Desde 2002-2003, quando o Rio de Janeiro enfrentou uma de
suas maiores epidemias de dengue (melhor dizer SURTO), ocasião em que tivemos
que despender imensa energia, para desmantelar a CRENÇA
de que as bromélias seriam responsáveis pela proliferação do mosquito
transmissor, pensava ter me livrado de tratar deste assunto. Mas, usualmente
esquecidos do passado, insistimos sempre em tentar revivê-lo, o que não é
exclusividade do assunto DENGUE. Afinal, ainda há quem se excite bastante ao
surgir a “novidade” de golpes militares, para enfrentar a corrupção endêmica
que assola o país. É o eternamente genial Cazuza: “Eu
vejo o futuro repetir o passado; eu vejo um museu de grandes novidades”...
Pois eis que não consigo me segurar e tenho que contar um
pouquinho do que vivemos, naquela época negra, quando a Sociedade Brasileira de Bromélias-SBBr teve que encarar o desafio,
desde que um grande jornal decidiu veicular, em primeira página, a fotografia
de uma praça carioca, cheia de lindas bromélias Neoregelia cruenta, com
uma manchete que afirmava poder serem as bromélias “focos importantes do
mosquito da dengue”. O poder público precisava encontrar algum ponto de
interesse, algum bode expiatório, para desviar a atenção do fato de
que, sim, a saúde pública do país é nossa notável vergonha. Claro: miraram em
algo que talvez (somente talvez, como descobriram) não pudesse oferecer defesa –
as bromélias.
Com isso, pensaram, ganhariam tempo e criariam um “inimigo ideal”.
Pois bem, a gente realmente tem que saber escolher nossos
inimigos. Erraram feio e, algum tempo depois, tiveram que capitular e desviar o
tema para outras direções, diga-se de passagem, bem mais apropriadas, embora
pouco tenha melhorado a situação, depois de tantos anos. Tivemos que oferecer
resposta à pergunta angustiada da população: “afinal, as bromélias eram ou não eram criadouro importante do Aedes aegypti? Seriam elas responsáveis
pelo brutal aumento dos casos de dengue na cidade?” Afinal, as plantas
estavam em plena moda e eram avistadas por toda parte.
Associados da SBBr e amantes de bromélias, em geral,
entraram em pânico; produtores colapsaram – muitos sumiram; algumas prefeituras
decretaram a destruição das bromélias, até mesmo em refúgios silvestres (o que
configura CRIME AMBIENTAL). Era necessário para nós oferecer contraditório
àquela CRENÇA, antes que as
bromélias sumissem de vez da face da terra. Devo dizer que foram tempos duros, que
não gostaria de reviver. Mas, fizemos nossa parte e deixamos comprovado que
NÃO, as bromélias NÃO REPRESENTAM CRIADOURO PRIORITÁRIO AO MOSQUITO TRANSMISSOR
DA DENGUE, embora suas larvas possam ser encontradas TAMBÉM aí, como em infinitos outros locais, nos quais exista ÁGUA.
O assunto foi objeto de encontros, seminários e palestras, amplamente
divulgadas na imprensa, que reuniram biólogos, agrônomos e cientistas ligados
às doenças tropicais na América, ligados a importantes instituições, tais como
UFRJ e UERJ, além da FEEMA (hoje INEA) e IBAMA. Tratarei de reeditar as VELHAS
VERDADES, que desmentem as eternas GRANDES NOVIDADES sobre este assunto:
1) Talvez o ponto mais importante de
toda essa história – A IMPORTÂNCIA
EPIDEMIOLÓGICA DOS CRIADOUROS: Ainda que a bromélia tanque-dependente
(aquela que guarda água na embricação de suas folhas) possa abrigar larvas de Aedes aegypti, como pode qualquer recipiente que guarde água límpida, por
tempo superior a uns quatro ou cinco
dias, ela não sustenta importância epidemiológica – por raramente se
encontrar na área de ação do mosquito, que é o INTERIOR DAS CASAS. É NO INTERIOR DAS CASAS, OU DOS AGLOMERADOS
DE GENTE, QUE O MOSQUITO REALIZA A TRANSMISSÃO ENTRE PESSOAS DO VÍRUS DA DENGUE.
É improvável pegar dengue no jardim, no bosque, na praça ou caminhando nas
ruas. A PREDOMINÂNCIA ABSOLUTA DAS TRANSMISSÕES SE DÁ NO INTERIOR DAS
RESIDÊNCIAS, RESTAURANTES E ATÉ COMÉRCIOS.
2) A bromélia guarda água, formando
um lago de vida, no qual proliferam centenas de organismos diversificados, que
oferecem ampla competição entre si e, é claro ao mosquito transmissor. O Aedes aegypti é um inseto exótico, não
existindo na fauna brasileira, o que o coloca em inquestionável desvantagem,
frente aos demais insetos. A dinâmica de populações de pequenos animais é tão
intensa, no tanque de uma bromélia, que dificulta sobremaneira a persistência
de eventuais infestações do Aedes aegypti, cujos episódios de colonização
terminam sendo efêmeros.
3) É EXTREMAMENTE DIFÍCIL A IDENTIFICAÇÃO EXATA DAS LARVAS DO MOSQUITO DA
DENGUE, QUANDO COMPARADAS ÀS DE OUTROS MOSQUITOS CULICÍNEOS de nossa fauna,
que não transmitem a dengue. Assim, “encontrar larvas de mosquito da dengue”
pode representar muitas vezes equívoco. Devemos ter muito cuidado, ao afirmar
que os encontramos numa bromélia... ou em qualquer outro recipiente.
Veja nesta imagem emprestada se você consegue ver as diferenças entre larvas que enxerga num criadouro - NADA FÁCIL!
