Quando comecei a postar na internet fotografias de meus jardins, em Petrópolis, adotei a denominação Jardins do Templo Fitogeográfico, mais por uma licença poética do que por qualquer pretensão de criar alguma seita religiosa ou coisa parecida. Mas, foi inevitável: Muitos de meus amigos e conhecidos ficaram intrigados – com razão, creio eu. Pensei que isso se tornara uma oportunidade de contar sobre essa coisa da Fitogeografia e o que teriam meus jardins, afinal, a ver com um templo.
Desde garoto, sempre fui muito idealista. Nasci com alguns sonhos, tal como um computador, que já é fornecido com o que os iniciados chamam: Programas Nativos. Isso quer dizer, tanto no caso da informática, quanto em minha cacholinha, que essas coisas tinham vindo de fábrica e, como tal, não seria razoável mexer. Afinal, não eram sonhos de ambição e poder, propriamente ditos. Era a idealização da profissão; das tarefas a serem realizadas (em busca de um mundo melhor, pensava); a maneira como encarar o amor; meus dotes artísticos; e, muito ligado a tudo isso, como deveria ser o ambiente à minha volta.
Essa coisa do ambiente acabou se transformando num mote generalizado, impulsionando a luta ambientalista, à qual acabei aderindo, por já estar nessa correnteza desde quando a enchente começou. Quanto aos outros sonhos, jamais os deixei apagar, muito pelo contrário, transformei-os em projetos, metas de vida, que venho cumprindo, uma a uma, ao longo dos 53 anos que já vivi. Essa coisa de “como deveria ser o ambiente à minha volta” acabou sintetizando um princípio fundamental para mim: VIVER BEM É MORAR BEM.
Durante anos, habitei casas alugadas, o que emprestava caráter transitório a tudo que fazia. Mesmo assim, tratava com imenso respeito esses lugares, vivenciando-os como se fossem meus. Isso, claro, produziu bons tratos que seguramente fizeram felizes muitos senhorios, mas que resultavam repetidos desgastes em meus sonhos, dentre eles, aquele que se personificava numa de minhas mais antigas manias: Minha COLEÇÃO DE PLANTAS.
“O menino que, aos dez anos, não revela interesse em colecionar qualquer cousa instrutiva não evidencia espírito de pesquisa e nem promete ser indivíduo muito útil à humanidade”. Essas palavras não são minhas, mas de Frederico Carlos Hoehne, um dos mais célebres naturalistas que o Brasil já teve, e abrem o prefácio de sua famosa obra: Iconografia de Orchidaceas do Brasil, editada em 1949, pela Secretaria de Agricultura de São Paulo, onde Hoehne produziu inestimável contribuição ao conhecimento da flora brasileira. Minha coleção de plantas – orquídeas, principalmente – iniciou-se por volta de 1972, na casa de meus pais, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Juntamente com meu amigo Flavio Coutinho Ferreira, interessei-me pelas florestas e pelas plantas tropicais. Improvisei um ripado, aos fundos da nossa casa e comecei a juntar minhas primeiras plantas.
Nunca mais deixei de fazê-lo, tendo reiniciado diversas vezes, em função de “viagens de vida” que foram a faculdade (UFRRJ) e minha expressiva permanência no Mato Grosso, na década de 1980. Em cada coleção que empreendia, organizava mais minhas plantas, passando a conduzi-las como verdadeiros bancos de espécies, com diversas origens. Depois de ter passado pela presidência da Sociedade Brasileira de Bromélias-SBBr, no início dos anos de 2000, minha coleção se transformou definitivamente numa ferramenta de ciência, mostrando que Hoehne não estava errado, afinal.
Enquanto presidi a SBBr, estreitei meus laços ainda mais com o mundo científico, através das conversas e de meu aprendizado com cientistas de peso, que colaboravam nas ações da entidade: Rafaela Forzza, que hoje coordena o Herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro; Gustavo Martinelli, da mesma instituição, que coordena a lista das espécies da flora brasileira; além de pesquisadores de outras instituições ou para-institucionais que, assim como eu, davam seus esforços para o conhecimento e conservação das bromélias: Elton Leme, Ivo Penna, Luiz Felipe Nevares de Carvalho, Miriam Mendonça, Maria Esmeralda Demattê; foram alguns desses nomes inspiradores.
Minha coleção, desde então, tem contribuído com novidades e preciosas informações para a ciência: Espécies novas; dados ecológicos e geográficos; cultivares etc. Mais à frente, quando tratar especificamente dessa coleção, entrarei em detalhes sobre ela. A razão maior do texto de hoje é mesmo explicar como nasceu o Templo Fitogeográfico e o que essa coleção tem a ver com ele.
Ocorre que, em 2009, comecei a dar vida, finalmente, ao projeto da MINHA CASA, deixando para trás a fase das contínuas mudanças de endereço... Meu e da COLEÇÃO DE PLANTAS! Meu grande amigo Arquiteto Pedro Quintanilha concebeu o projeto da casa e contribuiu muito para o equacionamento da ocupação do terreno. Não era uma mansão, mas nasceria com DNA caprichado: Enviei ao Pedro meus desenhos, aqueles que ilustravam o sonho de como seria o AMBIENTE dessa casa, produzindo, deste modo, a indivisível hibridação daquilo que eu pensava com o que um Arquiteto competente como ele seria capaz de transformar num projeto de verdade.
