quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

E SE TODOS FIZESSEM ISSO? – COLETA OU EXTRATIVISMO. AMEAÇAS ÀS PLANTAS BRASILEIRAS


          O filósofo alemão Immanuel Kant, que viveu no Século XVIII, formulava esta pergunta, que testava questões morais, apelando à razão dos seres humanos, no sentido de refletirmos se nossas ações serviriam como padrão de comportamento: “E se todos fizessem isso?” De acordo com Kant, cujos postulados vigem até os dias atuais (ou, pelos menos deveriam!), bastaria nos fazermos esta simples pergunta, para sabermos se nossas atitudes eram morais ou não. Gandhi teria dado uma resposta bem simples, conquanto de forte conteúdo moral: “Faça de seu procedimento norma universal”.

          A questão afligia os milhares de membros da Sociedade Brasileira de Bromélias-SBBr, ainda nos anos de 1990, quando comecei minha atuação, na Diretoria de Conservação da célebre entidade, no início dos anos de 2000: Podemos ou não coletar plantas na natureza? Ainda não existiam diplomas legais com o alcance da Lei do Crime Ambiental, ou da Lei dos Acessos, que terminaram praticamente radicalizando o tema, algum tempo depois. Assim, o dilema dos bromeliófilos e bromeliólogos era essencialmente moral. Ao integrar os quadros da SBBr, a questão já havia sido amplamente discutida e, digamos assim, praticamente resolvida, apesar de ter retornado à cena, alguns anos depois, durante um importante evento nacional da SBBR sobre a conservação de bromeliáceas, que reuniu autoridades científicas e conservacionistas.

          O consenso era no sentido de que a coleta científica, ou com finalidades essencialmente de conservação ex situ, mesmo que em coleções privadas, representava atividade “tolerável”, ao passo que a coleta praticada no sentido de formar estoques comerciais representava extrativismo e, portanto, constituía crime ambiental (poluição). A partir deste conceito, os colecionadores poderiam pessoalmente recolher exemplares de bromélias, nos ecossistemas, desde que não formassem estoques. Os coletores profissionais, por seu turno, estariam cometendo crimes ambientais, quando pegassem bromélias ou quaisquer outras plantas, com objetivo de fazer dinheiro com elas.

          Tínhamos ainda, àquele tempo, diversos profissionais que sobreviviam da coleta de orquídeas e bromélias, na natureza, vendendo-as para empresas ou particulares. Eram os conhecidos “mateiros”, que, na verdade, ainda atuam até hoje. A origem do nome é evidente: Mateiros seriam gente da floresta, nascida e crescida em meio às atividades extrativistas, que reinaram no país, durante séculos. Havia a ideia geral de que nossas matas, cerrados e campos rupestres eram algo com dimensões infinitas e que teriam resiliência o bastante para suportar a coleta de suas diversas essências, desde a madeira às plantas ornamentais, refazendo-se continuamente de suas “pequenas” perdas.

          Os conflitos têm sido imensos, desde então, gerando mágoas insanáveis, de ambos os lados da questão, como ocorre na nefasta polarização verificada entre agricultores e entidades de defesa dos direitos das minorias – biodiversidade inclusa! Mas, a economia de escala produziu uma guinada irreversível e transformou a humanidade numa máquina de consumo descontrolado, na qual milhares, milhões de pessoas, cada uma com seus interesses pessoais, busca toda e qualquer coisa que lhe dê prazer adquirir (ou coletar), desde iphones e Ferraris, até orquídeas e bromélias. Smartphones costumam ter modelos novos, quase todos os meses; Ferraris nem tanto, mas jamais faltarão reluzentes carrões, novinhos em folha, para apaziguar as ansiedades consumistas da população; Já no caso das plantas ornamentais... A coisa é bem diferente!

          Ainda que surjam novidades cultivadas, a cada dia mais belas e bem trabalhadas, especialmente nessas duas importantes famílias botânicas – bromeliáceas e orquidáceas – os amantes de plantas ainda cobiçam raridades que esperam nos recônditos do sertão nacional, prontinhas para serem encontradas por (milhares de) colecionadores sequiosos. Cada um pensa que a sua coleta em nada afetará a sobrevivência das populações naturais. Pois, em meio a esta verdadeira pilhagem que vem sendo feita, geralmente por puro capricho pessoal, sem qualquer desígnio científico, é chegada a hora de nos fazermos a velha pergunta de Kunt: “E se todos fizessem isso?”

