segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Dona Graziela - The Tropical Botanist

          As mesmas revisões de arquivos do computador, que me fizeram descobrir meu Post anterior, uma velha matéria do Jornal A Tribuna de Petrópolis, sobre as enchentes de Petrópolis, no ano de 2005, resultaram no feliz encontro deste texto, transcrito adiante. Essas investigações das prateleiras virtuais de minha biblioteca eletrônica ocorrem de forma a quebrar, ocasionalmente, a rotina cansativa de revisões bibliográficas, redações e estudos de uma obra que venho desenvolvendo, no campo da botânica. Em meio a prolongadas concentrações, em determinados textos ou assuntos, tenho o costume de interrompê-las, para descansar o cérebro, enquanto realizo outras tarefas, seja na coleção de plantas, afazeres diversos e, como tem sido o caso, ultimamente, vasculhando meus arquivos mais antigos, em busca de informações e conhecimentos, que possam estar sendo indevidamente esquecidos.
          Não terá sido o caso de esquecimento deste texto sobre a minha querida e saudosa Dona Graziela, pois falei dela, neste Blog, há pouco tempo, ao relatar a visita do jovem naturalista, desejoso por conhecer minhas plantas. Além disso, jamais poderia esquecer que este texto foi publicado no website da Sociedade de Bromélias da América, em 2003, ano em que morreu Dona Grazi, enquanto eu ainda presidia a nossa Sociedade Brasileira de Bromélias-SBBr.
          Devo ressaltar que este texto foi originalmente concebido em inglês e, ao examiná-lo, percebi que não deveria simplesmente traduzi-lo, sob o risco de alterar uma sensação, uma emoção daquele momento, que aconteceu naquele idioma. Como tenho percebido que, no adiantado dos tempos, qualquer pessoa compreende perfeitamente a língua do Tio Sam, não creio que possa parecer pedante, a qualquer leitor, que ele seja desta forma transcrito. Mas, se alguém quiser conhecer a versão “brasileira” dos fatos, bastará voltar ao Post de janeiro de 2011, intitulado: onde a história é contada, em segundo plano. A seguir, Dona Graziela a Botânica Tropical. Boa leitura.

Graziela Barroso  1912-2003 – The Tropical Botanist

by Orlando Graeff, President of the Brazilian Bromeliad Society

In 1975, Paulo Raguenet ( now a well known plastic surgeon in Rio de Janeiro*) and I  had decided to become trainees at the Botanical Garden of Rio de Janeiro (BGRJ). Both of us loved nature and used to make research excursions in the tropical rain forests of southeast Brazil, looking for animals, orchids and bromeliads. The Botanical Garden of Rio de Janeiro appeared to us the greatest symbol of knowledge in this area – and I guess we weren’t wrong at all.

We were school-boys, sixteen years old, in the middle of the seventies. Every one of our school mates wore surf-trunks to their knees, while we loved to be in army suits, with forest camouflage, spending most of our time in the heart of the Atlantic Forest. The door-keeper of the BGRJ must have been surprised when the two young boys knocked at the door, asking for a place on the staff of such a traditional institution: “We are not accepting any trainees here these days!”, he told us. But we insisted: “We don’t need any certificate! We are only looking for knowledge!” The man then asked us to wait a minute.

There was someone who could deal with that strange request – a certain Mrs. Graziela Maciel Barroso. Our minds will never forget that sweet but strong figure of an old lady coming toward us and saying: “Knowledge is what you want, uhm? That´s OK! Come with me, my sons, I’ll help you to learn a little of botany.”

We followed Graziela Maciel Barroso, at that time already known by her colleagues by the nickname of Dona Graziela (or simply - Dona Grazi ), along the corridors of the Systematic (Taxonomy) Botany Building. We had crossed the threshold of our dreams and Dona Graziela had definitely entered into the history of our lives. She presented us to Mrs. Ariane Luna (now the chief of the National School of Tropical Botany of the BGRJ), at that time, one of her pupils. Ariane helped us, together with Dona Graziela, in our search for knowledge, as we spent an entire year in the BGRJ. This was the most important foundation for my naturalist career.

