas e massas pré-prontas para você terminar de preparar na sua própria casa, com gostinho de home-made.
         Café da manhã de Itaipava também é cheio de frutas de excelente qualidade, adquiridas no mesmo lugar em que encontramos as coisas deliciosas do Sítio do Moinho – Hortomercado de Itaipava. O lugar tem seu charme, não somente por que encontramos nele tudo de bom para nossas mesas esfomeadas de inverno, mas por que também achamos nossos amigos, com suas bolsas reutilizáveis, correndo atrás das mesmas coisas que nós, ou simplesmente comendo pastel no boteco do Horto, tomando uma cerveja gelada – coisa perfeitamente possível, no clima da região, depois das 10:00h, quando o sol domina o dia. Na divertida fila da banca do Fernando, que acaba se organizando sozinha, todo mundo meio entreverado, encontramos artistas de televisão, escritores, jornalistas famosos e toda sorte de gente interessante, que aguarda sua vez para comprar os melhores itens do Rio de Janeiro: patês, requeijões, pães (inclusive do Sítio do Moinho), frios e especialidades. Do Hortomercado de Itaipava, você sairá invariavelmente sequioso por um bom rótulo de vinho, pois a coisa fica prometendo, com tantas delícias na bolsa.
          Achou que não ia encontrar bons vinhos em Itaipava? Bem, afinal, é final de semana, deve estar tudo fechado... Qual nada! Seu passeio está apenas começando, pois falta você dar uma conferida nos diversos endereços, nos quais você se surpreenderá com a diversidade de excelentes marcas, de todas as origens do Planeta: Sem que isso signifique uma ordem da minha preferência, posso citar o Ailton e seus filhos, no Shopping Altair, lugarzinho que a gente se sente na casa dos amigos; o Ari de Araras – que agora tem sua filial chiquérrima, no Shopping Estação – com excelentes rótulos até do Brasil; ou tem o sofisticado Lidador, no Shopping Arcadia. Alguém poderia logo indagar: “Mas isso tudo deve ter ocasionado longos deslocamentos”. Afinal, são tantos lugares a visitar, antes de voltar pra casa. Qual nada! Tudo isso acontece em pouco mais do que quatro quilômetros, nos quais existem tantas outras coisas incríveis, que você não encontrará, certamente, tempo bastante para conferir, num final de semana somente. Mas, já que andamos “tanto”, terminando as compras no Shopping Arcadia, com uma garrafa de bom chileno nas mãos, que tal comer ali mesmo, antes de voltar para nosso esconderijo nas montanhas?
          Pois será neste shopping Arcadia mesmo que você encontrará uma comida simplesmente inacreditável: Pimenteira Imperial... é o nome dos restaurante. Mas, espera aí! Nós de Itaipava o conhecemos mesmo por: Marquinhos! É, Marquinhos é o restauranteur que conduz este “quilo” gastronômico, em Itaipava. Não conheço outra pessoa com o talento dele para transformar um restaurante ao quilo num semelhante festim de delírio gastronômico, verdadeira “Festa de Babete”, se você não tomar cuidado e fechar um pouco a boca. O mais interessante disso tudo é que o Marquinhos é nosso colega de malhação, no Itaipava Gym, assim como outros talentosos profissionais que abundam em Itaipava. É isso: Em Itaipava, você convive com as pessoas que estão por trás dos excelentes negócios, que marcam a região. Alguns deles, sequer possuem um endereço notável, pois não dão conta de atender às encomendas e solicitações feitas pelos conhecidos, amigos, pessoas que te vêem, pelas ruas, como jamais aconteceria no Rio ou qualquer outra grande metrópole.
          Poderia encher essa página de exemplos disso: A Luciana, que faz os melhores doces e tortas que alguém poderá ter provado; O Ademar e a Tereza, que são dois dos melhores veterinários de cavalos de raça que alguém encontraria – Aliás, nem vou começar a falar em cavalos, que mereceriam capítulo próprio, em Itaipava – Melhor nem recomeçar a listar as coisas boas de Itaipava. Melhor me concentrar neste fato notável: Tudo isso está ali, na sua frente, na maior naturalidade, sem salamaleques ou formalidades. Tem um amigo que fala: “Em Petrópolis, se você fechar os olhos e apalpar, não terá erro: É comadre ou é compadre!” É isso, você é um ser humano por aqui, não meramente um cartão de visita, um folder ou anúncio nalguma placa.
          Pois é, sentado próximo à janela de minha casa, olhando a deslumbrante Serra da Maria Comprida, bem na minha frente, num dia desses, de início de inverno, convenço-me de uma coisa importante, para um sujeito chato como eu: Reclamar de autoridades que tratam tão mal um lugar perfeito como esse é um direito... é uma OBRIGAÇÃO! Cheguei a pensar que não tinha nem esse direito e nem essa obrigação e que estava ficando ranzinza e de mal com a vida. Qual nada! Se fosse assim, eu não estaria honrando tanta coisa boa que Itaipava e Petrópolis têm para me oferecer, deixando que estraguem tudo isso, em nome da mediocridade de alguns – MUITOS – gestores públicos. Sigo em frente, chato como na primavera e no verão, mas deliciosamente envolto por essa inigualável paisagem da Região Serrana do Rio de Janeiro.


sexta-feira, 17 de junho de 2011

A TIME LINE UP – A VERDADEIRA HISTÓRIA DO SURF

          Eu tinha cerca de 16 anos e o surf estava em minhas veias; e na alma de praticamente todos os garotos de Ipanema, nos anos de 1970. Lá se vão quase 37 anos, um bocado de tempo. Mas tinha uma coisa que jamais me saíra da mente, aliás, o único lugar em que isso estava guardado: Uma história em quadrinhos – HQ como chamávamos – que eu desenhara, naquela tenra idade, se não me falha a memória, para um concurso de desenhos ou historinhas de uma revista ligada à turma de O Pasquim, jornaleco genial, que era o único a fazer frente, culturalmente, à ditadura que mandava no país. É claro que meu desenho não ganhou nada, pois essa turma não estava nem aí para o surf que, para eles, seguramente significava um modismo importado da juventude dourada da Califórnia – coisa de burguês. Porém, para mim, essa historinha representou um marco de minha mente imaginativa.

          Cheguei a guardar uma fotocópia do tal HQ, que contava a História do Surf, em minha maneira de imaginá-la, num misto de humor e de espiritualismo juvenil. Porém, essa cópia amarelada simplesmente sumiu, talvez jogada no lixo por alguma pessoa incompreensiva, Mas, ao longo dos anos, ela ficou em minha cabeça e eu sempre sonhei desenhá-la de novo. Recentemente, ao postar alguns velhos desenhos, no Facebook, onde tenho reencontrado muitos amigos daqueles bons tempos, recebi uma chamada dura da amiga querida Eugenia Mari. Observando uma troca de conversas, no site de relacionamento, entre mim e outro amigo, que não conhecia meus dons artísticos como ela, pegou a deixa, quando ele me disse, ao ver um daqueles velhos desenhos: “Não conhecia esse dom”. Respondi acanhado: “LUTO para voltar a desenhar...” Eugenia não perdeu a chance: “Pois então, saia do LUTO e volte a desenhar..!”

          Foi na boca do estômago essa descompostura da Eugenia e tomei a decisão: É agora! Voltarei a desenhar, da maneira que mais gosto e utilizando o tão sonhado tema. E assim veio a nova versão do HQ dos anos 70, desenhada com esferográfica preta – minha mais prazerosa ferramenta. Redesenhei a velha história, que ganhou um nome novo, bem representativo de seu conteúdo: A Time Line Up, algo que poderia soar como “uma linha do tempo”, mas que representa, na verdade, uma referência ao surf mesmo. O LINE UP, para os surfistas, é aquela linha imaginária, na qual ficam os surfistas esperando pelas ondas. A galera fica sentada em suas pranchas, aguardando que as séries entrem, para remar e surfá-las. O TEMPO (TIME) entrou nisso pela história do surf, que surgiu há milênios, supostamente no Hawaii, como um desafio de guerreiros, que enfrentavam as ondas “cascudas” do arquipélago místico. Porém, como vocês verão, minha teoria é um pouco mais complexa.

          Ela foi desenhada em branco e preto, tal qual a versão original, pois é a técnica mais exigente para HQ. Ainda pretendo fazer uma versão colorizada, mas decidi publicá-la assim, da forma original. O roteiro e o story-board é praticamente o mesmo, o que também representou um desafio à minha memória e à minha capacidade sintética. Não poderia me perder em delongas e correr o risco de me transformar num Ridley Scott, diretor da mais sintética e densa película a que já assisti – Blade Runner – que mais tarde sucumbiu aos filmes de três horas, jamais voltando a realizar algo como o velho filme de ficção, deslumbrante, com pouco menos de duas horas de irretocável perfeição.

          Alguns ícones comportamentais do surf mudaram, em todos esses anos, como o próprio esporte. Assim tratei de adaptá-los aos tempos atuais, para não perder sentido. Estou satisfeito, por ter realizado este “remake” e espero que divirta aos meus amigos e leitores, tanto quanto me divertiu. E lembrem-se: Nem tudo o que se conta da história do surf é verdade. Melhor ler A TIME LINE UP e tirar suas próprias conclusões.