4) O mosquito da dengue não sobrevive em ambientes silvestres, ou
seja, nas bromélias e outros possíveis recipientes de água limpa, no interior
de florestas e até mesmo nas árvores mais elevadas ou ajardinamentos situados
poucas dezenas de metros das casas. SUA VÍTIMA
PRIORITÁRIA, QUE É O HOMEM, TEM QUE ESTAR POR PERTO! Assim, destruir
bromélias em praças, jardins públicos, bosques, jardins botânicos e florestas
próximas às cidades é uma grande perda de tempo e apenas incorrerá em CRIME
AMBIENTAL, nada mais.
5) O CRIADOURO MAIS IMPORTANTE DO MOSQUITO DA DENGUE É O PNEU ABANDONADO, que
reúne as condições ideais para sua proliferação: água limpa, fundo escuro (a
larva foge da luz) e, principalmente – AUSÊNCIA DE INIMIGOS NATURAIS (que
abundam nas bromélias). Seguem-se: CAIXAS D’ÁGUA DESTAMPADAS, CALHAS ENTUPIDAS,
RALOS, VASOS SANITÁRIOS DE POUCO USO, VASOS DE PLANTAS COM PRATINHOS, além de
lixo em geral (garrafas PET – até mesmo uma tampinha), plástico e outros
reservatórios relacionados.
6) Por fim, é bom lembrar o conceito
fundamental da entomologia (ciência que estuda os insetos): NÃO EXISTE
ERRADICAÇÃO DE PRAGAS! Os esforços são efetuados no CONTROLE DOS INSETOS. Os mosquitos NUNCA deixarão de existir,
assim como todas as demais pragas. Mas, eles podem e devem ser combatidos.
São
estes os aspectos que devem ser considerados, no que se refere diretamente à
RELAÇÃO ENTRE BROMÉLIAS E MOSQUITOS, sendo que a diretriz de combate ao
mosquito deve ser centrada na PRIORIDADE DOS CRIADOUROS. DE NADA ADIANTARÁ COMBATER COM ENERGIA UM CRIADOURO QUE NÃO FOR
IMPORTANTE, pois os agentes de saúde estarão gastando recursos (que são
sempre poucos!) em demasia em algo que não oferecerá resposta prática. A ideia
estapafúrdia de destruir bromélias foi abandonada, no Rio de Janeiro, tendo se
voltado esforços ao lugar exato de ação dos mosquitos – O INTERIOR DAS RESIDÊNCIAS E LOCAIS DE
AGLOMERAÇÃO HUMANA.
O
Aedes aegypti é um mosquito pequeno e
muito “nervoso”, difícil de ser capturado com tapas, o que o faz esvoaçar
ligeiro, entre diversas vítimas, daí a grande taxa de transmissão do vírus. Ele
prefere ataques diurnos e nunca voa longe de seu território – QUEM LEVA A DOENÇA PARA OUTRAS CASAS, ONDE HÁ OUTROS
MOSQUITOS, É A PESSOA INFECTADA! O lugar predileto para suas picadas
é o TORNOZELO.
Por
estas razões, o COMBATE AO MOSQUITO DEVE
SER EMPREENDIDO NO INTERIOR DAS RESIDÊNCIAS, SENDO ESTA A ÚNICA MANEIRA DE
INTERROMPER A CADEIA DE CONTÁGIO. Claro que isso é difícil, mas não existe
outra maneira de lutar. A PULVERIZAÇÃO DE RUAS E TERRENOS É INÚTIL e já se sabe que não é capaz de interromper
os surtos.
Mas,
para terminar, devemos nos perguntar uma coisa bem do Século XXI: ISSO TUDO É
NOVIDADE? DÁ NOTÍCIA? Claro que não! O
que interessa são novidades, mesmo que sejam velhas e dignas de museus. Trazer
de volta a demonização das bromélias pode ser uma forma de encontrar notícias.
Afinal, quem está interessado em combater o mosquito de forma responsável?
Resta
ainda ter claro que a dengue é uma doença de imunologia praticamente constante,
ou seja, você fica imune a determinada forma de vírus, depois de ter contato
com ele, mesmo que, às vezes, não desenvolva a doença. Assim, os surtos da
dengue são usualmente efeitos de idade da população (entrada de novos
habitantes não imunes), além da entrada ocasional de novos tipos de vírus – que
são os principais deflagradores dos surtos. As condições ecológicas favoráveis
ao mosquito, como aquelas devidas ao tempo meteorológico, também operam surtos
importantes.
NÃO
DEIXO DE FAZER A RECOMENDAÇÃO QUE FIZEMOS, NO INÍCIO DA DÉCADA DE 2000: SE
TIVER BROMÉLIAS EM CASA, AO PERCEBER A INCIDÊNCIA DE LARVAS DE MOSQUITOS –
QUAISQUER DELES – PULVERIZE SUAS PLANTAS COM INSETICIDA PIRETRÓIDE À BASE D’ÁGUA
(Recomendo o SBP, sem medo de fazer anúncio), A CADA QUATRO OU CINCO DIAS. E
PRONTO! Derramar a água do tanque NO CHÃO SECO, também ajuda. Quem ama cuida. Assim, se você é amante de bromélias e as cultiva, como
eu, cuide de sua coleção. Bromélia dentro de casa pode ser criadouro, se for
ali deixada, sem cuidados. Aqui em casa, elas entram um pouco e embelezam, sem
medo. Depois, como TODAS AS DEMAIS PLANTAS, retornam ao exterior, onde não
oferecem perigo.
COMBATA A
DOENÇA, NÃO AS BROMÉLIAS.