No
início da década de 2000, quando era diretor de conservação da Sociedade
Brasileira de Bromélias-SBBr, publiquei na REVISTA BROMÉLIA, juntamente com
Yara Valverde, um artigo que, na
época, não tenho dúvidas, foi considerado meio apocalíptico, bastante
pessimista, ao menos para o estado de espírito vigente àqueles tempos, entre os
aficionados e estudiosos das plantas desta admirável família botânica. Era
intitulado – A INTERAÇÃO FOGO – CAPIM-GORDURA E O
DESAPARECIMENTO DA BROMÉLIA-IMPERIAL (Alcantarea imperialis).
Segundo nosso postulado, prevíamos o quase completo desaparecimento desta
planta, na natureza, em função dos incêndios cíclicos, que avançavam pelos
capinzais decadentes da Região Serrana do Rio de Janeiro.
Esse
prognóstico tinha como fundamento a franca invasão dos ecossistemas
relacionados aos campos de altitude e afloramentos rochosos, especialmente no
estado do Rio de Janeiro, onde atuávamos intensamente, pelo capim-gordura
(Melinis minutiflora), uma gramínea importada da África, que se ambientou com
perfeição nesses locais ensolarados, principalmente, nas vertentes serranas
voltadas ao interior. Espalhando-se com velocidade estonteante, desde os tempos
em que escapou do cultivo, nas antigas fazendas de gado leiteiro, mais de um
século atrás, o capim-gordura ainda apresenta adaptação favorável com o fogo,
que tolera bem e que lhe incrementa a capacidade de germinação das sementes.
A magnífica bromélia-imperial (Alcantarea imperialis), em seu habitat natural, na RPPN Graziela Maciel Barroso - Petrópolis - RJ
Entremeando-se
aos ambientes onde vegetavam as bromélias-imperiais, plantas de biologia
tremendamente complexa, o capim-gordura funcionaria como combustível, durante
os episódios cada vez mais frequentes de incêndios florestais, ocasionando a
queima irreversível de grande parte dessas majestosas plantas. De fato, a
gramínea funcionava como ferramenta de ascensão das chamas, morro acima,
enquanto as bromélias-imperiais, “arrancadas” pelas chamas, desciam os paredões
e ateavam fogo às matas abaixo, contribuindo para a propagação das chamas.
Em
nossas contínuas excursões, especialmente na Serra da Maria Comprida, em
Petrópolis, e na região central da Serra dos Órgãos, além de suas inúmeras
disjunções locais, constatáramos o estado lastimável das populações de
bromélias-imperiais, que decresciam a olhos vistos, a cada incêndio que
irrompia nas montanhas. Referimos, em nosso artigo, que já não eram mais
encontradas populações intactas e que inexistiam seedlings (sementeiras) dessas
plantas exclusivas dos afloramentos rochosos. Ou seja, além do gradual declínio
das plantas adultas, não estava mais ocorrendo a renovação dos stands de Alcantarea
imperialis.
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O agrônomo Alexandre Biancatto gravando imagens de uma população ainda intacta de bromélias-imperiais, na RPPN Rogério Marinho, no final da década de 1990
Após o grande incêndio que acometeu a RPPN Rogério Marinho e parte do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, em 1999, grande parte das populações naturais dessas bromélias foi aniquilada
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Sabendo
que essas imensas bromeliáceas chegam a demorar até quarenta anos para
florescer e gerar sementes, processo único em suas vidas, ao qual se segue sua
morte, inferimos o que seria mais lógico: DALI
A QUARENTA ANOS, NO MÁXIMO, A PLANTA ESTARIA EXTINTA DA NATUREZA. Passados
cerca de 15 anos, desde que imaginamos este sombrio cenário, faltariam cerca de
25 anos para que as bromélias-imperiais desaparecessem dos costões rochoso da
região serrana. Infelizmente, ao final do mais grave ciclo de incêndios
florestais a que já assistimos, que ocorreu no inverno seco da Região Serrana,
adentrando a primavera, neste ano de 2014, a simples verificação visual das
populações sobre as rochas nos induz a imaginar que demorará bem menos para que
elas sejam definitivamente varridas da natureza.