Para ver a historinha, clique sobre cada uma de suas páginas, para que ela seja exibida em tamanho adequado. Ao terminar cada página, clique em VOLTAR, na setinha de seu navegador.






sábado, 21 de maio de 2011

DA DEVASTAÇÃO DE NOSSAS FLORESTAS E LAVOURAS

          Passou perto, diriam os ambientalistas, com respeito à recente frustração na votação do Novo (?) Código Florestal. Mas, enquanto muitos comemoram o adiamento da discussão, com aquela velha e conhecida ilusão brasileira de “vamos deixar para depois, que tudo acaba se resolvendo”, não percebemos que o Brasil já está todo devastado. Não, não estou falando de nossas florestas, cerrados, manguezais etc. Refiro-me ao país, de modo geral, como Nação que, sim, precisa conservar sua natureza, mas igualmente necessita consolidar seu parque produtivo. Essa devastação, que já se iniciara há bastante tempo, consolidou-se, firme e forte, nos últimos governos populistas e equivocados, colocando-nos na trilha do atraso, sem que muitos se apercebessem.
          Comecei minha vida profissional na lavoura. Fui pioneiro da agricultura do Mato Grosso, hoje uma das maiores potências produtivas do Mundo. Escrevi meu nome na história e me orgulho disso. Mas, calma aí, antes de me enxergarem como um “desmatador” ou vilão do agronegócio, num arroubo de reacionarismo tão deletério como o que enxergamos na “bancada ruralista”, só pelo fato de que “estão do lado de lá”. Vamos deixar disso e passemos à reflexão, a partir de nossa capacidade humana de raciocinar. Assim, deixem-me explicar: Eu estava lá, no início dos anos de 1980 – viu como faz pouco tempo? – em busca do que se chama de “The adventure of a lifetime” ou a aventura de minha vida, motor de grande parte dos jovens de minha época. Por isso, como afirma meu amigo Maurício Verboonen, talvez eu seja a pessoa adequada para falar sobre tudo isso, pois estou aqui, agora, falando em conservação do ambiente, assunto que muitos sabem ser “minha praia”.
          Naquele tempo, não era o primeiro milhão de dólares (ou Euros, ou Reais) que movia os aventureiros como eu. Eram os desafios de realização, de conquista de novas fronteiras. E era assim que chamavam o Mato Grosso, naquele tempo – Fronteira Agrícola. Assim, em vez de ficar de frente para o mar e de costas para o Brasil, decidi partir para aquele estado, que era verdadeiramente o Velho Oeste de nosso país. Dormindo sob lonas de plástico, cozinhando sobre fogão de lata de óleo e fazendo turnos de trabalho, junto com meus funcionários, sobre ruidosos tratores agrícolas, conheci sobre a dureza de se domar a natureza, aprendendo a respeitá-la, como dizia o filósofo Francis Bacon, há coisa de cinco séculos. Mas, antes que alguém volte ao ataque, devo informar: Não derrubei um só hectare de mata ou de cerrado, ainda que tenha sim aberto bastante área para a agricultura.
          Quando cheguei ao Mato Grosso, peguei terras já derrubadas e, percebendo que ainda havia cerrado em pé, determinei sua manutenção, mesmo sem saber, na época, qualquer coisa sobre reservas legais (reservas florestais) ou áreas de preservação permanente (APPs). Boa parte da fazenda ficou intacta, mesmo se tratando das melhores terras agrícolas do Planeta, o que motivava críticas de meus pares, sobre decisão tão estranha: “Para quê manter esse matinho mirrado, se pode plantar e lucrar mais?” Pois, eis aí a chave daquilo que pensava, desde então, e sobre o que pretendo agora falar: PRODUTIVIDADE IMPORTA MAIS QUE PRODUÇÃO. Ou seja, melhor que produzir um monte de soja, com grandes custos financeiros e ambientais, se pode produzir mais e melhor, em menos áreas? Nessa equação, recentemente, entrou nova variável, quase tão importante quanto a produtividade no interior da fazenda – LOGÍSTICA, que significa mais ou menos: Levar o que produzimos até quem vai consumir.
          É aí que chegamos ao meu ponto de vista sobre essa luta fratricida e destrutiva para o ambiente (que é de todos nós, agricultores e cidadãos). Lembro-me bem dos tempos da ditadura, quando o governo punha patrões e empregados um contra o outro, enquanto se dedicava, por trás das cortinas, a mergulhar o país num de suas piores jornadas em sua história: o expansionismo, a inflação e a dívida. Hoje, espertamente, o governo empurra agricultores e cidadãos para o confronto, enquanto escapa pela tangente das mais importantes discussões sobre o país que queremos ser. Identificando pólos aparentemente opostos, na conservação ambiental e na agropecuária, o grupo dos amigos encistados no poder se dedica às mais impressionantes negociatas, junto ao capital internacional, louco para entrar pelas nossas fronteiras, enquanto produtores gastam tempo, dinheiro e energia tentando garantir aparentes vantagens para sua classe.
          O poder tem organização – e como! – para tratar o país como um grande shopping-center, mobilizando forças internas e externas (refiro-me à JD Participações e Consultorias, do Zé) para trazer capitais – SIM, CAPITAIS, aqueles que o PT tanto repudiava! – para abarrotar nosso caixa. Mas, praticamente nenhum esforço faz para garantir a infra-estrutura que tornará possível ao país aproveitar suas chances no cenário mundial. Isso significa, por exemplo, que sobram recursos abundantes para financiamento de qualquer lavoura, no Centro-Oeste, propiciando meios ao aumento nominal da produção. Porém, o governo patina, como um caminhão na lama das estradas do Mato Grosso, na tarefa de garantir a LOGÍSTICA e a qualidade do parque produtivo. É o governo, com sua desídia nos transportes, por exemplo, o grande responsável pela luta do agronegócio por mais terras.
          Poucos sabem, nas grandes cidades, que uma saca de 60kg de soja devolve ao produtor de Mato Grosso, hoje, algo em torno de R$ 38,00, enquanto se paga por ela, no Paraná, próximo ao Porto de Paranaguá, por onde ela será enviada à Europa ou China, algo em torno de R$ 44,00. Uma diferença que chega a ser de quase 15%, em média, a menos, nas mãos do produtor mato-grossense. Além disso, devido às mesmas estradas e ferrovias  – ou falta delas – os fertilizantes chegam ao Centro-Oeste custando muito mais do que no Sudeste. Devemos lembrar que os solos do Cerrado são fracos e sua capacidade produtiva se deve à topografia plana e disponibilidade de terras, jamais à sua fertilidade. Assim, gasta-se em adubos muito mais do que aqui, onerando a produção. Como a agenda de INVESTIMENTOS  é dura para os agricultores, pela taxa de juros aqui praticada, fica difícil aumentar a PRODUTIVIDADE... Ou seja, por essas contas, melhor abrir mais áreas. Afinal, quem manda é a economia de escala – QUANTO MAIOR O EMPREENDIMENTO, MAIOR O RETORNO, POR CAUSA DAS PEQUENAS MARGENS DE LUCRO.
          Com suas lavouras devastadas pela ausência de políticas sérias de transporte e agricultura, os produtores somente encontram uma solução para seus problemas:  A DEVASTAÇÃO DAS FLORESTAS E CERRADOS. Ou seja, enquanto dormimos tranquilos, pelo adiamento da votação do Código Florestal, consolida-se a devastação silenciosa de nossas florestas e lavouras. Deveríamos voltar logo à discussão de nossa Lei Ambiental Maior, tendo a consciência de que o país não abrirá mão de um só hectare de seu parque produtivo atual. Se abrirmos os olhos, poderemos encontrar via de compensação pela devastação já realizada e, com muito esforço, impedir que prossiga este nefasto processo de irmão destruindo irmão; cidade versus campo; ambientalistas contra ruralistas. O que queremos é um país melhor. Só que, para isso, talvez não possamos contar com nossos atuais governantes. Espero que tenhamos tempo para mudá-los.




Acima - Colheita de algodão, no Mato Grosso;
Abaixo - Aspecto de uma pastagem no Centro-Oeste;
Adiante - Por de sol, no Mato Grosso




domingo, 24 de abril de 2011

O OVO DA SERPENTE – VERSÃO BRASIL

          Imagino que alguns de meus amigos receberão este texto com quatro pedras nas mãos, vendo em mim uma versão atualizada daqueles militares reformados que, nos anos de 1980 (missão cumprida), gastavam seu tempo jogando vôlei na Praia de Ipanema e diziam: -“Eu pago meus impostos e ficam esses vagabundos, que não têm nada para fazer, assaltando e pedindo dinheiro nas ruas...” Eram uns reacionários, evidentemente, com aquela sensação de que eram os “caras bonzinhos” e que, uma vez que pagavam seus impostos (será?), podiam apontar o dedo para as mazelas da sociedade, requerendo “imediato cumprimento das regras”. Juro para vocês que não sou o caso. Aliás, isso ficará explícito, pela minha abordagem, na qual poderá concluir, que sou tão somente um cara comum, que cresceu, amadureceu e decidiu rejeitar qualquer rótulo direcional, em minhas convicções políticas – nem esquerda, nem direita... O JUSTO apenas!

