O nome impacta, imediatamente, pelo teor fortemente plástico de seu DNA: Burle Marx. Ser Burle Marx, para as artes, corresponde mais ou menos à mística de um Bond, para o mundo do cinema de ação. “My name is Bond... James Bond”, celebrizou em nosso inconsciente romântico e cinéfilo o jeitão britanicamente charmoso de Sean Connery, ao responder às indagações dirigidas por lindas mulheres, que assediavam o famoso agente secreto da Coroa. Talvez Sandra pudesse se ater, de modo pródigo, à simples menção de seu ilustre sobrenome para buscar afirmação em seu trabalho, nas artes plásticas: “Me chamo Burle Marx... Sandra Burle Marx”. Mas, ao vislumbrarmos o trabalho singular dessa artista carioca legítima (como ela mesma afirma), apesar de seu biótipo um tanto europeu, que a faz ser confundida com estrangeira, afastamo-nos instantaneamente do estereótipo de James Bond.
Quando “viaja” pelo cerne da Cidade, em busca de inspiração para suas obras, Sandra Burle Marx costuma ser abordada por pessoas que a ela se dirigem, em inglês, tomando-a por alguma turista do Hemisfério Norte. Seu diagnóstico um tanto ingênuo a faz pensar que apenas seu jeitão alourado desperta tal equívoco. Mas, de minha parte, prefiro ver nisso outro aspecto mais importante, que termina por tributar sua visão contemporaneamente expressionista, mostrada em seus quadros. O que realmente a faz passar por estrangeira, em terras cariocas, é o modo como contempla, completamente extasiada e envolvida, cada um dos mais reconhecidos ângulos da Capital Cultural do país. Somente alguém que enxerga pela primeiríssima vez a paisagem carioca poderia ser acometido de tamanha sensibilidade. Todos nós outros, narcotizados pelos anos de hábito com o Cristo Redentor, por exemplo, enxergamos tão somente o... Cristo Redentor.
Ao me deparar com o quadro publicado por Sandra Burle Marx, em sua página do Facebook, mostrando um Cristo Redentor coloridamente cercado por favelas, senti um misto de choque e prazer, imenso prazer. Somente um artista com dotes especiais seria capaz de transformar um aniversariante Cristo de 2011 numa antevisão à la Stanley Kubrick de uma possível - mas, graças a Deus improvável – favelização do inteiro Corcovado. É uma mistura de grito de protesto da artista engajada, que faz questão de girar o ângulo de suas lentes ao restante dos morros da Cidade, recusando-se a apagar de seu cenário a realidade que tanto pode enfear o entorno do Cristo quanto embelezar um renascente Morro do Alemão. Com certeza, Sandra enxergou, de forma expressionista, o inverso da tendência, mostrando que sentia o Cristo transportado à (ex) cidadela do crime organizado, que hoje se debate, em busca de uma nova e (possivelmente) colorida identidade.
O oportunismo artístico de Sandra Burle Marx expõe seu olhar atento e um extraordinário talento. Como paisagista, acostumei-me a referenciar meu trabalho no legado permanentemente inovador de seu tio-avô Roberto Burle Marx. Como homem romântico, jamais consegui virar as costas à aparição de uma bela mulher, ostentando uma das lindas jóias desenhadas por Haroldo Burle Marx, seu avô. Nas artes plásticas, tirando a magnífica obra do próprio Roberto, que antecedeu seu paisagismo, habituei-me ao modernismo de sua mãe Sônia, que nos brindou sempre com esculturas e óleos de forte presença. Agora, maravilhado, assisto ao apogeu de Sandra Burle Marx, no mais contemporâneo vigor do DNA de sua família. Vida longa, Sandra... Sandra Burle Marx.
Vigorosa colagem do Cristo Redentor sobre a neo-paisagem de um Morro do Alemão... e não o inverso. Oportunidade de se revisar o conceito de que não se pode deixar o feio englobar o belo, utilizando a arte para levar o belo ao que julgamos feio.
Sandra passa por estrangeira na cidade que ama: Somente quem admira o Rio de Janeiro pela primeira vez pode senti-lo com tamanho vigor... Não, uma artista expressiva também pode.
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