Mergulhei fundo nesta realização e dediquei os seis últimos meses do período das obras à execução dos jardins... Os Jardins do Templo Fitogeográfico. Quero lembrar a muitos que me conhecem pouco que sou paisagista e, durante muitos anos, dediquei-me tornar realidade os sonhos jardinoculturais dos outros. Era chegada a minha vez! Com a ajuda de alguns funcionários, plantei as plantas da coleção diretamente em jardins projetados especificamente para abrigá-las. A partir de meus conhecimentos e experiências sobre os habitats dessas plantas, que eu visitara, Brasil afora, conseguimos dar vida a réplicas de algumas dessas paisagens botânicas, onde essas plantas cresciam, nos diversos ecossistemas do país.
A essas alturas, eu já me encontrava imerso nos estudos e na organização do livro que venho preparando, desde 2006, que tem como tema exatamente a Fitogeografia. Por que existem algumas vegetações do Brasil e de países vizinhos? Como elas surgiram? Como elas são? Esses assuntos se transformaram na trilha de minha vida, nos recentes seis anos. Não haveria como enxergar os jardins de minha casa, assim como a coleção de plantas que neles encontrara abrigo definitivo, como algo diferente do que um aprendizado, uma contínua reflexão sobre tudo que venho tentando desvendar, nas paisagens do Brasil. Da janela de meu escritório, observo como orquídeas e bromélias se desenvolvem, em meio a massas de arbustos e arvoretas de nossa flora. Ao percorrer diariamente a floresta que replantei, aos fundos da casa, sobre uma encosta árida, desvendo relações entre as plantas nativas da coleção – que ali também estão – e suas árvores-suporte ou sobre os diversos substratos que a mata oferece.
Enquanto escrevo e reviso meus textos, durante horas a fio, aprendo mais com as plantas, que me dão lições sobre sua ecologia. Princípios e hipóteses que estudo ou formulo são testados ali mesmo, na frente de minha janela, nos fundos de minha casa. Eis aí a origem dos Jardins do Templo Fitogeográfico: Fruto de sonhos inatos e vocações compreendidas; Inspirados nos naturalistas como Hoehne; Direcionados ao aprendizado e à reflexão, além da contemplação mais lúdica, é claro.
Acima: Da janela de minha cozinha, tem-se esta vista do Jardim que chamei de Jardins do Templo Fitogeográfico
Abaixo: A fonte foi projetada especialmente para que os pássaros viessem se banhar. Deu certo! Há filas diárias, entre saíras diversas, sabiás, tico-ticos, coleiros e uma infinidade de outras aves nativas. Quem realmente manda por ali é o João de Barro.
Abaixo: A fonte vista para a direção sudoeste. Dá para observar que inúmeras espécies se alojam em espaços únicos, que foram minuciosamente estudados para reproduzir seus habitats naturais
Abaixo: A casa é totalmente extrovertida, tirando partido do estilo de vida praticado em nosso condomínio.
Acima: As plantas surgem até nas calçadas do condomínio e são diariamente visitadas por vizinhos, que adoram vê-las em flor, como é o caso dessas bromélias Alcantarea vinicolor
Abaixo: A escadaria de pedra, que serve também como banco, é local que convida a sentar e se entreter com as plantas e as aves do Templo Fitogeográfico
Acima: Uma Neoregelia cruenta "variegata" que me foi presenteada por Pedro Nahoum, divide espaço com a marcgraviácea Norantea brasiliensis, planta que abundava nas restingas cariocas, até serem definitivamente transformadas em edifícios e shopping-centers
Abaixo: Em primeiro plano, Neoregelia sp. de Mangaratiba (RJ), sucedida por outra forma de Neoregelia cruenta "variegata" e Norantea brasiliensis. Notar Encyclia oncidioides - sem flores - entre as norantéas.
Lindas fotos, lindas palavras... Tudo colorido, cheio de vida e poesia. Parabéns!
ResponderExcluirOrlando, muito boa a página e sobretudo as plantas e a paisagem. Tenho diversas bromélias em casa, que gostaria de identificar. Você poderia auxiliar? Caso positivo enviarei fotos por email. O meu é lf.muller@terra.com.br
ResponderExcluirGrato,
Luiz Fernando Müller
Agradeço a visita e a leitura do blog pelos amigos que comentaram. Quanto à identificação de plantas, Luiz, deixe-me explicar que esta matéria é decididamente complicada. Quando presidi a Sociedade Brasileira de Bromélias-SBBr, entre 2001 e 2003, vivemos este impasse e foi então decidido que não faríamos essas "identificações" pois a taxonomia da família Bromeliaceae é por demais complexa, arriscando produzirmos identificações equivocadas e, com isso, provocando problemas. O site da Bromeliad Society International tem um link com imagens de bromélias, que é aduzido continuamente pelos associados. É uma valiosa ferramenta para os colecionadores - mas não para cientistas, OK? De todo modo, se quiser me enviar fotos de suas bromélias, se eu esbarrar em algo bem conhecido, poderei dar "palpites".
ResponderExcluirOrlando, aproveitei o link e vi que Dorothy Berg fotografou muitas bromélias no Brasil e enviei um email para ela. Vi que o marido dela partiu em 2000. Espero que ela ainda esteja neste mundo. Abraço, Luiz Fernando
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