          Lembro-me bem de uma acalorada discussão, entre meu querido amigo-irmão Paulo Raguenet e eu, por volta de 1984, sobre a figura política de Leonel Brizola, que fora um dos mais célebres exilados brasileiros, durante a ditadura, e que voltara ao país, retomando sua carreira política, tornando-se Governador do Rio de Janeiro, com ares de presidenciável. Eu era brizolista empolgado e Paulo quase deixou de ser meu amigo, por conta disso. Conto isso, sem medo das caras feias dos mais conservadores, apenas para mostrar uma evolução de fatos bastante lógica e barrar os impulsos sectários de alguns outros, digamos assim, esquerdistas da atualidade, que, lendo este blog, já estavam a juntar paus e pedras, antevendo um “papo de militar da rede de vôlei da praia”.

          A dura conversa, travada numa festa, naquela época, quase afastou o Paulo de mim, não fosse a intervenção de alguns amigos mais arejados, que acabaram com o papo de botequim, utilizando engraçadas técnicas de “deixa-disso”. O cerne da discussão eram justamente as políticas liberalizantes de Leonel Brizola, com referência às classes menos favorecidas do Rio, que nós, da Zona Sul, enxergávamos sob ótica distorcida como um potencial monte de criminosos, que o Governador tentava proteger, de algum modo. A garotada mais envernizada, da beira da praia, pensava que Brizola estava “facilitando a vida dos marginais”, quando decretou a proibição da subida dos morros pela Polícia, para evitar os níveis de violência que produziam mortes indiscriminadas de meliantes e simples moradores das favelas.

          O que a história conta, nos dias de hoje, é que se chocava, naquele instante, o Ovo da Serpente da sociedade violenta que vivemos hoje, para apropriar-me do título do filme marcante de Ingmar Bergman, de 1977, tendo no elenco David Carradine e Liv Ullmann. O Ovo da Serpente tratava da gestação silenciosa do Nazismo, na Alemanha Pré-Segunda Guerra, através de teorias conspiratórias, muito imaginativas. Bem, não deixei de continuar admirando boa parte dos postulados de Brizola, sob os quais, aliás, nasceu a carreira política da atual Presidente da República, que era do PDT. Mas, de certa forma, ainda que não concordasse com as invasões mortíferas da Polícia, da forma como era feita, nos morros cariocas, da década de 1980, obrigo-me a identificar ali um erro fundamental, em nossa história recente: A perda da AUTORIDADE.

          Naquela época, um jovem estudante da Universidade Rural, agitado pólo de agitação esquerdista, somente fora capaz de enxergar os PRÓ da política frouxa do Governador, até por que nossa Polícia conseguia ser ainda pior do que a de hoje em dia. Conhecia muita gente pobre, de comunidades e bairros periféricos, e entendia que o mal não obrigatoriamente morava nos morros, assim como também não era cada menino da Zona Sul, automaticamente, um futuro cidadão exemplar, pertencente a uma casta abençoada. Mas, imaturo que era, não percebia os CONTRA da decisão pura e simples de não subir nos morros e nada mais fazer, para reatar com a ORDEM, sem perder a AUTORIDADE. Afinal, essas duas palavrinhas significavam tudo de careta que se poderia ver no pensamento político pós-ditadura. Que ledo engano!

          O tempo passou e, dias atrás, recebendo em casa uma amiga daqueles tempos da Rural, que vive nos Estados Unidos da América (USA), há quase trinta anos, acabei de perceber o quanto fomos inocentes, com nossas idéias esquerdizantes, nos tempos de Brizola. Cristina Neves mora em Topeka, no Kansas, e nos relatava sobre a região e a cidade em que mora, dizendo-me muito adaptada (Casou por lá e tem uma linda filha, com os mesmos 18 anos da minha). Contava-nos que as pessoas são OBRIGADAS, por lei, a andar com seus cães na coleira; Que são obrigados a PARAR nos cruzamentos, onde existem placas de PARE (Como aqui há também!); Que não podem fazer “puxadinhos” em suas residências; Que são obrigados a PARAR nas faixas de pedestres; Que não podem ultrapassar ônibus escolares, quando estão parados, pegando ou deixando crianças... Enfim, um monte de regras que (Incrível!) TODOS CUMPREM, em seu dia a dia.

          Mas, o mais inacreditável de tudo isso, que já virou folclore, contado pelos milhares de brasileiros, que viajam aos USA, retornando maravilhados (Mas que não o fazem em sua própria terra!), surgiu quando lhe perguntei QUEM fiscalizava o cumprimento de tantas regras: No caso do trânsito, todos sabem, sempre aparece um Policial (incorruptível) para aplicar uma bela MULTA nos infratores – SEM MUITA CONVERSA! Mas, no caso das posturas urbanas... Cristina nem sequer sabia quem eram os agentes fiscais! “Sabe que nunca reparamos nisso? É que TODOS CUMPREM AS LEIS E DISPOSIÇÕES!” E, quando alguém resolve dar uma “deslizada”, algum vizinho aparece na janela e chama atenção... O (quase) transgressor, então, imediatamente corrige seus atos. A AUTORIDADE  encontra-se impressa, estampada na mente dos cidadãos.

          Aqui em nossa linda terrinha, há muito, rompeu a casca do ovo a serpente da desordem e do caos, gestada por anos te doce tolerância. “Vamos ter bom senso! Não dá para levar tudo a ferro e fogo...” E assim prosperou a sociedade tolerante-leniente em que vivemos, repleta de grandes crimes, incensados pela tolerância aos delitos de menor gravidade. A sensação de impunidade, não se pode duvidar, estimula a quebra do pacto social da civilização. Todo mundo acha que a multa ou a sentença judicial são sempre “injustas”, ora por que “não precisava ser tão dura”, ora por que atingiram a nós ou algum amigo. Mas, devemos nos recordar do que dizia Goethe: “Prefiro a injustiça à desordem”.

          Ainda existe outra diametral diferença entre as sociedades americana e brasileira, diferença esta que é irmã bastarda da impunidade: A violência, que nos impede, aqui na doce terrinha, de chamar atenção de nossos concidadãos pelo que de errado estejam a fazer – furar um sinal, não respeitar uma faixa de pedestres etc. Falo das reações usualmente violentas daqueles que, chamados ao seu dever, se vêem ofendidos em sua honra ou “masculinidade” e capazes são de responder aos socos ou à bala à reprimenda. Tudo resultado da DESORDEM, tudo resultado da IMPUNIDADE, tudo sinais da FALTA DE AUTORIDADE. Leis, nos as temos aos montes e das melhores. Falta-nos determinação de cumpri-las, a qualquer custo, pois a lei serve mesmo para isso: Para protegermo-nos uns das vontades irrefreáveis dos outros.

          Não penso hoje que Brizola tivesse muitas alternativas, nos 1980s, para por amarras na brutalidade de uma Polícia violenta e fratricida, que subia os morros com a civilidade de um tanque de guerra. Mas, sim, gestava-se ali, com certeza, através do perigoso precedente da tolerância, o OVO DA SERPENTE da desordem que hoje nos aniquila o ânimo de nos transformarmos definitivamente num país de PRIMEIRO MUNDO.    


sábado, 16 de abril de 2011

RECICLAGEM E DESENVOLVIMENTO

          No jornal Bom Dia Rio de 14 de abril de 2011, noticiou-se que a reciclagem de lixo vem decaindo, ano após ano, na Cidade do Rio de Janeiro, tendo como principais razões, primeiro, o problema logístico, relacionado às dificuldades de separação, coleta e transporte; em segundo, por conseqüência da primeira, devido à gradativa desmotivação da população. Segundo dados da COMLURB – Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro – o volume total de lixo reciclado caiu de 10.377 toneladas, em 2008, para 8.292 toneladas, no ano passado. Ou seja, o que já era pouco, tornou-se pouquíssimo!

          O telejornal mostrou casos tristes em que condomínios inteiros, com centenas de famílias, ainda separam seu lixo, não sem trabalhosos protocolos internos, apenas para vê-lo atirado no interior dos mesmos caminhões que coletam o lixo convencional, indo parar nos lixões. Tudo isso é bastante triste e apenas mostra que caminhamos na contramão dos países desenvolvidos, com os quais tanto tentamos nos parecer. Nosso problema é a (falta de) CIDADANIA, uma palavra que parece ter saído de moda ou caído em desgraça, talvez por ter sido apropriada por todo tipo de escroques, nos últimos anos, para ser utilizada em discursos demagogos, que lhe “queimaram o filme.”

          Eu mesmo me lembro de ter atravessado um ano inteiro, quando residia no Vale do Cuiabá, em Petrópolis, muitos anos passados, separando cuidadosamente o lixo, em minha casa: Plásticos, garrafas PET, papéis (sim, ainda utilizávamos papel para nossos escritos!), latas etc. Cada coisa tinha seu lugar e realmente reduziu-se muito, nessa ocasião, o volume de lixo que destinávamos à coleta da Prefeitura. Enquanto se acumulavam imensos volumes de recicláveis, esperávamos descobrir o que fazer com o produto de tanto trabalho. Para encurtar esta parte triste da história, acabamos vendo todos aqueles sacos e caixas, cuidadosamente separados, seguindo para o lixo comum, exatamente como os condomínios do Rio hoje vêem o seu.

          Os especialistas consultados pelo Bom Dia Rio recomendam que não sejam desmobilizados os esforços de cidadania dessa gente frustrada, para não perderem o “habito” de separar e reciclar. A COMLURB promete um grande projeto que pretende levar os níveis de reciclagem atuais, de 1% do volume total, até 5%, nos próximos anos. Uma das estratégias a serem adotadas, bastante apropriada, para esses tempos, é a profissionalização dos catadores de lixo do aterro de Gramacho (Duque de Caxias), recentemente fechado, transformando-os de seu estado de marginalidade social para agentes de desenvolvimento sustentável. Tomara que consigam! Assim como não conseguimos hoje desenvolver nossa economia, pela simples carência de recursos humanos, já existe falta de catadores de lixo – Uma das justificativas apresentadas para o fracasso da coleta seletiva no Rio.