Dona Graziela knew exactly the importance of the support she gently donated to each one of her pupils. Born in the hinterland of the Mato Grosso Swamps (Pantanal Matogrossense), in the small village of Corumbá, in the year of 1912, Graziela, herself, would have experienced  the incredibly hard track that led her to the scientific world. She married Liberato Joaquim Barroso, an agronomist, in 1928, and followed him in his adventurous life across the country. He was in fact the open door to Graziela’s interest for botany. Named director of the horticulture department of the BGRJ, in 1942,  Liberato Barroso hardly knew that Graziela was about to become the most important seed he could ever have planted.

In the same year of 1942, Graziela started up as an employee of the BGRJ, taking care of the seeds that came from the wild that had been planted by  Liberato. “I’ll teach you a little of botany” said Barroso to his beloved Grazi. She must have remembered this very exact moment each and every time she accepted a new pupil, many years later, just like she did when she took us as trainees, in 1975.

Climbing to the top of botany world, from that moment on, was only a question of time. Every one of her ex-pupils and admirers knows very well it was written in the stars. Liberato Barroso died in 1949 and since then Dona Graziela seemed to have decided dedicating all of her love to science. Destiny also played a great part by putting next to her some other unforgettable names, such as Roberto Burle Marx, Helmut Sick, Margaret Mee, Guido Pabst and Dimitri Sucre. Together, they wrote some of the most brilliant lines in the history of tropical botany in Brazil.

The last years of her life were spent in the studies of the botanical family of the Myrtaceae, still at the BGRJ, where she loved to be, even after her former retirement. Dona Graziela died this year, in May, 5th and left everyone of us orphans of her kindness and love for nature in the tropics.

The caprices of destiny had recently put Dona Graziela in my way again. Since 1998, I have been studying a new population of the tiny bromeliad Tillandsia grazielae, in the rocky outcrops of Petrópolis, State of Rio de Janeiro.

In 2001 while visiting the State of Goiás, in the central plateau of Brazil, I saw another small species of Tillandsia, in the Pirineus Mountains. It was Tillandsia barrosoae, also named after Graziela Maciel Barroso. One thing is sure: The size of these two small bromeliads is rightly the reverse to that one of Graziela’s heart. I’m just one of the many naturalists who owe their careers to this big hearted old lady. Thank you very much, Dona Graziela!

*- Paulo Raguenet vive hoje no interior da França, no vale do rio Loire, onde continua desempenhando sua brilhante carreira de Cirurgião Plástico, na Policlínica de Blois.



quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Entre Petrópolis e São Paulo

          No início de 2005, ou seja, seis anos atrás, o jornal petropolitano A Tribuna de Petrópolis publicou um texto meu, que falava sobre um tema bastante atual, naquela época: As enchentes e desastres naturais, na cidade. Resgatei-o, em meu computador, e notei uma coisa curiosa: Ele continua bastante atual, nos dias de hoje! Resolvi, então, transcrevê-lo neste Blog, para provocar o que sempre tento – A reflexão sobre os temas corriqueiros de nossa sociedade. Creio que sua leitura será capaz de levantar algumas discussões relevantes sobre esse grave problema de Petrópolis, que é a sua vulnerabilidade aos fenômenos naturais, especialmente as chuvas. Eis o texto de 2005:

