domingo, 27 de fevereiro de 2022

 

As Origens do jardim Fitogeográfico

Quando comecei a postar na internet fotografias de meus jardins, em Petrópolis, muitos anos atrás, adotei a denominação Jardins do Templo Fitogeográfico, mais por uma licença poética do que por qualquer pretensão de criar alguma seita religiosa ou coisa parecida. Mas, foi inevitável: Muitos de meus amigos e conhecidos ficaram intrigados – com razão, creio eu. Pensei que isso se tornara uma oportunidade de contar sobre essa coisa da Fitogeografia e o que teriam meus jardins, afinal, a ver com um templo. Não demorou para que eu mudasse o nome para JARDIM FITOGEOGRÁFICO, pois não desejava adentrar o terreno da metafísica ou religiosidade.

Desde garoto, sempre fui muito idealista. Nasci com alguns sonhos, tal como um computador, que já é fornecido com o que os iniciados chamam: Programas Nativos. Isso quer dizer, tanto no caso da informática, quanto em minha cacholinha, que essas coisas tinham vindo de fábrica e, como tal, não seria razoável mexer. Afinal, não eram sonhos de ambição e poder, propriamente ditos. Era a idealização da profissão; das tarefas a serem realizadas (em busca de um mundo melhor, pensava); a maneira como encarar o amor; meus dotes artísticos; e, muito ligado a tudo isso, como deveria ser o ambiente à minha volta.

Essa coisa do ambiente acabou se transformando num mote generalizado, ao longo dos anos 1990, na esteira da Rio-92, impulsionando a luta ambientalista, à qual acabei aderindo também, por já estar nessa correnteza desde quando a enchente começou. Quanto aos outros sonhos, jamais os deixei apagar, muito pelo contrário, transformei-os em projetos, metas de vida, que venho cumprindo, uma a uma, ao longo dos 63 anos que já vivi. Essa coisa de “como deveria ser o ambiente à minha volta” acabou sintetizando um princípio fundamental para mim: VIVER BEM É MORAR BEM.

Durante anos, habitei casas alugadas, o que emprestava caráter transitório a tudo que fazia. Mesmo assim, tratava com imenso respeito esses lugares, vivenciando-os como se fossem meus. Isso, claro, produziu bons tratos que seguramente fizeram felizes muitos senhorios, mas que resultavam repetidos desgastes em meus sonhos, dentre eles, aquele que se personificava numa de minhas mais antigas manias: Minha COLEÇÃO DE PLANTAS.

O menino que, aos dez anos, não revela interesse em colecionar qualquer cousa instrutiva não evidencia espírito de pesquisa e nem promete ser indivíduo muito útil à humanidade”. Essas palavras não são minhas, mas de Frederico Carlos Hoehne, um dos mais célebres naturalistas que o Brasil já teve, e abrem o prefácio de sua famosa obra: Iconografia de Orchidaceas do Brasil, editada em 1949, pela Secretaria de Agricultura de São Paulo, onde Hoehne produziu inestimável contribuição ao conhecimento da flora brasileira. Minha coleção de plantas – orquídeas, principalmente – iniciou-se por volta de 1972, na casa de meus pais, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Juntamente com meu amigo Flavio Coutinho Ferreira, interessei-me pelas florestas e pelas plantas tropicais. Improvisei um ripado, aos fundos da nossa casa e comecei a juntar minhas primeiras plantas.

Nunca mais deixei de fazê-lo, tendo reiniciado diversas vezes, em função de “viagens de vida” que foram a faculdade (UFRRJ) e minha expressiva permanência no Mato Grosso, na década de 1980. Em cada coleção que empreendia, organizava mais minhas plantas, passando a conduzi-las como verdadeiros bancos de espécies, com diversas origens. Depois de ter passado pela presidência da Sociedade Brasileira de Bromélias-SBBr, no início dos anos de 2000, minha coleção se transformou definitivamente numa ferramenta de ciência, mostrando que Hoehne não estava errado, afinal.

Enquanto presidi a SBBr, estreitei meus laços ainda mais com o mundo científico, através das conversas e de meu aprendizado com cientistas de peso, que colaboravam nas ações da entidade: Rafaela Forzza, que hoje coordena o Herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro; Gustavo Martinelli, da mesma instituição, que coordena a lista das espécies da flora brasileira e criou o CNCFLORA – CENTRO NACIONAL DE CONSERVAÇÃO DA FLORA; além de pesquisadores de outras instituições ou para-institucionais que, assim como eu, davam seus esforços para o conhecimento e conservação das bromélias: Elton Leme, Ivo Penna, Luiz Felipe Nevares de Carvalho, Miriam Mendonça, Maria Esmeralda Demattê;  foram alguns desses nomes inspiradores, durante os tempos da SBBr.

Minha coleção, desde então, tem contribuído com novidades e preciosas informações para a ciência: Espécies novas; dados ecológicos e geográficos; cultivares etc. Em 2015, publiquei a obra FITOGEOGRAFIA DO BRASIL, UMA ATUALIZAÇÃO DE BASES E CONCEITOS, para a qual a experiência horticultural do JARDIM FITOGEOGRÁFICO  contribuiu imensamente.

