segunda-feira, 1 de maio de 2017

Peverella – Na trilha dos vinhos laranja da Era dos Ventos

parreiral de uvas Peverella da Era dos Ventos

Você se acostumou a diferenciar vinícolas-boutique daquelas grandes empresas engarrafadoras. Você certamente consegue discernir entre um vinho branco, um tinto e um rosê. Mas, quando você descobre o projeto Era dos Ventos, uma vinícola-poesia, no interior de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, você percebe que existe mais entre o campo e sua taça, do que prevê qualquer filosofia enológica. Ao deparar com os mágicos Peverella que ali se vinifica, então, você vai adentrar nova escala de cores e sensações, muito além daquelas que até então conhecia.

Luis Henrique Zanini, poeta-enólogo da Era dos Ventos, chama seus vinhos Peverella de vinhos laranja, introduzindo conceito que você somente conseguirá desvendar à luz da arte. Na arte da poesia, Zanini te encantará, ao manejar habilidosamente as palavras ligadas ao amor, à sensibilidade, à terra e aos vinhos. Quanto a estes, o jovem artista do vinho lançou mão de toda essa sensibilidade, para nos brindar com essa poesia enológica, personificada no incrível Peverella alaranjado.

Desde 2007, quando Zanini se uniu a outro talentoso artífice do vinho – Álvaro Escher – para criar o selo Era dos Ventos, tomei conhecimento dos finíssimos Merlot, que passaram a produzir, em seu tugúrio secreto do Caminho das Pedras. Esses tintos extremamente complexos são produzidos a partir de velhas vinhas redescobertas longe do circuito biotecnológico do Vale dos Vinhedos, situado na mesma região. Não saem todos os anos, é claro! A filosofia Era dos Ventos, fundamentada nas técnicas francesas de fermentação natural, em locais primitivos, onde imperam condições pretéritas de vinificação, sem o concurso de modernas tecnologias, remete necessariamente às artes enológicas do passado. O primeiro Merlot que experimentei da Era dos Ventos fora prensado e misturado sob os pés dos pequenos filhos de Zanini, hoje já um belo casal de jovens. Tenho a fotografia até hoje, em meu caderno de vinhos.

O projeto do Peverella nasceu na redescoberta de castas brancas, se é que assim podemos chama-las, muito bem escondidas, em meio a velhos vinhedos dos Caminhos de Pedra, estrategicamente distantes da fúria varietal, que grassava no Vale dos Vinhedos, já então dominado pela corrida tecnológica determinada pela sua condição de denominação de origem. Por lá, imperava a busca frenética pelos melhores clones, pelos mais produtivos recortes de terreno e pelo domínio das mais avançadas técnicas de vinificação industrial – afinal, era necessário suprir imensos mercados, merecidamente conquistados pelos laboriosos wine-makers de Bento Gonçalves. Ali, nas colinas basálticas a leste de Bento, contudo, a escolha era outra.

Essas variedades “perdidas” de uvas italianas se escondiam misteriosamente, entre velhos vinhedos artesanais, outrora explorados para fabrico de vinhos rústicos, usualmente consumidos nas residências dos descendentes de imigrantes italianos. Vegetavam misturadas, em meio a outras uvas diversas, sem que fossem notadas. Muitas delas eram centenárias parreiras, ou pés-francos, propagados pelas mãos puras dos pequenos agricultores, sem terem recebido fertilizantes ou defensivos sintéticos, ao longo de décadas. Em meio a elas, lá estavam os pés da preciosa Peverella, que Zanini e Álvaro foram buscar, com seus olhos poéticos.

Assim como nas demais variedades que compõem a grade Era dos Ventos, a Peverella foi catalogada, tanto nos vinhedos próprios do projeto, quanto nalguns lotes ainda em mãos de antigas famílias. A essas alturas, a variedade hortícola Peverella estava em desaparecimento. A dupla passou a acompanhar sua produção, desde a emissão de brotos, florescimento e frutificação, passando pelo seu desenvolvimento, período em que se determinava se os lotes seriam ou não capazes de originar os vinhos especiais que deles se esperava. Desde então, diversas safras nada resultaram e seguiram para fazer sucos ou vinhos de garrafão, os quais confesso que ainda assim adoraria ter experimentado. As melhores safras, aquelas que beiravam a perfeição, seguiam para o porão da Era dos Ventos, onde se lhes extraía seu melhor néctar, enquanto Zanini rabiscava suas poesias, nas paredes grossas da cantina.

Desde então, o processo tem se aperfeiçoado, porém, dentro da estrita filosofia de seu fundamentalismo enológico. Os velhos barris de carvalho guardam preciosidades que tive oportunidade de testar, junto com Zanini, neste outono, tais como uma safra de 2011, que ainda “dorme” em suas barricas, levando ao extremo as experiências da Era dos Ventos. Numa barrica reciclada de velhas madeiras de ipê, resgatado de antigos madeiramentos, jaz uma mágica partida de Peverella 2014, que revela aroma que remete às florestas semideciduais do Centro-Oeste do Brasil, sem que se possa explicar de onde vem essa misteriosa sensação. Tudo isso, contudo, se dá no plano da alquimia enológica singular e exclusiva dos jovens fazedores de vinhos, sem a incorporação de qualquer tecnologia sintética.

