Na internet, através de sites como G1 e O Globo, podemos hoje acompanhar centenas de fotografias extremamente esclarecedoras do que ocorreu, na noite do dia 11 para 12 de janeiro, quando uma verdadeira bomba meteorológica despencou dos céus e ocasionou a morte, até agora contada, de mais de 500 pessoas, entre Itaipava, Teresópolis, São José do Vale do Rio Preto e Nova Friburgo. Mais do que percorrer essas galerias de imagens, em busca de simples curiosidade mórbida, podemos aproveitar essa oportunidade informativa para refletir sobre o que ocorreu, subsidiando análises técnicas que nos levarão a entender os processos e tentar – pelo menos – prevenir outras ocorrências parecidas.
Primeiramente, torna-se importante compreender o que ocorreu com o tempo meteorológico, em si, que foi o gatilho inicial de todo o resto. Estamos em plena vigência do fenômeno conhecido como La Niña, que tem tomado força, desde o ano passado, determinando modificação notável dos padrões de circulação atmosférica. As previsões iniciais eram: Mais chuvas no norte, menos chuvas no sul e... Padrões normais no restante do país, o que incluiria o Centro-Oeste e o nosso Sudeste. Tendo retornado do Cone Sul – Uruguay e Rio Grande do Sul – há alguns dias, posso atestar: Por lá, as previsões foram certeiras e a região já enfrenta sérios problemas de secas. No Centro-Oeste, as chuvas vêm sendo um pouco acima do previsto, mas nada de tão grave, até agora. Para nós, aqui, nem é necessário dizer que a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCZS) formou um corredor fortíssimo, trazendo grande quantidade de umidade da Amazônia, fazendo-a despencar insistentemente sobre o Rio de Janeiro e São Paulo.
Não existe ainda qualquer escape inquestionável do comportamento do clima, no que ocorreu até agora. Mas, pode-se sim dizer que a luz vermelha já andou acendendo, uma vez que a recorrência de precipitações dessa ordem é bem rara – Mais de 120mm para grande parte da área afetada e incríveis 180mm na direção de Nova Friburgo. Pelo menos foi isso que a imprensa veiculou, mas isso terá que ser conferido, junto aos órgãos competentes, para se ter certeza do que dizemos. Ora, níveis de precipitação de 60mm já costumam ocasionar tragédias, em regiões de relevo como o nosso, fortemente inclinado e crítico. O que dizer de chuvas como as dessa semana? Porém, como é de costume, nessa época do ano, o que realmente contou foi a umidade antecedente. Explico: Foi a chuva que, lenta e gradualmente, caiu na região, durante praticamente todo o final de dezembro e início de janeiro. O solo se encharcou, se fluidificou e se preparou para o golpe final.
Daí vem a discussão sobre as causas humanas da tragédia. Afinal, jamais se tinha visto destruição desta ordem, parecendo uma dramática resposta da natureza, contra as agressões que o homem lhe vem impondo. Um pouco de cada coisa, podemos afirmar. Sim, o homem potencializou tudo isso e não foi somente nos últimos anos, ao construir nas margens dos rios e nas encostas. Afinal, a devastação atingiu áreas aparentemente nunca antes afetadas, algumas bem longe das linhas de risco usualmente aceitas. Mas, apenas numa rápida olhada nas fotografias veiculadas, podemos notar a ruptura de cabeceiras de altas encostas, que iniciaram os escorregamentos, quase sempre coincidindo com “pelados” (áreas parcamente vegetadas, devido a solos fracos), zonas de pastagens degradadas e, como não poderia deixar de ser, de solos rasos, sobrejacentes a rochas granitóides, que são os chamados “contatos solo-rocha sã” dos Geólogos e Geomorfólogos. Sob este aspecto, pode-se afirmar que o uso histórico do solo PELO HOMEM preponderou, como causa humana da tragédia, sobrepujando a predisposição da população atual de se colocar diante das águas... Águas? Não, não foram apenas as águas que causaram tudo isso e é muito bom que isso fique claro, para que não se misturem assuntos e estratégias de enfrentamento do problema.
O que se viveu, na noite de 11 para 12 de janeiro, misturou dois tipos de fenômenos altamente destrutivos, bem conhecidos dos Geomorfólogos, mas que ocasionam certa confusão, por ligados que costumam ser, o que lhes determina fronteiras nebulosas: O primeiro deles, em alta encosta, foi o escorregamento, no qual a terra de descola e desce pela rampa, soterrando o que lhe estiver pelo caminho; O segundo, que predominou como frente destrutiva, foi a corrida de lama, uma torrente de solo fluidificado, misturada com água e, é claro, toda sorte de materiais que encontrar pelo caminho, que corre aceleradamente, pelas calhas de rios e vales, destruindo tudo o que encontrar pela frente. Assim, devemos ter claro que o que destruiu tanta coisa e matou tantas pessoas não foi uma enchente e sim uma corrida de lama.
A corrida de lama, pela sua alta viscosidade, tal como uma corrente de óleo, possui a capacidade de mover e arrastar corpos que jamais seriam movidos pela água pura. Falo de corpos, no sentido físico, o que por certo não excluiu os corpos humanos que marcaram as imagens da tragédia. Foram blocos de rocha monumentais, casas, carros e troncos, que serviam como verdadeiros aríetes, em seu percurso destruidor, vales abaixo. Cabe ressaltar que a história geológica desses vales é marcada por incontáveis ocorrências deste tipo, como atestam os inúmeros blocos de rocha e reentrâncias escavadas lateralmente nos vales. Isso nos faz ver que, mesmo acima da influência do homem, mesmo em tempo mais longo do que sua existência na região, a paisagem já experimentou coisa igual ou pior e, sinto ter que informar: Ainda haverá muitas outras, sabe-se lá quando. Por isso, caros amigos, é que venho batendo, insistentemente, nesta tecla que, por vezes, parece soar meio agressiva ou radical. Chegou a hora de revermos o mapa de ocupação e uso do solo de regiões como a nossa. E, como já vim de falar, anteriormente, precisaremos de coragem política e abnegação eleitoreira, por parte dos mandatários, sempre preocupados com sua famigerada perpetuação no poder.
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