          Para aqueles que, assim como eu, residem em áreas menos urbanizadas, onde existem jardins, lavouras e mesmo florestas, tenho algumas dicas sugestivas de como começar a tornar mais leves suas consciências, enquanto o poder público não consegue fazer sua parte, ou seja, a coleta seletiva. Falo, principalmente, da matéria orgânica de origem vegetal. Ressalto que isso não exclui a importância de qualquer iniciativa para estimular a reciclagem dos demais materiais. Porém, no caso da matéria orgânica, dois aspectos estimulam a imediata adoção de seu aproveitamento: 1) O lixo dos países em desenvolvimento, como o nosso, apresentam grande percentual de matéria orgânica, quase 80% do total, o que revela a natureza relativamente fresca e farta de nossa dieta; 2) A matéria orgânica é um dos melhores adubos para os solos tropicais.

          Reciclando matéria orgânica, estamos colaborando com dois pontos essenciais: A diminuição expressiva do volume de lixo transportado e disposto na natureza e; A recuperação dos solos fracos que nos circundam. No primeiro aspecto, a sociedade deveria esperar que o poder público, por se ver aliviado das pressões logísticas, direcionasse os recursos para atacar sua principal carência – A COLETA SELETIVA que é fundamental para viabilizar qualquer projeto de reciclagem. Quanto ao segundo aspecto, assume capital importância para a economia de baixo carbono. Estranho? Não, não é tão estranho. Deixe-me explicar, antes de seguirmos para as dicas práticas de reciclagem da matéria orgânica.

          A região na qual vivemos já foi praticamente toda coberta por florestas – a Mata Atlântica – que regulava nossos processos climáticos, hidrológicos e de solos. Sua supressão, como se pode imaginar, foi acompanhada da queima de praticamente toda a sua biomassa, coisa que persiste lamentavelmente, até os dias atuais. Essa queima direta das florestas, que ainda ocorre, impedindo sua regeneração, mesmo onde ela se vê desejada, é acompanhada da queima constante de matéria orgânica do lixo, na maioria das cidades médias e pequenas da Região Serrana Fluminense, o que alimenta ainda mais a taxa de gás carbônico da atmosfera. Enquanto isso, os projetos de recuperação de áreas desmatadas carecem justamente deste tipo de adubo e, sem ele, não conseguem ir para frente, mesmo com a aplicação de pesadas e caríssimas doses de adubos químicos.

          Adicionalmente, os condomínios – como aquele em que moro – são cheios de injustificadas áreas gramadas, sem qualquer utilização que não seja a rejeição à floresta (e seus mosquitos, aranhas, aves e toda sorte de seres “estranhos e assustadores”). Daí, a semana é passada sob o som desagradável das roçadeiras a gasolina – e sua emissão contínua de CO2 – que produzem farta quantidade de lixo orgânico que... é QUEIMADA, colaborando igualmente para o efeito estufa. Em meu condomínio, particularmente, a única amenização para este desastre ambiental é a proibição da queima de resíduos, o que acaba gerando pesados ônus de coleta e transporte para outras áreas onde, com certeza, a preciosa matéria orgânica é... QUEIMADA.

Minha solução – já implementada, às minhas próprias custas, como deve ser – foi a seguinte:

1)    1) Jardins de baixa manutenção, com apenas a quantidade de áreas gramadas suficientes;
2)      Reflorestamento de todas as demais áreas, de forma a reduzir a produção inútil de lixo de podas e corte de gramados, além de melhorar – em muito – minha climatologia, além de encher minha casa de passarinhos;
3)    2) Recuperação de TODOS os resíduos orgânicos vegetais, sem exceção (o que inclui os restos de cozinha), gerando redução drástica de volume em meu lixo e, por conseguinte, de TODO o condomínio;
4)    3) Trituração de resíduos, para aumento da velocidade de decomposição, na composteira. Galhos mais grossos viram lenha para minhas pizzas, depois de devidamente secos – às vezes, viram adubo para algumas de minhas orquídeas, que apreciam madeira em decomposição;
5)     4)Compostagem em local adequado, que deve ser coberto – para evitar vetores (ratos, baratas etc.) – e dotado de fundo cônico, para coleta do precioso chorume. O chorume, que é um efluente, pode ser danoso ao lençol freático, mas se torna o melhor dos adubos, se utilizado na rega de hortas e plantas – Veja o desenho que postei adiante;
6)    5)  Depois de decomposta, a matéria orgânica se transforma numa massa escura e friável, que deve ser drenada e peneirada. Os detritos ainda não totalmente decompostos são levados de volta à composteira, para continuar “sumindo”;
7)     6)A melhor parte: O adubo orgânico deve ser aplicado PREFERENCIALMENTE EM COBERTURA (sem incorporação no solo) nos canteiros, hortas e, em meu caso, sobre o solo da floresta, contribuindo para sua lenta recondução à biomassa florestal, um dia torrada, no passado triste de nossa região.

Posso dizer que estou muito longe ainda de ter de volta toda minha preciosa matéria orgânica, dependendo da aquisição de outras fontes, tais como húmus de minhoca ou substratos industriais. É claro que existem muitos projetos alternativos de composteira, adequados a cada situação. Podem ter certeza: Não existe a menor possibilidade, em nosso clima e condições ecológicas, de atingirmos tão cedo um auspicioso superávit de produção de matéria orgânica, em nossas casas e condomínios, o que poderia gerar qualquer tipo de excesso. Portanto, experimentem sem medo! A compostagem pode ser ajudada por fosfatos naturais e outros adubos. Seu melhor efeito é sobre nosso sono: DORME-SE TÃO BEM, SABENDO DO BEM QUE ESTAMOS FAZENDO!




Vista típica dos condomínios da Região Serrana Fluminense - ACIMA
ABAIXO - Como seria melhor o ambiente, com menos gramados e mais árvores: Clima mais ameno, menos lixo, menos ruído de roçadeiras e muito mais aves


ABAIXO - A queima de lixo ainda é uma doença ambiental séria, nas pequenas e médias cidades






segunda-feira, 4 de abril de 2011

A MACONHA E EU: UM CARETÃO NOS ANOS SETENTA

          Por mais que a galera dos anos setenta não acreditasse, alguns de nós não eram “doidões”. Doidão, não deve ser nenhuma novidade, era aquele cara que, no mínimo, “fumava um...” Sim, esse negócio de “queimar um fumo” era jargão de careta, de gente reacionária, fora daquele nosso contexto, e que queria dar uma de malandrão: - “Fulano tá queimando um fumo!” Meu Deus! Se falasse que estava “queimando um fuminho”, então, pior ainda! Mas, bem, a maioria de meus amigos daqueles anos fumava “unzinho” e, em muitos casos, algo mais. Mas, deixe-me dizer: paz e amor era o lema da maioria. Ninguém imaginava cheirar um monte de cocaína ou fumar crack, ficar alucinado, extremamente violento, entrar num carro de luxo (que o papai deu) e se matar num poste, junto com mais uns dois ou três amigos. Garanto para vocês, tudo era bem diferente!
          É lógico que sempre teve um ou outro que se arrebentou – e até morreu – em cima de uma motocicleta (Muito frequentemente, uma Yamaha RD350, apelidada, por isso, de “pertinho do céu”). Naquele tempo, havia somente uns poucos diabinhos a menos do que hoje... Mas havia! Só que o clima decididamente era outro. Bem, não sei se hoje um carinha careta (que não fuma, não cheira etc.) consegue ser aceito dentre os demais. Infelizmente, estou fora do sistema, faz tempo, e não dá para ver as coisas de dentro. Ainda bem que não fico dizendo que “os caras são boleteiros, maconheiros etc.” Mas, não canso de me perguntar se os “caretas” circulam tranqüilos, em meio ao restante da galera. No meu tempo (Falou o velho!), eu não encontrava problemas. Nem eu, nem alguns de meus amigos, tais como o Brenno, o Sérgio e o Paulo. Isso sim é que era liberdade.
          Voltei a estas lembranças, devido às historinhas que andei contando sobre o “Celacanto Provoca Maremoto!” aqui no meu blog. Falei do Carlos Alberto Teixeira, o CAT, sujeito tão estranho, na época, quanto gente fina e que se tornou meu irmão, desde aquele tempo. Lembrei-me de que ela muito diferente de nós, um tipo de rapaz do interior, e não podia ver, nem pintado, um baseado (cigarro de maconha). Uma vez, Paulo e eu o convidamos para fazer uma excursão pelas matas da Floresta da Tijuca, o que nada tinha de suspeito, uma vez que já éramos naturalistas, coisa igualmente incomum entre todos. Ele quase recusou, dizendo: -“Vocês vão chupar maconha na mata!” Rimos muito daquilo e acabamos convencendo-o do contrário, tendo ele participado de grandes incursões pelas florestas do Rio. É, esse contexto engraçado cercava inocentemente nossa juventude, com a droga circulando geral, mas quase sempre duma forma que chamo de “lisérgica”, o que quer dizer, para mim: de um modo pacífico. A maconha mandava, além de uns “acidinhos”, que eram os LSDs. Tudo isso remetia os usuários a momentos de muita calma e, assim, geralmente, geravam histórias engraçadas.
          Já havia escapado das patrulhas ideológicas, ao falar do Celacanto Provoca Maremoto!, dias atrás. Resolvi, então, enfrentá-las novamente, agora, para contar umas historinhas engraçadas, tendo como tema central a doideira dos anos setenta. Não pensem vocês que faço isso, num tipo de arroubo de moralismo, querendo reafirmar minha então “caretice”, para passar por bonzinho. Nada disso! Muito pelo contrário: Foi a presença da maconha, especialmente, que tornou tudo aquilo muito mais engraçado. Não quero, também, dizer que estimulo sua utilização, ou de qualquer outra droga. Claro que não! Será fácil perceber que a graça de tudo era justamente não viver doidão. O que celebro aqui, na verdade, é a lembrança de um clima de liberdade, no qual eu e alguns outros tínhamos pleno direito de não sermos doidões e, mesmo assim, sermos plenamente aceitos e curtidos pelos demais. Isso sim era ser livre.