           O clima das regiões, conhecido como macroclima, sofre modificações cíclicas que somente podem ser avaliadas pela observação de dados meteorológicos, medidos por estações, durante dezenas de anos contínuos.  Quando essas modificações ocorrem e culminam em episódios marcantes de secas, chuvas e ventos, o ser humano tende a interpretá-las de forma conclusiva e catastrófica. É quando ouvimos opiniões do tipo: “O clima está mudando!” Essas conclusões costumam vir acompanhadas de idéias formadas sobre as possíveis causas dessas mudanças, usualmente associadas aos desmatamentos e alterações ocasionadas pelo homem. A verdade, porém, é que essas alterações macroclimáticas são predominantemente de ordem natural e a única influência humana sobre os macroclimas, hoje, nada pequena por sinal, tem sido a aceleração de um desses processos naturais – o aquecimento global – que já vinha ocorrendo, de forma espontânea. O homem o tem tornado mais rápido, através da imensa emissão dos chamados gases de efeito-estufa, em especial, o gás carbônico (CO2), proveniente da queima de petróleo e das queimadas .
           Os climas locais, chamados mesoclimas ou topoclimas (jamais microclimas, estes significando, sim, os climas da camada superficial do solo), relacionados ao relevo e geografia de pequenas regiões, podem sofrer alguma influência das atividades do ser humano. As maiores influências humanas sobre os climas locais são determinadas pelo aumento das cidades e das áreas abertas. As cidades, em especial, com suas casas, ruas e calçadas, formam bolhas de calor que alteram os ventos e as chuvas, podendo fazê-los escassear ou, em caso inverso, abaterem-se com maior vigor e de forma concentrada sobre determinados locais.
           Quando nos deparamos, em Petrópolis, com estações muito chuvosas, aparentemente anormais, como é o caso do verão de 2004/2005, estamos lidando, em verdade, com uma variação macroclimática natural, segundo consta, determinada por um acentuado fenômeno el niño. Quando vemos ocorrer uma tromba d’água tão impressionante como a ocorrida na noite de terça-feira (18/01) para quarta-feira, quando Itaipava enfrentou sua pior enchente, em mais de vinte anos, temos sim um consórcio de influências humanas em ação. Porém, mesmo que se admita como influenciada pelo ser humano a brutal concentração de chuvas (de 130mm a mais de 150mm) ocorrida em poucas horas, entre o Vale do Jacó, o Bonfim e Vale do Caititu, terá sido esta a menor causa de malefícios determinada pelo homem a si mesmo neste evento.
           Arremedando pateticamente a Cidade de São Paulo, maior metrópole da América do Sul, Petrópolis viu alguns de seus cidadãos mergulharem na torrente impiedosa de lama do rio Piabanha, vivendo cenas semelhantes às que vemos, nos telejornais, quando caudais incontroláveis arrastam paulistanos e seus patrimônios, durante pesadas chuvas de verão.  O que ocorreu em Itaipava, naquela fatídica noite, poderia ter ocorrido mais acima ou mais abaixo, ao longo do Piabanha, dependendo de onde se fizesse despencar tamanho temporal. Mas o desencontro entre obras de dragagem, destituídas de planejamento, no Piabanha, e o crescimento descontrolado da malha urbana, sobre encostas e margens de rios, já determinou que conseguíssemos nos parecer com a Grande São Paulo. Os azarados, desta vez, foram os habitantes de Itaipava, como haviam sido os do Quitandinha e Centro, ainda em dezembro de 2004. Quem haverão de ser os próximos?
           É claro que ninguém torce pelo pior. Mas, não temos feito o melhor por Petrópolis: O Poder Público empurra com a barriga eleitoreira os problemas de ocupação desordenada de encostas e margens de rios, havendo casos lamentáveis de decisões judiciais (no momento, providencialmente esquecidas) que homologam essa favelização, justificando-as como soluções habitacionais; A população, por seu lado, se atira à ocupação de todo e qualquer espaço natural disponível, no intento de suprir sua sanha desenvolvimentista. Tudo vale para cada um de nós ganhar mais, ser dono de mais. Pouco importa quem está encosta ou rio abaixo. Nesse estado de coisas, podemos nos preparar para imitar o que de ruim seremos capazes da gigantesca Cidade de São Paulo, por que o que ela tem de bom não parecemos estar dispostos a realizar.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

