parreiral de uvas Peverella da Era dos Ventos
Você se acostumou a diferenciar vinícolas-boutique daquelas
grandes empresas engarrafadoras. Você certamente consegue discernir entre um vinho branco, um tinto e um rosê. Mas,
quando você descobre o projeto Era dos Ventos, uma vinícola-poesia, no interior de
Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, você percebe que existe mais entre o campo e
sua taça, do que prevê qualquer filosofia enológica. Ao deparar com os mágicos Peverella que ali se vinifica, então, você vai adentrar
nova escala de cores e sensações, muito além daquelas que até então conhecia.
Luis Henrique Zanini,
poeta-enólogo da Era dos Ventos, chama seus vinhos Peverella de vinhos laranja,
introduzindo conceito que você somente conseguirá desvendar à luz da arte. Na
arte da poesia, Zanini te encantará, ao manejar habilidosamente as palavras
ligadas ao amor, à sensibilidade, à terra e aos vinhos. Quanto a estes, o jovem
artista do vinho lançou mão de toda essa sensibilidade, para nos brindar com
essa poesia enológica, personificada no incrível Peverella alaranjado.
Desde 2007, quando Zanini se uniu a outro talentoso artífice
do vinho – Álvaro Escher – para criar
o selo Era dos Ventos,
tomei conhecimento dos finíssimos Merlot,
que passaram a produzir, em seu tugúrio secreto do Caminho das Pedras. Esses
tintos extremamente complexos são produzidos a partir de velhas vinhas
redescobertas longe do circuito biotecnológico do Vale dos Vinhedos, situado na
mesma região. Não saem todos os anos, é claro! A filosofia Era dos Ventos, fundamentada
nas técnicas francesas de fermentação natural, em locais primitivos, onde
imperam condições pretéritas de vinificação, sem o concurso de modernas
tecnologias, remete necessariamente às artes enológicas do passado. O primeiro Merlot que experimentei da Era dos
Ventos fora prensado e misturado sob os pés dos pequenos filhos de Zanini, hoje
já um belo casal de jovens. Tenho a fotografia até hoje, em meu caderno de
vinhos.
O projeto do Peverella nasceu na redescoberta de castas
brancas, se é que assim podemos chama-las, muito bem escondidas, em meio a
velhos vinhedos dos Caminhos de Pedra, estrategicamente distantes da fúria
varietal, que grassava no Vale dos Vinhedos, já então dominado pela corrida
tecnológica determinada pela sua condição de denominação de origem. Por lá, imperava a busca frenética pelos
melhores clones, pelos mais produtivos recortes de terreno e pelo domínio das
mais avançadas técnicas de vinificação industrial – afinal, era necessário
suprir imensos mercados, merecidamente conquistados pelos laboriosos wine-makers de Bento Gonçalves. Ali, nas
colinas basálticas a leste de Bento, contudo, a escolha era outra.
Essas variedades “perdidas” de uvas italianas se escondiam
misteriosamente, entre velhos vinhedos artesanais, outrora explorados para
fabrico de vinhos rústicos, usualmente consumidos nas residências dos
descendentes de imigrantes italianos. Vegetavam misturadas, em meio a outras uvas
diversas, sem que fossem notadas. Muitas delas eram centenárias parreiras, ou
pés-francos, propagados pelas mãos puras dos pequenos agricultores, sem terem
recebido fertilizantes ou defensivos sintéticos, ao longo de décadas. Em meio a
elas, lá estavam os pés da preciosa Peverella,
que Zanini e Álvaro foram buscar, com seus olhos poéticos.
Assim como nas demais variedades que compõem a grade Era dos Ventos, a Peverella foi
catalogada, tanto nos vinhedos próprios do projeto, quanto nalguns lotes ainda
em mãos de antigas famílias. A essas alturas, a variedade hortícola Peverella
estava em desaparecimento. A dupla passou a acompanhar sua produção, desde a
emissão de brotos, florescimento e frutificação, passando pelo seu
desenvolvimento, período em que se determinava se os lotes seriam ou não
capazes de originar os vinhos especiais que deles se esperava. Desde então,
diversas safras nada resultaram e seguiram para fazer sucos ou vinhos de
garrafão, os quais confesso que ainda assim adoraria ter experimentado. As
melhores safras, aquelas que beiravam a perfeição, seguiam para o porão da Era
dos Ventos, onde se lhes extraía seu melhor néctar, enquanto Zanini rabiscava
suas poesias, nas paredes grossas da cantina.
Desde então, o processo tem se aperfeiçoado, porém, dentro
da estrita filosofia de seu fundamentalismo enológico. Os velhos barris de
carvalho guardam preciosidades que tive oportunidade de testar, junto com
Zanini, neste outono, tais como uma safra de 2011, que ainda “dorme” em suas
barricas, levando ao extremo as experiências da Era dos Ventos. Numa barrica
reciclada de velhas madeiras de ipê, resgatado de antigos madeiramentos, jaz
uma mágica partida de Peverella 2014, que revela aroma que remete às florestas
semideciduais do Centro-Oeste do Brasil, sem que se possa explicar de onde
vem essa misteriosa sensação. Tudo isso, contudo, se dá no plano da alquimia
enológica singular e exclusiva dos jovens fazedores de vinhos, sem a
incorporação de qualquer tecnologia sintética.