          Vamos às historinhas, que são o que realmente interessa:

Na Praia do Pepino:  Eu era o irmão mais novo de dois. Três anos era o que me separava do Helinho (Hélio Roberto, meu irmão mais velho), que tinha o sugestivo apelido de “Guru”, na turma do Bob’s de Ipanema. Isso foi, mais ou menos, em 1974 e eu estava naquela fase fundamentalista do surf. Tudo o que me vinha à mente eram ondas e mais ondas e eu fazia de tudo para cair num mar perfeito. Só que eu era menor de idade e não dirigia. Assim, fiquei alvoroçado, certo dia, quando um amigo de meu irmão, que surfava muito – o Márcio da Prudente de Morais (Isso bastava, na época!) - me convidou para “subir” no dia seguinte. Subir, devo explicar, significava ir às praias da Av. Niemeyer para frente: Barra, São Conrado, Prainha etc.
Eu havia recentemente pegado uma prancha novinha, uma Rico verde, com um shape fenomenal. Caminhara da casa do Rico, no Leblon, até Ipanema, de volta, com aquela jóia sob o braço, fazendo questão de que todos vissem aquele “carro novo”. Queria testá-la em ondas de verdade. Aderi à “barca” do Márcio e, na madrugada do dia seguinte, estávamos os dois na Av. Vieira Souto, esperando uma carona, que logo chegou: Uma Kombi caindo aos pedaços, pertencente ao Horácio, o cara genial que desenhara as letras que figuravam nas pranchas do Rico. Quanta honra! Entramos correndo na Kombi do Horácio, que não tinha mais o berço, na frente da carroceria, permitindo que os pés do motorista pegassem um arzinho e fossem vistos da rua. Sentamos nuns bancos velhos, ao redor do centro da Kombi, cada um segurando sua prancha no colo. Foi quando escutei o chamamento típico: -“Olha o baseado!!!”
Entre meio gelado e esforçado, para não dar uma de (muito) careta, fiz que nem era comigo. O baseado passou, de mão em mão, até passar por mim – passar mesmo, pois não fumei, é claro – e pelo carinha que estava ao meu lado que, lembro-me bem, também não fumou. Tudo ia muito bem, até que começaram a mostrar um recorte de jornal, no qual se lia: “Foi queimada meia tonelada de maconha, no Aeroporto do Galeão, pela Polícia”. A manchete era motivo de debates e não deixei escapar: - “Caramba! Vai ter muito urubu doidão voando por lá”. O comentário levou a galera (devidamente doidona, é claro!) às gargalhadas e, evidentemente, ganhei a simpatia de todos. O mar da praia do Pepino estava gigantesco, com ondas aí de seus 2,5m, quebrando em picos perfeitos, entre as lajes negras, sob as águas, e as rochas íngremes do costão. Foi duro, mas tive que cair n’água e entrar até lá fora, contando com a cara e a coragem, sem fumar nada!
Nesse mar memorável, estavam celebridades que despencavam nas maiores, com águas de um verde profundo. Lembro-me do Maurício Galinha, com suas perninhas delgadas e o tronco forte – daí talvez o apelido – caindo no vazio, para aparecer mais adiante e dar o famoso grito dos surfistas: “Úuuuu!” (Nada de U-Hu! Isso é novidade de americano, bem depois dos anos setenta!). Também me lembro do Daniel Sabá, ao meu lado, falando: - “Vou sair, fumar mais um e entrar de novo!” E eu ali, caretaço, tentando encontrar coragem para descer uma daquelas morras... Bem, não teve outro jeito e acabei testando minha Rico, num pico imenso, com grande sucesso, graças a Deus! Careta mesmo, juntei-me àquela galera da pesada e surfei horas, com o maior prazer. No dia seguinte, meu irmão chegou na sala e me olhou com aquela cara de incredulidade: - “Você, einh? Eu soube que entrou no mar, doidão, e que até contou piadas sobre os urubus doidões...” Como foi difícil fazê-lo acreditar que eu não havia fumado nada.

Teatro Tereza Rachel – Show dos Mutantes: Eu era como mascote do restante da galera do Colégio Rio de Janeiro, por ser o único que não fumava, mas que era mais doido do que todos os outros. Haveria um show dos Mutantes, já sem a Rita Lee, no Teatro Tereza Rachel, carinhosamente apelidado de “galinheiro”, pelas suas condições gerais de conservação. Como em todo show de rock, nos anos setenta, a grande atração era fumar um baseado ou tomar um ácido e “entrar numas”. Todos levavam seu baseadinho, escondido aqui ou ali. Mas, a grande atração se tornou um pacote que eu levava comigo, bem escondido, prometendo somente liberar a “coisa” na hora do show. Reconhecido careta, eu acabara me tornando o centro das atenções, pois todos finalmente me veriam doidão, pensavam. Imagine só o que seria aquela “marofa” que eu levava escondida naquele misterioso embrulho.
Show começado, clima de alto transe, a música dos Mutantes, que era realmente muito boa, com aquele toque meio Pink Floyd. A platéia era uma noite estrelada, com centenas de pontinhos luminosos dos baseados que se acendiam. No palco, a fumaça do gelo seco inundava tudo, parecendo vir de umas paisagens incríveis que eles colocaram no fundo, com uns slides de montanhas nevadas. Era chegada a hora de conhecerem o que eu levara escondido, para abrir em pleno show. A galera quase se estapeava para chegar perto e também poder ganhar um pouco. Cuidadosamente e com certo mistério, abri o pacote, que insistia em manter velado, para “não dançar”: Pacotes da mais deliciosa bananada Ojuara (Que queria dizer Araujo, de trás para frente), empanadas em açúcar-cristal! O delírio foi absoluto e a disputa pela nova droga foi insana. Até hoje, alguns amigos, que estavam naquela cena, me lembram, com carinho, dessa deliciosa passagem, que virou lenda entre os doidões.

          Deixem-me confessar uma coisa: Já não mais consumo aquelas bananadas Ojuara. Tenho muito receio de retornarem aquelas sensações e eu não mais querer parar. Tudo na vida tem que passar, não é?


sábado, 26 de março de 2011

CELACANTO PROVOCA MAREMOTO!

          No meio dos anos de 1970, quando estudava no Colégio Rio de Janeiro, em Ipanema, não podia deixar de notar num garoto bem diferente, que estudava uma série abaixo da minha. Enquanto a maioria de nós, meninos típicos da Ipanema pós-Bossa Nova, usava cabelos longos, vestindo camisetas Hang-Ten ou Val-Surf, bem largas, sobre calças de veludo cotelê, com a boca estreita, de não passar uma laranja, se jogada pelas pernas, além de invariáveis sandálias havaianas e tênis Pampeiro ou Converse All-Star, sua indumentária em muito diferia da nossa: Camisas de tecido, com bolsos e botões, colarinho rígido; Calças de tergal com boca larga (Pantalonas) e; Tênis Bamba... Não havia dúvidas, tratava-se de alguém bastante diferente de nós. Porém, um aspecto chamava atenção para aquele garoto alto e magro, muito mais do que qualquer outro, referente à moda ou aos costumes massificados, tão comuns aos adolescentes: Carlos Alberto – este era seu nome – tinha a cabeça completamente raspada e reluzente!

          Outro aspecto bastante curioso prendia nossa atenção na figura de Carlos Alberto, evitando que, pela sua careca, fosse eventualmente confundido com algum “reco”, como chamávamos aqueles que cursavam colégios militares – o que não seria o caso, pois estávamos no famoso Colégio Rio de Janeiro: Ele andava numa bicicleta já meio antiga (Chamada por ele de “Aranha”), para todos os cantos, portando dois bastões de madeira, ligados por uma corrente, sobre a nuca. Explicaram-me que se tratava de um nunchaco (Arma oriental que o famoso Bruce Lee tornara célebre, em seu filme Operação Dragão). Também eu entusiasta das artes marciais, fui apresentado a ele, não posso me lembrar por quem, passando a chamá-lo de Kung Fu, como era conhecido, por razões óbvias. Soube que seu cabelo raspado se devia à momentânea adesão à Fraternidade dos Mantos Amarelos – FRAMA – uma seita espiritualista oriental, que arrebanhava inúmeros adeptos, na Cidade Maravilhosa. Entendi que suas indumentárias diferenciadas advinham de suas origens diversas das nossas: Fu, como passamos a chamá-lo, carinhosamente, havia morado no Piauí e sua família era mais uma das muitas que chegavam ao Rio, vindas de todas as partes, formando as bases democráticas e cosmopolitas da Cidade Maravilhosa.