VERANICO – A SECA DO ALTO VERÃO NO SUDESTE

          Temos enfrentado muitas surpresas climáticas e meteorológicas, não somente no Rio de Janeiro, mas em todo o país, quiçá no inteiro Planeta. Porém, deve ser lembrado, oportunamente, que o Clima tem dessas coisas mesmo. Ainda estamos discutindo, acaloradamente, nos meios acadêmicos e para-acadêmicos, se os duros eventos meteorológicos ocorridos em janeiro, na Região Serrana do Rio, representaram realmente um fato sem precedentes, ao menos na História do Brasil, que já remete a 510 anos. Mas, enquanto se debate a recorrência de chuvas da ordem de 200mm, em período de cerca de duas horas, como parece ter sido o caso na Serra Fluminense, algo realmente extraordinário, devemos deixar claro um aspecto fundamental, em climatologia: O Clima de determinadas regiões possui padrões previsíveis, mesmo que submetidos às naturais flutuações, que o fazem variar, de ano para ano, de década para década e mesmo de século para século. Flutuações são essas variações que percebemos, com nosso olhar pessoal, quando temos um verão mais quente que outro, com mais ou menos chuva, ou mesmo mais ou menos frio, no inverno. São diferentes – e muito – das apregoadas mudanças climáticas, que pressupõem diferenciações profundas nos padrões conhecidos e que podem ou não estar ocorrendo, em nosso Planeta.
          Pois falo aqui, agora, de um fenômeno que tem assustado muitas pessoas, nestes últimos dias, que parece para alguns um tipo de coisa extraordinária e, na visão de outros poucos, até mesmo um sinal alarmante das mudanças climáticas em curso. Refiro-me à prolongada seca, acompanhada de forte calor, que tem se abatido sobre nosso Estado, ocasionando incêndios florestais, tais como o do Parque Ecológico da Prainha, além de outros urbanos, como o que destruiu por completo alguns barracões de escolas, na Cidade do Samba, Zona Portuária do Rio. Trata-se de um padrão bastante previsível, na climatologia fluminense, ocorrendo com freqüência considerável, entre os dias 15 de janeiro e 15 de fevereiro, todos os anos. Chama-se VERANICO e sua ausência, em determinados anos, esta sim, pode ser considerada algo excepcional. Porém, tendo se sucedido às chuvas descomunais e destruidoras de12 de janeiro, não podiam deixar de ser observadas com certo susto, pelos não iniciados nas ciências naturais.
          O Veranico é um domínio ocasional de altas pressões atmosféricas, quando predominam ventos descendentes, empurrando ar seco contra o solo, dificultando assim a ascensão de massas úmidas e a conseqüente formação de nuvens – que produzem as chuvas. Nesta época do ano, situamo-nos na retaguarda do sistema equatorial-amazônico que, encontrando-se com as massas de ar do Atlântico Sul, forma um corredor de umidade conhecido como Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS). A ZCAS é exatamente aquela que, dias atrás, encontrava-se sobre o Sudeste, causando as chuvas que atormentaram a população do RJ, SP, MG e ES. A ZCAS e que se deslocou agora para a Região Sul deixando-nos sob a forte seca que ora enfrentamos, acompanhada de intenso calor, por encontrarmo-nos exatamente no Alto Verão. O Veranico é normal e não deve assustar ninguém. Daqui a alguns dias, a ZCAS se enfraquecerá, enquanto as chuvas do final do verão – as famosas águas de março – fecharão a estação quente de 2010/2011.
          O clima sofre suas flutuações, ano após ano, mas seus padrões ainda permanecem os mesmos, a se considerar os registros existentes, desde o Século XIX, mesmo tendo evoluído bastante a metodologia de medições e previsões. Mesmo que o veranico nos cause certos desconfortos, assim como as chuvas, quando em exagero, temos que nos curvar, humildemente, diante da grandiosidade da Natureza, que dá um pouco de cada coisa, em doses pré-estabelecidas, a cada ser que habita o Planeta. Temos que admitir que não estamos sozinhos na Barca Terrestre e que existem outras formas de vida, que necessitam de quantidades específicas de chuvas, secas, ventos e radiação solar, por mais que essas doses alheias, por vezes, nos incomodem um pouco. Podemos ter absoluta certeza de que, neste exato instante, enquanto nos esbaforimos, desagradados pelo calor intenso e falta de chuvas, outros habitantes do Planeta comemoram sua dose certa, que lhes propiciará reprodução, crescimento e sua necessária perpetuação.
          Deveríamos sim adequar nossas ambições de dominação sobre a biosfera às medidas que efetivamente a Natureza nos condicionou crescer. Não podemos continuar proliferando, desmesuradamente, ocupando todo e qualquer espaço existente sobre a Terra, e desejando ainda que não sejamos atropelados por torrentes d’água, terremotos, incêndios e furacões, que sempre existiram, mas que nos passavam ao largo, em tempos de menor população humana. É hora de darmos uma parada para pensar, olhando as flores e bichos que nos cercam, entendendo que o momento agora é deles. Precisamos nos deter, diante da linha, aguardando que o trem da Natureza passe, com sua força descomunal, para podermos então, depois do último vagão, seguir nosso caminho, com toda calma.



