Falando esses dias sobre as “armadilhas da morfologia”,
durante uma palestra sobre vegetações brasileiras, no 68º Congresso
Nacional de Botânica, no Rio de Janeiro, referi os ensinamentos do
amigo Gustavo Martinelli, um dos
mais brilhantes naturalistas que conheço: - Orlando, cuidado com a morfologia
pura e simples das plantas! O que importa é conhece-las, para saber se são ou
não são diferentes ou iguais!
Martinelli mostra, com imensa facilidade, em face dos mais
recentes conhecimentos e avanços da filogenia de grupos, o quanto a Botânica se
equivocou, até hoje, ao aproximar e aparentar plantas morfologicamente
similares, agrupando-as em famílias e gêneros, por vezes espécies iguais,
levando em conta meramente sua parecença física. De fato, famílias inteiras de
plantas têm sido movidas e alteradas, deixando para trás essas impressões
artificiais e adotando o verdadeiro conhecimento de sua biologia e de sua
história evolutiva.
Bem, sabemos que a ciência, de modo geral, está eivada de
artificialismos, até porque é o homem que a faz, somos nós que observamos a
natureza e, portanto, será sempre à luz de NOSSOS conhecimentos que faremos
nossas classificações e agrupamentos daquilo que observamos: plantas, bichos,
paisagens botânicas e a Fitogeografia, afinal. Então, não podemos também apenas
reclamar daqueles que, outrora, se dedicaram a classificar e organizar o que
viam, para nos deixar seu precioso legado.
Também devemos lembrar da genialidade e da capacidade de
observação empírica de grandes gênios, a começar por Darwin, que sintetizou sua
irretocável Teoria da Evolução das Espécies, quase que simplesmente a partir de
suas observações e reflexões, pouco mais tendo à mão, naqueles tempos, que
lupas e cadernetas de campo. Sob tal aspecto, até pelo objeto principal desta
postagem do blog, devo remeter ao meu querido tutor bromeliológico Ivo Penna, que nos deixou recentemente,
que referia, por seu turno, o grande professor Edmundo Pereira, com quem trabalhara, por muitos anos e que lhe
ensinara um método valioso, na análise das bromélias: “tem que observar o jeitão da planta!”,
afirmava Pereira, como método mais importante de investigação de plantas que
vinham da natureza e eram estudadas.
Ivo Penna, certa vez, me chamou a observar a imensa
diferença entre duas espécies de bromélias das restingas fluminenses, que a
jardinocultura e até mesmo colecionadores reputavam espécie única, sob a
denominação de Neoregelia compacta. De muito fácil cultivo e então abundantes
nas áreas silvestres do Rio de Janeiro, essas bromélias eram massivamente
coletadas, para compor jardins residenciais, em todos os cantos. Assim com as
bromélias-imperiais da Serra Fluminense (Alcantarea
imperialis), as “neoregélias” não faltavam nos viveiros do Rio. Só que,
poucos notavam, havia ali na verdade DUAS PLANTAS DIFERENTES, morfologicamente
parecidas, mas com hábitos e biologias completamente diversos uma da outra: Neoregelia
compacta e Neoregelia macwilliamsii.
A vocês leitores, faço hoje o mesmo que fez o saudoso Ivo
Penna, ao me mostrar, lado a lado, essas duas plantas em flores, para que eu
apurasse meu senso de observação e constatasse o quanto diferiam uma da outra,
embora exibissem morfologia tão similar, quando vistas nos cenários de cultivo.
Ambas são plantas de farto crescimento lateral – estoloníferas – e se espalham
de modo muito parecido, recobrindo grande área, em curto espaço de tempo. Ao
observá-las na natureza, contudo, poderemos constatá-las ocupando nichos
ecologicamente diferentes, árvores-suporte (forófitos) distintas e
microambientes específicos, havendo certa variação na preferência pela
iluminação e proximidade da influência salina do oceano.
Vejam então, a seguir, essas duas plantas da flora
fluminense, em flores, no JARDIM FITOGEOGRÁFICO, que foi concebido exatamente
para esta finalidade: cultivar as plantas da natureza brasileira, buscando a
recriação de seus ambientes originais:
A Seguir - Neoregelia compacta (Mez) L. B.
Smith e suas flores de coloração levemente violeta
Adiante – Neoregelia macwilliamsii L. B. Smith
e suas flores esbranquiçadas e com forma diversa daquela de N. compacta
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