          Temos distorcido egoisticamente os preceitos filosóficos de outro pensador mais moderno – Peter Singer – agindo com uma ideia desconectada da realidade econômica atual. Em vez de nos fazermos a pergunta racional de Kunt, ou nos questionarmos se nos cabe tomar iniciativas solidárias, uma vez que alguém outro poderá tomá-las por nós, como levantou Singer, oferecemos uma resposta à priori, que é dada somente para satisfazer nossa vil consciência e revestir de moral o que não é: “Ora, sou apenas eu a fazer isso!”

          Nalguns casos ainda mais amorais, afirmamos: “Se eu não coletar, virá alguém mais e o fará!” E assim seguimos em nosso assalto interminável à mãe natureza, pensando apenas em nossos desejos, sem perceber que estamos aprisionados num ciclo sem fim de desejos que cultivamos, atendemos e voltamos a ter novos desejos ainda mais ambiciosos. Isso não chega a ser novidade e Arthur Schopenhauer já diagnosticara isso, ainda no alvorecer do Século XIX.

          Então, quando estivermos caminhando entre os soberbos blocos rochosos da Serra dos Pirineus, em Goiás, e avistarmos uma população de Tillandsia barrosoae, pequena bromélia bronzina, que somente ocorre neste lugar, entre cactáceas, clusiáceas e marcgraviáceas tortuosas, sentindo aquele desejo incontido de possuir um exemplar; Ou quando visitarmos os campos rupestres da Chapada Diamantina, sentindo-nos atraídos por magníficas e raras orquídeas como Hadrolaelia sincorana, que somente vegeta nos troncos grossos de veloziáceas endêmicas; que tal pensarmos: “E se todos fizessem isso?”

          Não sou nenhum santo! Já coletei plantas, desde menino, inicialmente atendendo ao desejo de possuí-las. Mas, procurei evoluir e tornar-me mais civilizado. Isso incluiu despir-me, progressivamente, dos desejos infantis e insaciáveis de posse, ao menos quando isso envolvia a ética. Afinal, na maior parte das vezes, levamos essas joias para casa, pensando que saberemos cultivá-las, apenas para vê-las fenecer e morrer, algum tempo depois. Nos dias de hoje, faço-me imediatamente a pergunta: “E se todos fizessem isso?” A propósito, devo lembrar ainda mais uma pergunta ser feita: “E se eu for flagrado pelas autoridades transgredindo a Lei?” Vale fazer as duas perguntas, simultaneamente, lembrando que acabamos de celebrar o dia dos fotógrafos, que “caçam” belas imagens dessas mesmas plantas, deixando-as lá, para reproduzirem e se perpetuarem.

          BOM SAFÁRI FOTOGRÁFICO A TODOS.


A magnífica bromélia Hohenbergia castellanosii do Recôncavo Baiano está no limiar do seu desaparecimento, por força de sua intensa coleta, para abastecimento do mercado paisagístico


As populações naturais de Hohenbergia castellanosii são de distribuição complexa e não suportam a coleta extrativista, realizada à exaustão


A pequena e delicada bromélia Tillandsia barrosoae somente ocorre nos afloramentos da Serra dos Pirineus, em Goiás, infelizmente próxima demais de Brasília. Essa proximidade vem sendo fatal, pela facilidade com que se visita o local, propiciando coleta amadorística e profissional


Tillandsia barrosoae não é uma planta numerosa, em seu habitat. Se cada visitante resolver coletar um exemplar que seja, ela desaparecerá rapidamente


O autor do blog, na Chapada Diamantina, junto ao jardim natural de orquídeas e bromélias da transição Caatinga - Cerrado - Mata Atlântica: Melhor observá-las na natureza, onde encontram seu habitat ideal. Em nossas casas, dificilmente sobreviverão


Orquidário do estado de São Paulo, onde as mais belas plantas são produzidas massivamente, propiciando beleza e adaptação para nosso cultivo


3 comentários:

  1. Respostas
    1. adoooooooooooooooooooooooooooooooooooooorei........

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    2. Obrigado, Jeovana. Aproveite para divulgar, com seus conhecidos. Pode ser que surta algum resultado, para ajudar na conservação de nossa natureza.

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