Para não se dizer que a dupla não lança mão da tecnologia agronômica, a que sou tão afeto, por força de minha formação, conheci um precioso lote de videiras Peverella que foi salvo de um centenário e decadente parreiral, num local próximo, que seria erradicado por seu proprietário: “estavam morrendo” teria afirmado seu antigo dono! Pois Zanini recorreu à coleta de material vegetativo dessas plantas e as enxertou sobre porta-enxertos adequados e salvou o velho e precioso patrimônio genético, que agora produz suas melhores partidas de vinhos laranja.

Os vinhos Peverella da Era dos Ventos são densos, embora isso não lhes determine corpo exagerado. Por não serem filtrados, conservam o volume das frutas que lhes originam. A coloração, já foi dito, beira o âmbar, direcionando para o laranja ou dourado, dependendo da safra e da idade. Trazem um retrogosto mineral único e sem similares a mim conhecidos. Você será capaz de afirmar estar bebendo um Peverella, em qualquer teste cego de que tomar parte! Quando novos, refrescam ao primeiro contato e devem mesmo ser bebidos bem frios, embora a temperatura nas barricas estivesse perfeitamente propícia à degustação. Os mais velhos já perdiam um pouco a fruta pura e simples e se revestiam de notas complexas que puxavam para a mineralidade que referi.


Depois dessa visita, em que fui guiado pelo maestro de vinhos Zanini, prometi a mim mesmo que vou acompanhar mais detidamente a evolução dos Peverella da Era dos Ventos, tanto quanto o fazia com seus tintos, que adoram longas guardas, na escuridão quieta de nossas adegas. Acompanhe um pouco desta visita, através das imagens comentadas a seguir. Boas degustações a todos.

acima - Planta de uva Peverella, nas vinhas da Era dos Ventos

acima - A variedade Marselan, que vem produzindo excelentes tintos na Era dos Ventos

acima - Plantas da variedade Merlot, que produz alguns dos mais valiosos tintos do projeto

A seguir - O outono chega, nos parreirais da Era dos Ventos



Abaixo - O solo litólico de basalto da Formação serra Geral domina os vinhedos da Era dos Ventos, sendo comum o gravatá (Eryngium horridum - Apiaceae = Umbelliferae), com suas folhas agressivamente espinescentes. Essa condição é determinante para o terroir local


acima - A liliácea Lilium regale é planta importada, mas invade lindamente o entremeio dos pomares


acima - Luis Henrique Zanini explica a Orlando Graeff como conduz seus vinhedos, na direção de seus melhores vinhos

Acima - Lindas margaridas ajudam a revestir o solo dos vinhedos, que jamais conhecem capinas ou revolvimento, sendo possível caracterizar esses pomares como um autêntico plantio-direto

acima - Uvas Teróldego, outra variedade tinta que vai sobressaindo, na busca de novos vinhos

abaixo - L. H. Zanini percorre seus pomares de Teróldego na Era dos Ventos


acima e abaixo - Paisagens fundamentais, na Era dos Ventos


adiante - Conheça um pouco da paisagem interna do projeto Era dos Ventos - vinícola-poesia:







acima - Um dos belos rótulos dos vinhos Era dos Ventos
abaixo - Zanini busca atingir o estado da arte e da poesia, com sua criação enológica da Era dos Ventos


acima - Resultados inequívocos do projeto Era dos Ventos

a seguir - Ingredientes diários do trabalho, no "atelier" Era dos Ventos



acima - O autor deste blog exibe um pouco dos vinhos laranja da Era dos Ventos, sob a luz difusa do local de sua criação

acima - Aguarde! Estamos trabalhando no projeto Era dos Ventos

3 comentários:

  1. Orlando:

    Obrigado por compartilhar sua visita. Mesmo se passado dois anos, me senti visitando a vinícola hoje

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  2. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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  3. Comprei a alguns anos mudas de uva que me foram vendidas como chardonay. Como entusiasta comecei a estudar a ampelografia das uvas e decepcionado verifiquei não serem o que eu tinha comprado. Mas como já havia plantado e elas estavam indo bem resolvi deixar para ver o resultado. Não contente continuei procurando a variedade de acordo com suas características, procurei pelas francesas, portuguesas e enfim cheguei a Peverella italiana. Sou do norte do Paraná aqui não é uma região propicia para o cultivo de uvas, viniferas ou não. E digo pq testei a adaptação de muitas outras variedades aqui e não produzem uvas, algumas só lenha e outras nem isso. Esse ano minha perreira de Peverella está com brotacao exuberante e muito sadia, trazendo cachis alados, alguns ramos até com três cachos.

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