          Carlos Alberto Teixeira se tornou amigo e irmão, juntamente com outras figurinhas marcantes, que formavam seleto grupo, naqueles inesquecíveis anos de 1970, no Colégio Rio de Janeiro. Cada um de nós, livre para difundir suas idéias e seu jeito, influenciou o caráter dos outros, dum modo que, infelizmente, não mais permite a ditadura globalizada e cheia de “vergonhas” da gurizada de hoje. Certamente, tornar-se-á desnecessário enumerar aqui os resultados individuais de tanta diversidade comportamental e cultural, nascida ali, desde o Cazuza e a Lucinha Veríssimo, para chegar, também, ao famoso dublê de Jornalista e Mestre em Computação de O Globo: Carlos Alberto Teixeira – o CAT, que até hoje chamo de Fu. Mas, não se tratando de um livro de memórias, mas somente de um rápido post, em meu blog, passo apenas a contar umas três historinhas ligeiras, que envolveram o CAT, e que marcaram por definitivo minha vida, assim como a da Cidade do Rio de Janeiro, no final dos anos de 1970.

          Motivei-me a contar essas passagens, depois de uma alegre troca de comentários no Facebook, tendo como assunto a velha citação que marcou o cotidiano da Cidade Maravilhosa, naqueles tempos: Celacanto Provoca Maremoto! Quando adveio o trágico sismo japonês, seguido pelo monumental tsunami, que ceifou tantas vidas, na Costa Nordeste daquele lindo país, lembrei-me, inevitavelmente, do episódio do seriado trash japonês, da década de 1960 – National Kid – quando o submarino Kilton, pertencente ao Seres Abissais, causava um tsunami sobre uma pequena aldeia japonesa, enquanto ecoava sua ameaça mortal: O Celacanto Provoca Maremoto! Tendo na memória aquelas cenas, que tanto me impressionavam, quando criança, fiquei estarrecido em ver como as cenas inacreditáveis do tsunami do Japão se pareciam com as do National Kid. Vindo, havia poucos dias, de trabalhar sobre a tragédia das chuvas, na Região Serrana do Rio de Janeiro, que também ceifara tantas vidas, resolvi não falar sobre essa estranha impressão, por medo de parecer desrespeitoso com tanta desgraça alheia. Porém, ao sabor do clima de liberdade do Facebook, que derrubou a ditadura das patrulhas comportamentais, resolvi falar dos maremotos e do Celacanto, com todo prazer que isso me traria.

          Naquele final dos anos de 1970, enfrentávamos a severa metamorfose, que transformava nossa velha Ipanema num imenso canteiro de obras, do qual emergiam enormes edifícios de apartamentos. Um tanto revoltados com aquilo, mas embebidos do espírito mais anarquista da República Jovem de Ipanema, achamos por bem, em nossas idas e vindas da praia, rabiscar os tapumes de obras, que dominavam a paisagem, utilizando canetas hidrográficas de ponta grossa, chamadas de pincéis atômicos: É Muito Ovo! Alô! Obrigado! Qualquer besteira que nos vinha à cabeça era escrita, com letras garrafais, naquelas excrescências de madeirite que enfeavam as ruas. Até mesmo uma poesia, cunhada pelo Carlos, é claro, chegou a ser difundida por nós: “Cala-te boca; Que a cor não vá: Sinto-me louco; A cor é lá-lá”. Não queríamos dizer NADA! Mas, uma de nossas inscrições tomou corpo, por trazer certo mistério, pois ninguém das gerações mais velhas se lembraria do National Kid: Celacanto Provoca Maremoto! Carlos se saiu com essa e adoramos focar nesta frase, aparentemente enigmática, que ganhou as ruas e se transformou numa febre, já hoje bastante contada, por muitos cronistas.

          Passo a contar três cenas que me mercaram a memória, em nossa doce delinquência do Celacanto Provoca Maremoto! São flashes deliciosamente engraçados, mas que representaram momentos de grande tensão, em nossas cabeças juvenis, daqueles tempos:

CENA 1 – Já utilizando sprays de tinta, mas NUNCA pichando residências ou monumentos, paramos meu velho fusca azul-marinho, ano 1972, na Avenida Niemeyer, junto a uma grande contenção de encosta, recentemente concluída, logo depois da entrada do Vidigal. Enquanto eu abria o capô da lata velha, fazendo uma cara intrigada de quem procura pelo defeito que a parara, Carlos aplicava um magnífico Celacanto sobre o horrendo muro de concreto: Sempre com aquela caixinha em volta, com uma seta apontando para baixo, onde uma gotinha d’água tremulava. Imagine hoje fazer algo assim, bem ali, naquele lugar!

CENA 2 – Já numa contenda – tudo para o ser humano acaba em guerra – com a turma do Lerfa Mu, outra corrente contemporânea de grafitis, que proliferava no Rio, rabiscávamos provocações e mensagens, num imenso tapume, próximo à esquina entre Visconde de Pirajá e Henrique Dumont, onde antes havia um cinema e nascia outro espigão. A essas alturas, os jornais davam conta de investigações da Polícia sobre a suposta origem dessas pichações em disputas entre facções rivais de traficantes. Como ainda vivíamos sob a ditadura, imagine o medo que tínhamos... Mas, seguíamos em nossa função. Pois, assim que terminamos de pichar mais aquele tapume, guardamos nossos “equipamentos” e nos viramos, surgiu da Henrique Dumont um comboio de uns três camburões da PM, com aqueles soldados mal encarados, armas para fora das janelas, pegando exatamente a Visconde de Pirajá e passando em frente a nós, que ficamos simplesmente petrificados.

CENA 3 – No mesmíssimo Fusca 72, percorríamos as ruas de Ipanema, em direção a Copacabana, procurando tapumes para vitimar, com o tradicional Celacanto. Carlos portava uma bolsa tiracolo, simplesmente lotada de sprays de tinta, luvas para não manchar as mãos e marcadores do tipo pincel atômico. Nada poderia ser mais “criminoso”, naqueles dias, do que aquela bolsa, dentro de nosso carro. Mais uma vez, passaríamos por inesquecível momento de tensão: No meio da rua Francisco Otaviano, no Arpoador, avistamos uma blitz da Polícia Militar, dezenas de metros à frente... Céus! O que fazer? Carlos pensou rápido e agiu com a teatralidade que lhe era típica. Pegou sua bolsa, abriu a porta do carro, despediu-se, com gestos largos e, em alto e bom tom, falou: “ - Muito obrigado, mande abraços à sua mãe, até semana que vem!” Calmamente, sem corridas e passando quase pelo meio dos soldados, que somente vistoriavam os carros, foi esperar-me adiante, continuando nossas operações.

          Pouco tempo depois disso tudo, o pai de Carlos, que era jornalista do Jornal do Brasil, foi abordado por colegas: “Já sabemos que o Celacanto é seu filho. Queremos uma entrevista...” Carlos solicitou uma reunião comigo e com o Brenno Pinheiro, seus principais “comparsas”, ponderando entre nós que, por ser o único menor de idade, deveria assumir sozinho a responsabilidade, para não termos problemas. Depois disso, ainda surgiram Celacantos, aqui e ali, até mesmo em Porto Alegre, São Paulo e mesmo no metrô de Paris. Mas, o mistério havia acabado. Juro que nada temos a ver com o tsunami do nordeste japonês, apesar de tudo ter começado pelas mãos deles – japoneses – nos anos de 1960, quando inventaram essa história de Celacanto Provoca Maremoto!



Resgatei este desenho, de 1980, no qual se vê um Celacanto Provoca Maremoto! Na parede e sobre o qual registrei minhas impressões.