Em 2009, comecei finalmente a dar vida ao projeto da MINHA CASA, deixando para trás a fase das contínuas mudanças de endereço... Meu endereço e também o da COLEÇÃO DE PLANTAS! Meu grande amigo Arquiteto Pedro Quintanilha concebeu o projeto da casa e contribuiu muito para o equacionamento da ocupação do terreno. Não era uma mansão, mas nasceria com DNA caprichado: Enviei ele meus desenhos, aqueles que ilustravam o sonho de como seria o AMBIENTE dessa casa, produzindo, deste modo, a indivisível hibridação daquilo que eu pensava com o que um Arquiteto competente como ele seria capaz de transformar num projeto de verdade.

Mergulhei fundo nesta realização e dediquei os seis últimos meses do período das obras, em 2009, à execução dos jardins... O Jardim Fitogeográfico. Devo lembrar a muitos que não me conhecem tão bem que sou paisagista e, durante muitos anos, dediquei-me tornar realidade os sonhos jardinoculturais dos outros. Era chegada a minha vez! Com a ajuda de alguns funcionários, plantei as plantas da coleção diretamente em jardins projetados especificamente para abrigá-las. A partir de meus conhecimentos e experiências sobre os habitats dessas plantas, que eu visitara Brasil afora, conseguimos dar vida a réplicas de algumas dessas paisagens botânicas, onde essas plantas cresciam, nos diversos ecossistemas do país.

A essas alturas, eu já me encontrava imerso nos estudos e na organização do meu primeiro livro que vinha preparando desde 2006, que tem como tema exatamente a Fitogeografia. Por que existem algumas vegetações do Brasil e de países vizinhos? Como elas surgiram? Como elas são? Esses assuntos se transformaram na trilha de minha vida, nos anos de 2006 a 2015, quando foi publicada a obra. Não haveria como enxergar os jardins de minha casa, assim como a coleção de plantas que neles encontrara abrigo definitivo, como algo diferente do que um aprendizado, uma contínua reflexão sobre tudo que venho tentando desvendar, nas paisagens do Brasil. Da janela de meu escritório, observo como orquídeas e bromélias se desenvolvem, em meio a massas de arbustos e arvoretas de nossa flora. Ao percorrer diariamente a floresta que replantei, aos fundos da casa, sobre uma encosta árida, desvendo relações entre as plantas nativas da coleção – que ali também estão – e suas árvores-suporte ou sobre os diversos substratos que a mata oferece. Esse setor é hoje tratado como o ARBORETO.

Enquanto escrevo e reviso meus textos, durante horas a fio, aprendo mais com as plantas, que me dão lições sobre sua ecologia. Princípios e hipóteses que estudo ou formulo são testados ali mesmo, na frente de minha janela, nos fundos de minha casa. Eis aí a origem do JARDIM FITOGEOGRÁFICO: Fruto de sonhos inatos e vocações compreendidas; Inspirado nos naturalistas como Hoehne; Direcionados ao aprendizado e à reflexão, além da contemplação mais lúdica, é claro.

O JARDIM FITOGEOGRÁFICO, como pode ser entendido, se desenrola ao redor de minha residência, no interior de um condomínio fechado de casas, em Petrópolis, Rio de Janeiro. Não é um parque público, embora eu venha tentando já há anos conseguir uma área em que possa ser implantado um projeto coirmão ao JARDIM FITOGEOGRÁFICO, porém com objetivos de uso público, estendendo assim sua missão de educação ambiental e conservação da flora. A Convenção de meu Condomínio veda uso comercial e desincentiva fortemente a visitação de seu interior. Entendo o propósito fundamental, que seria a preservação do sossego de seus moradores – inclusive eu! Mas, isso é levado tão a sério, que um esforço recente de implementar uma trilha contemplativa, para os jovens e amantes da natureza, numa área de reserva florestal do Condomínio foi duramente barrada, mesmo se tratando de seus próprios moradores os potenciais visitantes.

Haverá um dia, estou certo, em que teremos um JARDIM FITOGEOGRÁFICO  aberto ao público, contribuindo com o desenvolvimento de uma relação afetiva do homem com o ambiente natural e sua flora. Por ora, aqueles que apreciam as plantas e se interessam por seus aspectos pitorescos podem acompanhar a hashtag #jardimfitogeografico ou #phytogeographicalgarden, que conduz às constantes publicações no Instagram ou na página do JARDIM FITOGRÁFICO no FACEBOOK. Espero vocês lá.





Acima - Jardins Dianteiros, onde são cultivadas espécies de ecossistemas campestres ou de maior iluminação. Abaixo - Detalhe dos Jardins Dianteiros e suas plantas






Acima - Duas espécies baianas de bromélias: Aechmea amicorum e Aechmea discordiae

Abaixo - Canteiro de bromélias Alcantarea vinicolor do Espírito Santo, em pleno florescimento








Acima - Alcantarea imperialis em flores, no Jardim Dianteiro.
Abaixo - Barbacenia purpurea (Velloziaceae) e as bromélias Neoregelia correia-araujoi e Neor. carcharodon, ambas do Rio de Janeiro


Adiante - A Fonte da Musa e a Serra da Maria Comprida, ao fundo






Abaixo - O belo florescimento da célebre "lélia-da-gávea" - Cattleya lobata (Orchidaceae), num muro de pedra, onde se reproduz parcialmente seu habitat



Abaixo - Vista do setor próximo ao Arboreto, com a estufa da coleção ao fundo


A Seguir - Instantâneos do Arboreto e suas plantas




Adiante - Mais alguns aspectos do Jardim Fitogeográfico e suas plantas




Não deixe de visitar outros links de postagens do Jardim Fitogeográfico, neste mesmo blog - Orlando Graeff Escreveu