A orquídea Cattleya bicolor floresce nas matas de Petrópolis, no exato momento em que a região se submete aos mais severos momentos de seca, no veranico do Alto Verão. A diversidade obriga alguns a tolerar condições duras para si, enquanto outros usufruem de seus instantes ótimos.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Búzios – Dos anos Setenta à Praga dos Navios

          Do início a meados da década de 1970, realizei diversas viagens de mergulho a Búzios, no Litoral Norte Fluminense, juntamente com meu amigo Flávio Coutinho, para mergulhar em paraísos como a Enseada da Ferradura, Forno e Focas. Saíamos de Cabo Frio, onde ficávamos acampados, pegando um velho ônibus que, através de estradinhas poeirentas, nos largava no meio do nada, próximo a uma velha porteirinha de fazenda, lembro-me muito bem, cheia de espadas-de-são-jorge, aquelas plantinhas resistentes, que crescem em locais secos, tais como este “ponto de ônibus”. Pouca coisa se via, ao redor deste local, do qual caminhávamos um bocado, até chegarmos ao nosso objetivo tão desejado: A Enseada da Ferradura. Sim, este isolado ponto de ônibus dos anos setenta nada mais era do que aquele posto de gasolina que fica hoje situado no entroncamento entre a pista dupla do Centro de Búzios e a saída de quem retorna da Armação – Tudo isso hoje em meio à densa malha urbana do movimentado balneário.
          Não me arvoro de nenhum concorrente de Brigitte Bardot, na primazia da descoberta da Armação dos Búzios. Mas, já me sinto um tipo de Forrest Gump, aquele personagem do cinema, vivido por Tom Hanks, que passa quase imutável, através de momentos marcantes da história, sempre com a mesma cara, amealhando lendas de vida, para serem contadas. Bem, ao contrário do inesquecível Forrest, acabei amadurecendo um pouco – para não falar em velhice! – e minha figura mudou bastante, desde então. Mas, infelizmente, mudou Búzios também, sobremaneira. Naquela doce época, mergulhávamos o dia inteiro, nos belos costões da Ferradura e suas vizinhas, assávamos nossos badejos nas pedras, à sombra de magníficas árvores das matas que cercavam as deslumbrantes enseadas protegidas. Depois, caminhávamos na florestinha baixa e biodiversa das montanhas, de praia em praia, até chegarmos à Armação, onde aguardávamos a hora de pegar o ônibus, de volta a Cabo Frio. Sentados à beira do cais, espiávamos os peixes-agulha volteando nas águas transparentes, entre barquinhos que balançavam, ao sabor das marés.
          Como Forrest Gump, eu poderia agora simplesmente dizer: ...And that’s all I have to say about Búzios! Mas, não é tudo o que tenho a dizer sobre essa outrora aldeia dos sonhos, lançada aos olhos do Mundo, nos anos de 1960, pela também então estonteante Brigitte Bardot. Cresci e ela também. Coisa de uns dez anos depois, no começo dos anos de 1980, voltei a Búzios e me lancei alegre às águas da Ferradura, já então com muitas casas construídas, ao redor, com minha máscara e snorkel, pronto para rever meus badejos, marimbás e outros peixes, desta vez, sem a sanha de arpoá-los e devorá-los, mas tão somente para admirá-los. Lembram-se dos famigerados saquinhos de leite, que eram as embalagens utilizadas, há muitos anos, em vez das atuais caixinhas? Pois eram abundantes, debaixo d’água, no lugar de meus queridos peixes. Balouçavam nojentos, já meio esverdeados pelas algas, como bailarinas diabólicas e, o que era pior, em meio às águas já bem turvadas pelos esgotos e sedimentos do “progresso”da Armação dos Búzios.