domingo, 20 de março de 2011

TRÊS LUAS E UM MESMO CARA

          Três luas diferentes habitam, de pronto, a memória deste escrevinhador de meia idade. Bem, talvez seja a primeira vez que adoto esta estranha caracterização – Meia Idade. Mas, levando em conta que sigo determinado a chegar aos 100 anos, com a mesma lucidez de hoje e, se possível, com capacidade física semelhante, tenho que admitir, aos 52 anos, encontrar-me na flor da meia idade. Pois bem, para aferir essa capacidade mental, de que me arvoro, recorro às três luas, talvez não tão diferentes, do ponto de vista físico, mas bastante diversas, no que toca à minha memória.
          A memória, afinal, é dos equipamentos mais fundamentais para aquele que se pretende considerar em pleno gozo de suas faculdades mentais. Estranhamos muito quando alguém começa a se lembrar, em demasia, de eventos extremamente distantes, no tempo, esquecendo-se daqueles vividos há poucos instantes: É a demência chegando. Desse modo, regozijo-me de não lembrar daquelas belas luas que, um dia, banharam a pequena rua Vitório da Costa, no Humaitá, por volta do início dos anos de 1960. Nasci nesta rua, entre o sovaco do Cristo e a sombra do Mirante Dona Marta, no Rio de Janeiro e me lembro muito pouco dos belos dias que passei por lá. Deixo bem mais para adiante os posts nos quais escreverei sobre minha infância, no Humaitá, sem lembrar mais das três luas que ora relato.
          Por enquanto, tenho três luas para contar. A primeira delas, no quintal de uma casinha, num lugar chamado Seropédica, próximo à Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, onde estudava Agronomia, no finalzinho da década de 1970. Hoje, Seropédica é um município, com vida própria. Mas, naquele tempo, não passava de um distrito de Itaguaí, que somente possuía uma rua principal pavimentada, com paralelepípedos – a famosa rua Sete – sendo todas as demais nada mais que estradinhas de terra, invariavelmente marcadas por valas que acompanhavam seu caminho, captando águas das chuvas e esgotos, sem conseguir levá-los muito longe, devido à planura do terreno. Aí pelos meus dezenove ou vinte anos, tocava, solitário, minha gaitinha de boca (Harmônica) para a lua, sonhando com todos os amores possíveis – os já vividos, os em pleno curso e aqueles outros, por viver, em outras luas, mais para frente.
          A segunda lua se deu pouco mais adiante, durante os anos de 1980, no mais profundo e ermo sertão do Mato Grosso, escondido nalgum lugar, entre os vales dos rios das Mortes e Araguaia. Cercado de cerrados e florestas, por todos os lados, caminhava sob a forte luz da lua, lendo cartas a mim enviadas, pelo amigo Paulo Raguenet. Encantava-me com o fato de poder lê-las, ao som monótono do pio do curiango, sem precisar contar com qualquer outra fonte de luz, que não fosse o brilho prateado da lua cheia. Não havia energia elétrica, por dezenas de quilômetros à minha volta, mas eu podia enxergar com perfeição, contando somente com aquele luar do sertão. Lembrava-me da música: “Não há, ó gente não, luar como esse do sertão...”
          Por fim, a terceira lua de que me lembro... Nada difícil, para quem não começou a se esquecer das memórias recentes: A lua da noite de 19 para 20 de março de 2011 – ontem – que iluminou os céus de Petrópolis, como não o fazia, segundo dizem, havia dezoito anos. Foi uma BIG MOON, um fenômeno astronômico, no qual a lua, mais próxima, nos lança luminosidade toda especial. Era quase dia, no meio da noite! Que bom poder revê-la e lembrar de luas antigas e luas recentes, com os amores que ela embalou e ainda embala. Ah! Ela ainda está lá, hoje à noite: There’s a moon, over Bourbon Street tonight..!


Essa lua linda passou aqui em cima, ontem, fazendo-me lembrar de outras luas de minha vida

segunda-feira, 14 de março de 2011

Patetas ao Volante

          Minha recente viagem ao Sul do país que, aliás, se repete quase todos os anos, haja vista ter família no Rio Grande do Sul, ainda continua me trazendo motivos para minhas reflexões. Como essas reflexões me induzem a repetir o hábito de postar meus blogs, aborrecendo amigos e leitores, em geral, eis-me aqui, escrevendo novamente. O tema, desta vez, é o trânsito. Não sou especialista em trânsito, mas, temos que considerar: Nada mais significativo como a maneira como pegamos ao volante de nossos carros e, em frente a ele, lidamos uns com os outros. Trânsito é psicologia, trânsito é meio ambiente... Trânsito, enfim, nos dias atuais, é como mostramos que tipo de bicho somos. Assim, autorizo-me a falar sobre trânsito, esquecendo-me, para isso, de tratar de estatísticas, motores, mobilidades urbana etc. O tema é o homem, ou melhor, o lobo que o homem é. Digo isso, lembrando-me do que me diz, com freqüência, meu grande amigo Maurício Verboonen: “O homem é o lobo do homem”.
          Quando menino, o que já começa a representar tempo considerável, divertia-me assistindo a um clássico desenho animado de Walt Disney (Sim, no meu tempo, “A Disney” ainda levava o nome de seu criador – Walt Disney), no qual um de seus mais interessantes personagens, o Pateta, mostrava o costume do motorista, em geral: Tornar-se um lobo, ao volante de seu carro. O desenho se iniciava com um Pateta maravilhosamente cordial, caminhando por uma daquelas civilizadas ruas das cidades de Disney, cumprimentando senhoras e vizinhos, cumulando de gentilezas todos aqueles que encontrava, em seu caminho, até... Até entrar em seu carro e, como num daqueles efeitos especiais dos filmes de Hollywood, transformar-se num monstruoso lobo, com dentes afiados, em fileiras de arcada de tubarão, babando copiosamente, com olhos arregalados, para sair em alta velocidade, da forma mais agressiva possível, numa “patética” (no sentido da palavra e não do personagem) competição com os demais e, principalmente, contra aqueles mesmos pedestres que, minutos antes, tratava com tamanha civilidade.
          Nunca assisti desenho mais filosófico do que o motorista-pateta de Walt Disney e, lembrando-me dele, tento sempre superar meu lobo selvagem, ao volante de meu carro, portando-me como criatura civilizada. Nada mais significativo sobre o grau de civilidade de um homem do que a maneira como se porta no trânsito. Porém, não tenho encontrado níveis aceitáveis de civilização, no trânsito de nossa terra. Isso poderia me levar àquelas mesmas lamúrias de todos, atribuindo isso aos mesmos problemas psicossociais que também têm ocasionado incremento na violência, na roubalheira etc. Sim, não há dúvidas de que vivemos uma crise moral de imensas dimensões. Porém, dois recentes acontecimentos me levaram a abrir a boca, ou melhor, a digitar um texto, falando sobre o tema. Não poderia ficar calado. Ao escrever, tenho certeza, estarei a contribuir para que, na medida em que se tornar possível, comecemos a combater este lobo que está nos destruindo, diuturnamente, roubando-nos a civilização que deveríamos estar cultivando.
          Um dos acontecimentos mais significativos, ninguém haverá de duvidar, foi aquele a que assistimos, em nossas televisões, dias atrás, quando um homem de aparência (Apenas aparência, é claro) normal acelerou seu carro sobre um grupo de ciclistas, que faziam um protesto, numa rua de Porto Alegre. Felizmente, ninguém morreu! Pura sorte, pois a cena era dantesca, com gente sendo lançada aos ares, pelo Pateta em fúria. O Pateta fugiu, sem prestar socorro, tendo – pasme – seu filho no banco do passageiro. O Pateta sanguinário surgiu na telinha, dias depois, metido num terno sóbrio, com uma carinha civilizada de dar pena. Um homem comum? Não, um Pateta como tantos outros, desta feita, com o jeitinho normal do Pateta de Disney, pois já estava fora de seu carro. Isso ocorreu no Rio Grande do Sul, um Estado que aprendi a cultuar, desde a infância, como um tipo de Europa do Brasil, no qual sempre me impressionava o nível de civilização, supostamente suportado pela ascendência alemã e italiana de seu povo.
          O segundo acontecimento, mais trágico, foi o resultado da Operação Carnaval da Polícia Rodoviária Federal, que registrou nada menos do que 200 mortes, em mais de 4.000 acidentes, país afora, no curtíssimo espaço de quatro ou cinco dias. Segundo a PRF, o crescimento foi de 50% sobre a base do ano anterior e uma série de hipóteses vieram, para tentar explicar os números: Aumento de carros nas estradas; Decadência da infra-estrutura viária; Álcool; Ultrapassagens; enfim, um monte de verdades sobre o desempenho do LOBO, ao volante de seus veículos. Porém, um aspecto discreto me chamou atenção, em meio às estatísticas sobre as quais pouco poderia falar. A estrada na qual se registrou a maioria das mortes foi a BR-101, em seu trecho catarinense. Trata-se daquela que liga as lindas praias de Santa Catarina ao Estado do Rio Grande do Sul. Para aqueles que não são familiarizados aos costumes gaúchos, tenho que explicar: O Rio Grande do Sul migra quase por inteiro, nas férias de verão e seus feriados próximos, para as praias, entre elas, as mais lindas e atraentes, situadas em Santa Catarina. Trata-se de uma debandada monumental, que esvazia Porto Alegre e demais cidades, transferindo para o litoral até emissoras de televisão e redes de lojas.
          O litoral do próprio Estado encontra-se hoje bem servido de rodovias, que são bem pavimentadas e fiscalizadas. Já Santa Catarina, coitada, enfrenta as agruras de uma duplicação prometida ao início do governo Lula, mas que se arrasta até hoje, causando transtornos os mais diversos. Mas, é claro que os lobos de bombachas não tolerariam a morosidade do trânsito na BR-101 catarinense e, como em tantos outros anos, insistiram em matar e morrer no caminho das praias. Assim, as mortes na estrada que liga Florianópolis a Porto Alegre não foram catarinenses, mas sim atribuíveis aos mesmos motoristas gaúchos, como aquele que levantou aos ares os ciclistas e que, até uns dias atrás, encontrava-se preso – Coisa pouco comum, no Brasil.
          Tudo isso me fez recordar que retornara do Rio Grande do Sul, no começo do ano, impressionado com suas paisagens, cada vez mais lindas, com seus vinhos, cada vez melhores, e com seus motoristas, cada dia mais selvagens. Imaginava como escrever este blog, desde então, o que era sempre atropelado (Êpa! Não pelos Patetas-Lobos) por temas mais agradáveis ou urgentes. Porém, depois desses dois acontecimentos, não pude mais esperar. De minhas impressões originais, da viagem de fim de ano, somente deverei relatar uma, para se juntar ao que falei, acima: Foi a horrenda experiência de trafegar pelas estradas gaúchas, especialmente aquelas que cortam a Região Serrana do Estado.
          Deixando Caxias do Sul, onde passei alguns dias, na direção de Bento Gonçalves, onde fica o admirável Vale dos Vinhedos, passando por Farroupilha, passei momentos de grande tensão, na direção de meu automóvel com minha família: Caminhões trafegavam em alta velocidade, carregados ou não, dirigindo a poucos centímetros dos carros que lhes ousassem ficar à frente, e ultrapassando em curvas cegas, em muitos casos, expulsando os que lhes viessem em direção contrária. Quando mal sucedidos em suas loucuras, fechavam sem constrangimento aqueles a quem tentavam ultrapassar e, não poucas vezes, buzinavam agressivamente, em protesto por lhes tomarem seu precioso tempo os veículos que ousassem trafegar de forma civilizada. Motoristas de automóveis não agiam de forma muito diferente, mostrando, todos eles, notáveis níveis de agressividade e desrespeito às leis de trânsito. Tudo que se via, nas estradas gaúchas, eram Patetas e mais Patetas, em suas versões de pele de lobo. Deixem-me apenas fazer uma ressalva, para que não me tenham como um “tranca-ruas”, desses que ficam molengando e atrapalhando o trânsito. Não sou definitivamente o tipo, podem ter certeza, e vivo grande parte de minha vida nas estradas do país, conhecendo muito bem suas estradas e seus tipos de motoristas. Posso dizer, então, sem medo de errar: Não conheço Estado que congregue tantos Patetas-Lobos, como meu querido e um dia idealizado Rio Grande do Sul.
         Ao externar minha impressão, para alguns interlocutores da região, sobre o aspecto contraditório de ter estradas assim, entregues à barbárie, ligando lugares de atratividade turística, tão famosos, como o Vale dos Vinhedos, Gramado e Canela, escutei resposta unânime e desalentadora: “Nossas autoridades não ligam para isso, pois acham mais importantes as indústrias da região, que provocam este trânsito (Especialmente de caminhões), do que o turismo, que gera menos impostos.” Pois é, meus amigos, o homem é decididamente o lobo do homem. O mundo dos negócios não é tradicionalmente “uma selva”? Com efeito, numa selva, não há lugar para os homens civilizados, mas somente aos lobos selvagens que habitam em nós. Somente poderei lamentar que meu Rio Grande do Sul, do qual trago tantos de meus hábitos, se tenha jogado nos braços da incivilidade, priorizando seus Patetas-Lobos, em vez de seus “Patetas-Gente-Boa”. Parafraseando o artista Gaúcho da Fronteira, um autêntico representante de meu velho Rio Grande, com seus versos e sua acordeona aragana, lá de Santa do Livramento: “O que é bom não se mistura e o que é ruim de longe vem”. É uma pena que os gaúchos se venham rendendo ao que de ruim de longe lhes tem vindo.