Para não se dizer que a dupla não lança mão da tecnologia agronômica,
a que sou tão afeto, por força de minha formação, conheci um precioso lote de
videiras Peverella que foi salvo de um centenário e decadente parreiral, num
local próximo, que seria erradicado por seu proprietário: “estavam morrendo”
teria afirmado seu antigo dono! Pois Zanini recorreu à coleta de material
vegetativo dessas plantas e as enxertou sobre porta-enxertos adequados e salvou
o velho e precioso patrimônio genético, que agora produz suas melhores partidas
de vinhos laranja.
Os vinhos Peverella da Era dos Ventos são densos, embora
isso não lhes determine corpo exagerado. Por não serem filtrados, conservam o
volume das frutas que lhes originam. A coloração, já foi dito, beira o âmbar,
direcionando para o laranja ou dourado, dependendo da safra e da idade. Trazem
um retrogosto mineral único e sem similares a mim conhecidos. Você será capaz
de afirmar estar bebendo um Peverella, em qualquer teste cego de que tomar
parte! Quando novos, refrescam ao primeiro contato e devem mesmo ser bebidos bem
frios, embora a temperatura nas barricas estivesse perfeitamente propícia à
degustação. Os mais velhos já perdiam um pouco a fruta pura e simples e se
revestiam de notas complexas que puxavam para a mineralidade que referi.
Depois dessa visita, em que fui guiado pelo maestro de
vinhos Zanini, prometi a mim mesmo que vou acompanhar mais detidamente a
evolução dos Peverella da Era dos Ventos,
tanto quanto o fazia com seus tintos, que adoram longas guardas, na escuridão
quieta de nossas adegas. Acompanhe um pouco desta visita, através das imagens
comentadas a seguir. Boas degustações a todos.
acima - Planta de uva Peverella, nas vinhas da Era dos Ventos
acima - A variedade Marselan, que vem produzindo excelentes tintos na Era dos Ventos
acima - Plantas da variedade Merlot, que produz alguns dos mais valiosos tintos do projeto
A seguir - O outono chega, nos parreirais da Era dos Ventos
Abaixo - O solo litólico de basalto da Formação serra Geral domina os vinhedos da Era dos Ventos, sendo comum o gravatá (Eryngium horridum - Apiaceae = Umbelliferae), com suas folhas agressivamente espinescentes. Essa condição é determinante para o terroir local
acima - A liliácea Lilium regale é planta importada, mas invade lindamente o entremeio dos pomares
acima - Luis Henrique Zanini explica a Orlando Graeff como conduz seus vinhedos, na direção de seus melhores vinhos
Acima - Lindas margaridas ajudam a revestir o solo dos vinhedos, que jamais conhecem capinas ou revolvimento, sendo possível caracterizar esses pomares como um autêntico plantio-direto
acima - Uvas Teróldego, outra variedade tinta que vai sobressaindo, na busca de novos vinhos
abaixo - L. H. Zanini percorre seus pomares de Teróldego na Era dos Ventos
acima e abaixo - Paisagens fundamentais, na Era dos Ventos
adiante - Conheça um pouco da paisagem interna do projeto Era dos Ventos - vinícola-poesia:
acima - Um dos belos rótulos dos vinhos Era dos Ventos
abaixo - Zanini busca atingir o estado da arte e da poesia, com sua criação enológica da Era dos Ventos
acima - Resultados inequívocos do projeto Era dos Ventos
a seguir - Ingredientes diários do trabalho, no "atelier" Era dos Ventos
acima - O autor deste blog exibe um pouco dos vinhos laranja da Era dos Ventos, sob a luz difusa do local de sua criação
acima - Aguarde! Estamos trabalhando no projeto Era dos Ventos
Orlando:
ResponderExcluirObrigado por compartilhar sua visita. Mesmo se passado dois anos, me senti visitando a vinícola hoje
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirComprei a alguns anos mudas de uva que me foram vendidas como chardonay. Como entusiasta comecei a estudar a ampelografia das uvas e decepcionado verifiquei não serem o que eu tinha comprado. Mas como já havia plantado e elas estavam indo bem resolvi deixar para ver o resultado. Não contente continuei procurando a variedade de acordo com suas características, procurei pelas francesas, portuguesas e enfim cheguei a Peverella italiana. Sou do norte do Paraná aqui não é uma região propicia para o cultivo de uvas, viniferas ou não. E digo pq testei a adaptação de muitas outras variedades aqui e não produzem uvas, algumas só lenha e outras nem isso. Esse ano minha perreira de Peverella está com brotacao exuberante e muito sadia, trazendo cachis alados, alguns ramos até com três cachos.
ResponderExcluir