Deve ter sido por volta de 1991, quase
1992, escutei a profecia de minha grande amiga Bucksy Araújo, mulher de imensa estatura intelectual, que aprendi a
admirar, desde os tempos em que estudamos juntos, num colégio de Ipanema, no
“Rio Antigo”: - Orlando, disse-me ela então, com sua voz aveludada, que esconde
sua fortaleza de caráter e sua força pessoal, não demorará a chegar o dia em
que isso aqui (Brasil) vai se transformar num Velho-Oeste, onde aquele que sacar primeiro e atirar melhor
sobreviverá”. Calado, escutei aquilo com certa incredulidade. Afinal, nossa
recém-nascida democracia florescia em aparentes avanços, sob a batuta
entusiasmada e entusiasmante do presidente Fernando Collor de Melo, então o
mais jovem mandatário já eleito pelo voto direto.
Achei que Bucksy exagerava. Afeita ao
estilo Country, do qual era célebre entusiasta, certamente imaginava cenários
fantásticos, inspirados naquele período cercado de romantismo da história
americana. E nosso país se prometia tão melhor! Nesta época, eu já abandonava
gradativamente meu gosto por armas de fogo, atendendo ao amadurecimento de
minha personalidade e à minha decisão de aperfeiçoar meu grau de civilização.
Durante anos, especialmente na década de 1980, participara de nosso próprio Far-West, no Mato Grosso, quando
conquistava meu espaço naquela que se revelaria a mais importante fronteira
agrícola do país – o Centro-Oeste. Naqueles duros tempos, portar armas e atirar
muito bem eram ingredientes importantes dos personagens dessa conquista territorial
rural.
Antes que me julguem mal, não carrego,
por sorte, qualquer passivo criminal e não deixei nenhuma ossada escondida sob
os chapadões vermelhos do Mato Grosso. Talvez mais por sorte, que por juízo.
Mas, os tempos passaram, adentrei outra fase de minha vida, no Rio de Janeiro,
onde exerci outras atividades menos, digamos assim, arriscadas, abrindo mão por
completo da coleção de armas que amealhara, tanto quanto de meu gosto pelo seu
uso, o que acompanhava, como afirmei, minha crescente determinação civilizatória.
Voltando a lidar com o meio ambiente, o
paisagismo e a pesquisa naturalista, enviesei automaticamente minha
personalidade para um lado mais claro da força, como diriam os fanáticos pela
série Guerra nas Estrelas, de George Lucas. Intelectualidade e reflexão não
combinavam, decididamente, com a brutalidade e a capacidade destruidora das
armas de fogo cada dia mais modernas, como tudo neste mundo tecnológico.
Civilização prevê o domínio gradual do animal que habitamos pela nossa
capacidade de raciocínio, que deveria sempre suplantar a força física. Mas, não
há algo assim como um mundo ideal e a profecia de Bucksy nunca me saiu da
lembrança.
Numa postagem de 24 de abril de 2011 ( http://orlandograeff.blogspot.com.br/search?q=o+ovo+da+serpente ), neste mesmo blog, versei sobre um processo que
já então se mostrava fora de controle e que hoje descambou para o cumprimento
da profecia Bucksy, tanto para minha própria profecia do Ovo da Serpente: já há muito estamos em plena vigência do estado de
descontrole e violência que previu minha querida amiga, no início dos anos 1990
e eu próprio, muitos anos depois. Mas, de onde vem isso? Seria então o caso de
chamar Bucksy para compormos um exército de Brancaleone, cada um de nós com sua
arma à cinta, treinando obsessivamente nossas miras, de forma a sobrevivermos
neste New-West Tupiniquim?
Antes que os amigos leitores se
apavorem, devo contar primeiramente os capítulos seguintes da história pessoal
de Bucksy, que a conduziram a se transformar numa excelente escritora de teatro
(atriz ela já era!), uma proficiente produtora cultural e até mesmo adepta do
Vegan, o que mostra que, uma vez mais, ela se afirma uma mulher à frente de seu
tempo. Evoluiu e se civilizou ainda mais, deixando muito para trás sua porção cow-girl e se afirmando mais ser humano
que bicho, tarefa a que ainda me entrego esforçadamente, pois ainda me enxergo
muito mais como um Papa Francisco que um Gandhi. Explico: Enquanto o fantástico
Gandhi professava a não violência e a resistência pacífica, com a qual ajudou a
índia a se livrar do jugo britânico; nosso Sumo Pontífice Católico ainda deixa
escorregar algumas doutrinas violentas, como “dar uns sopapos em quem ofender
sua mãe; ou algumas palmadas nas crianças, que não fazem tão mal assim”.
Então, para não cansar o leitor,
deixe-me avançar no tema e afirmar categoricamente: posso até ainda carregar
traços de minha violência inata, natural do animal que sou; mas não admito seu
uso como forma civilizada, para resolver questões pessoais. Antes que me deem
sopapos ou palmadas educadoras meus bons amigos, devo acrescentar um conceito democrático
e legítimo, que ainda acredito ter que valer, por muitos séculos: violência tem
que ser monopólio do estado, sendo exercida na forma da lei, exclusivamente
pelas forças constituídas para isso – polícia. Claro que, na forma da lei
vigente, a legítima defesa justifica o uso da força pelo cidadão comum. Bem...
É justamente aí que se abre essa insistente discussão sobre o grau de bang-bang que deveria ser aceito na
sociedade dita civilizada.
Não tenho a pretensão de esgotar o
assunto aqui, hoje, nesta postagem que já começa a se alongar por demais para
os padrões de leitura paciente desses tempos de internet. Só desejo firmar até
então minha completa insatisfação com este famigerado retrocesso civilizatório
em que nos metemos, que cumpre a triste profecia de Bucksy sobre vivermos numa
sociedade na qual um monte de cow-boys
desvairados obtêm supremacia, à custa de “sacar mais rápido”. Minha amiga western estava coberta de razão e
pagamos uma conta alta, ela e eu, por termos abandonado nossa índole selvagem e
violenta, para ingressarmos num caminho civilizatório que nos lança hoje numa
sensação de impotência. Orgulhosamente encontramo-nos os dois à frente de nosso
tempo. Espero que sobrevivamos a isso!
Na próxima postagem, farei algumas
necessárias reflexões sobre a conjuntura que caracteriza nosso Near-West Caboclo.
acima - imagem do cidadão ideal para o enfrentamento dos problemas de segurança do Brasil, nos dias de hoje