          Ainda voltei a viver agradáveis momentos, em Búzios, bem diferentes daqueles dos 1970s, desta vez, embalado pela praia simplesmente, com muito frescobol e sol, junto com uma galera de bons amigos, entre os quais poderia destacar Carlos E. Viana Cardoso – Cadu – e o irmão Sérgio Burle Marx Smith, conhecido pelos demais como o Inglês. O centro das atenções era Geribá, ainda que derivássemos, com toda freqüência, para Tartaruga e, é claro, a minúscula e deslumbrante Azeda, com a Azedinha ao lado. Muitos namoros, paixões até, na Búzios dos 1980s. Chez Michou, Satyricon, Le Cheval Blanc... A noite passava a ser importante, nessa nova fase do Forrest Gump Tupiniquim. Mas, já percebíamos como a bucólica aldeia se ia transformando num turbilhão, numa mania que destruía suas matinhas tão singulares e sujava irreversivelmente suas belas praias.
          A mais destruidora onda que se poderia abater sobre a cidade – agora não mais uma aldeia – vem sendo os navios de cruzeiro que, no verão, aportam em dois a quatro por dia, desembarcando entre 3.000 e 5.000 pessoas na Orla Bardot. Um grande equívoco pseudo-desenvolvimentista, permitido por políticos inescrupulosos, que imaginavam nesta invasão descontrolada, que satura as ruas e a parca infra-estrutura de Búzios, um inigualável aporte de dinheiro para os cofres locais. Sim, isso ficou claro, na simples entrevista aos comerciantes da cidade, que se mostram decepcionados com o baixo nível de consumo dos navegantes da Classe C, que se divertem a valer, sem deixar de retornar aos barcos, onde têm suas refeições já incluídas nos pacotes turísticos. Além disso, o comércio tradicionalmente elitista de Búzios parece não agradar ao perfil desses visitantes, com suas grifes e marcas bem mais caras do que imaginavam os freqüentadores de shoppings da Barra da Tijuca ou Calçadão de Madureira.
          Mas, Búzios será sempre Búzios, com a Brigitte Bardot eternizada em bronze, assediada por milhares de turistas, todos os dias, em busca de uma foto para registrar o momento. Será decididamente difícil aniquilar por completo a beleza do lugar, por mais que seus políticos tentem, juntamente com empresários ávidos por lucros ignominiosos, fundamentados na sujeira e no fedor constante que os esgotos – ou sua ausência – infligiram ao lugar. Em visita à Velha Aldeia da Armação, coisa de uns dias atrás, descobri a solução para ter de volta um pouquinho da Búzios de outrora. Basta acordar cedo, descer do Morro do Humaitá e simplesmente caminhar pela Orla, dando um mergulhinho providencial na Azedinha, antes da chegada de dezenas de taxis aquáticos, que descarregarão mais tarde, multidões barulhentas que por lá deixarão seu lixo inevitável. Nesta hora, então, volta-se para o Alto do Humaitá, sur mer, de mãos dadas com Brigitte Bardot, cuidando para não passar perto de algum espelho, para não ver que o velho Forrest Gump mudou bastante, desde aqueles tempos, mas, apenas fisicamente. E... Isso é tudo o que tenho a dizer sobre Armação dos Búzios.


Acima - Vista do Alto do Humaitá, sobre a Enseada da Armação, em Búzios
Abaixo - Pescador chega com o resultado da madrugada, no Cais da Armação


Abaixo - O embate desigual das tradições de Búzios com a invasão dos cruzeiros, que aportam milhares de visitantes por dia, impactando a infra-estrutura local.