O Pateta Motorista de Walt Disney - Imagem comum em nossas ruas e estradas


segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Dona Graziela - The Tropical Botanist

          As mesmas revisões de arquivos do computador, que me fizeram descobrir meu Post anterior, uma velha matéria do Jornal A Tribuna de Petrópolis, sobre as enchentes de Petrópolis, no ano de 2005, resultaram no feliz encontro deste texto, transcrito adiante. Essas investigações das prateleiras virtuais de minha biblioteca eletrônica ocorrem de forma a quebrar, ocasionalmente, a rotina cansativa de revisões bibliográficas, redações e estudos de uma obra que venho desenvolvendo, no campo da botânica. Em meio a prolongadas concentrações, em determinados textos ou assuntos, tenho o costume de interrompê-las, para descansar o cérebro, enquanto realizo outras tarefas, seja na coleção de plantas, afazeres diversos e, como tem sido o caso, ultimamente, vasculhando meus arquivos mais antigos, em busca de informações e conhecimentos, que possam estar sendo indevidamente esquecidos.
          Não terá sido o caso de esquecimento deste texto sobre a minha querida e saudosa Dona Graziela, pois falei dela, neste Blog, há pouco tempo, ao relatar a visita do jovem naturalista, desejoso por conhecer minhas plantas. Além disso, jamais poderia esquecer que este texto foi publicado no website da Sociedade de Bromélias da América, em 2003, ano em que morreu Dona Grazi, enquanto eu ainda presidia a nossa Sociedade Brasileira de Bromélias-SBBr.
          Devo ressaltar que este texto foi originalmente concebido em inglês e, ao examiná-lo, percebi que não deveria simplesmente traduzi-lo, sob o risco de alterar uma sensação, uma emoção daquele momento, que aconteceu naquele idioma. Como tenho percebido que, no adiantado dos tempos, qualquer pessoa compreende perfeitamente a língua do Tio Sam, não creio que possa parecer pedante, a qualquer leitor, que ele seja desta forma transcrito. Mas, se alguém quiser conhecer a versão “brasileira” dos fatos, bastará voltar ao Post de janeiro de 2011, intitulado: onde a história é contada, em segundo plano. A seguir, Dona Graziela a Botânica Tropical. Boa leitura.

Graziela Barroso  1912-2003 – The Tropical Botanist

by Orlando Graeff, President of the Brazilian Bromeliad Society

In 1975, Paulo Raguenet ( now a well known plastic surgeon in Rio de Janeiro*) and I  had decided to become trainees at the Botanical Garden of Rio de Janeiro (BGRJ). Both of us loved nature and used to make research excursions in the tropical rain forests of southeast Brazil, looking for animals, orchids and bromeliads. The Botanical Garden of Rio de Janeiro appeared to us the greatest symbol of knowledge in this area – and I guess we weren’t wrong at all.

We were school-boys, sixteen years old, in the middle of the seventies. Every one of our school mates wore surf-trunks to their knees, while we loved to be in army suits, with forest camouflage, spending most of our time in the heart of the Atlantic Forest. The door-keeper of the BGRJ must have been surprised when the two young boys knocked at the door, asking for a place on the staff of such a traditional institution: “We are not accepting any trainees here these days!”, he told us. But we insisted: “We don’t need any certificate! We are only looking for knowledge!” The man then asked us to wait a minute.

There was someone who could deal with that strange request – a certain Mrs. Graziela Maciel Barroso. Our minds will never forget that sweet but strong figure of an old lady coming toward us and saying: “Knowledge is what you want, uhm? That´s OK! Come with me, my sons, I’ll help you to learn a little of botany.”

We followed Graziela Maciel Barroso, at that time already known by her colleagues by the nickname of Dona Graziela (or simply - Dona Grazi ), along the corridors of the Systematic (Taxonomy) Botany Building. We had crossed the threshold of our dreams and Dona Graziela had definitely entered into the history of our lives. She presented us to Mrs. Ariane Luna (now the chief of the National School of Tropical Botany of the BGRJ), at that time, one of her pupils. Ariane helped us, together with Dona Graziela, in our search for knowledge, as we spent an entire year in the BGRJ. This was the most important foundation for my naturalist career.

Dona Graziela knew exactly the importance of the support she gently donated to each one of her pupils. Born in the hinterland of the Mato Grosso Swamps (Pantanal Matogrossense), in the small village of Corumbá, in the year of 1912, Graziela, herself, would have experienced  the incredibly hard track that led her to the scientific world. She married Liberato Joaquim Barroso, an agronomist, in 1928, and followed him in his adventurous life across the country. He was in fact the open door to Graziela’s interest for botany. Named director of the horticulture department of the BGRJ, in 1942,  Liberato Barroso hardly knew that Graziela was about to become the most important seed he could ever have planted.

In the same year of 1942, Graziela started up as an employee of the BGRJ, taking care of the seeds that came from the wild that had been planted by  Liberato. “I’ll teach you a little of botany” said Barroso to his beloved Grazi. She must have remembered this very exact moment each and every time she accepted a new pupil, many years later, just like she did when she took us as trainees, in 1975.

Climbing to the top of botany world, from that moment on, was only a question of time. Every one of her ex-pupils and admirers knows very well it was written in the stars. Liberato Barroso died in 1949 and since then Dona Graziela seemed to have decided dedicating all of her love to science. Destiny also played a great part by putting next to her some other unforgettable names, such as Roberto Burle Marx, Helmut Sick, Margaret Mee, Guido Pabst and Dimitri Sucre. Together, they wrote some of the most brilliant lines in the history of tropical botany in Brazil.

The last years of her life were spent in the studies of the botanical family of the Myrtaceae, still at the BGRJ, where she loved to be, even after her former retirement. Dona Graziela died this year, in May, 5th and left everyone of us orphans of her kindness and love for nature in the tropics.

The caprices of destiny had recently put Dona Graziela in my way again. Since 1998, I have been studying a new population of the tiny bromeliad Tillandsia grazielae, in the rocky outcrops of Petrópolis, State of Rio de Janeiro.

In 2001 while visiting the State of Goiás, in the central plateau of Brazil, I saw another small species of Tillandsia, in the Pirineus Mountains. It was Tillandsia barrosoae, also named after Graziela Maciel Barroso. One thing is sure: The size of these two small bromeliads is rightly the reverse to that one of Graziela’s heart. I’m just one of the many naturalists who owe their careers to this big hearted old lady. Thank you very much, Dona Graziela!

*- Paulo Raguenet vive hoje no interior da França, no vale do rio Loire, onde continua desempenhando sua brilhante carreira de Cirurgião Plástico, na Policlínica de Blois.