Há
alguns fatos, digamos assim, positivos, que modificaram relativamente este
cenário de que falamos. Entre eles, ainda se verificam os resultados (ainda que
tímidos) de iniciativas que remetem ao final dos anos 1990 e à década passada,
onde foram implantadas RPPNs (Reservas Particulares do Patrimônio Natural), com
manejos preventivos ao fogo e protetores contra a coleta criminosa (outra
frente grave de pressão). Em diversas áreas da região, o surgimento dessas
reservas conseguiu proteger alguns remanescentes de populações de plantas
rupícolas, entre elas a bromélia-imperial. São exemplos: RPPN da Limeira, na Serra da Maria Comprida; RPPN Rogério Marinho, no Vale do Mata Porcos; RPPN Graziela Maciel Barroso, próximo a Itaipava.
Outro
advento importantíssimo foi a chegada ao Parque Nacional da Serra dos Órgãos,
entre Teresópolis e Petrópolis, de um núcleo do Sistema Prev-Fogo, do Ibama, assim como a organização de brigadas
especializadas anti-incêndios florestais, com guarda-parques treinados, como
aquela que tem atuado a partir da Reserva Biológica de Araras, aos pés
da Serra da Maria Comprida. Os governos estadual e federal também passaram a
ceder aeronaves e efetivos dos Bombeiros, para reforçar o combate às chamas.
Porém, o poder de destruição desses incêndios florestais é estupendo e se
tornam inevitáveis os estragos, quando atingem altas montanhas, onde o combate,
tanto quanto a prevenção, é quase como “enxugar gelo”, gerando imensas
frustrações.
Mas,
talvez a mais determinante razão para concluirmos que nosso sinistro
prognóstico continua valendo, talvez piorado, é a generalização do descontrole
do poder público dos municípios sobre a questão do lixo, aliado à danosa
permissividade com o uso do fogo, como estratégia particular de “limpeza”. TODOS OS FOCOS DE INCÊNDIO TIVERAM ORIGEM NAS MÃOS
DO HOMEM. Isso deverá ficar bastante claro, haja vista a mais absoluta
impossibilidade de ocorrer combustão espontânea, que deve ser colocada no
terreno da fantasia. Além disso, não foi muito difícil perceber que o céu
permanecia indefectivelmente claro, afastando outra desculpa frequente: os
raios. O que mais perturbou, contudo, foi perceber que boa parte dos incêndios
foi criminosa e propositalmente ateada, em margens de estradas e ruas.
PIROMANIA, nada mais que o prazer doentio da destruição pelo fogo!
Tolerando
o uso do fogo – que é vedado pela legislação municipal – as prefeituras deixam
a Deus dará a prevenção aos incêndios florestais, tornando-se cúmplice pela
omissão. A população deseducada e que
não conta com políticas sérias de destinação de resíduos sólidos contribui para
o irreversível desaparecimento das bromélias-imperiais, tanto como para a
extinção de seu mais precioso recurso – ÁGUA. Aliás, cabe lembrar: As
bromélias, de modo geral, são importantíssimas no ciclo das águas, nas
montanhas fluminenses, por reservar farta quantidade dela, dentro de seus tanques,
verdadeiros aquíferos suspensos, nas rochas e nas árvores da floresta.
O
assunto é vasto! Voltaremos a tratar dele, em breve.
Acima - Uma bromélia-imperial irreversivelmente danificada pelo fogo, na RPPN Rogério Marinho, em Petrópolis
Abaixo - Um velho exemplar de Alcantarea imperialis, na rocha, na região de Pedro do Rio, em Petrópolis, nos anos de 1990 - extinta
Abaixo - O fogo sempre tem início nas mãos do homem. Em Itaipava, ele é comumente utilizado na eliminação de resíduos sólidos, sob o olhar complacente da prefeitura. Dali, escapa para as florestas e afloramentos rochosos, ocasionando danos irreparáveis
Olá. É possível coletar sementes e reproduzir a bromélia-imperial? Tenho um vivieiro de árvores nativas no Vale do Cuiabá - Itaipava e estou aberto a participar como puder no resgate dessa espécie. Abs
ResponderExcluirCaro Bruno, é sim muito fácil coletar sementes desta magnífica bromélia, ao final de sua floração e frutificação, quando se abrem suas cápsulas, liberando milhares de sementes plumosas. Daí, bastará cultivá-las sobre substrato de orquídeas, mantido levemente úmido. Há produtores fazendo excelentes formas desta planta, mas suas populações naturais declinam aceleradamente, como afirmei. Sua produção auxilia na conservação, por suprir com belas plantas o mercado, desestimulando sua coleta criminosa, que ainda ocorre - aguarde minha próxima postagem, quando falarei sobre o tema.
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