As Origens do jardim
Fitogeográfico
Quando comecei a postar na internet fotografias de
meus jardins, em Petrópolis, muitos anos atrás, adotei a denominação Jardins do Templo Fitogeográfico, mais
por uma licença poética do que por qualquer pretensão de criar alguma seita
religiosa ou coisa parecida. Mas, foi inevitável: Muitos de meus amigos e
conhecidos ficaram intrigados – com razão, creio eu. Pensei que isso se tornara
uma oportunidade de contar sobre essa coisa da Fitogeografia e o que teriam
meus jardins, afinal, a ver com um templo. Não demorou para que eu mudasse o nome
para JARDIM FITOGEOGRÁFICO, pois não desejava adentrar o terreno da metafísica
ou religiosidade.
Desde garoto, sempre fui muito idealista. Nasci com
alguns sonhos, tal como um computador, que já é fornecido com o que os
iniciados chamam: Programas Nativos.
Isso quer dizer, tanto no caso da informática, quanto em minha cacholinha, que
essas coisas tinham vindo de fábrica e, como tal, não seria razoável mexer.
Afinal, não eram sonhos de ambição e poder, propriamente ditos. Era a
idealização da profissão; das tarefas a serem realizadas (em busca de um mundo
melhor, pensava); a maneira como encarar o amor; meus dotes artísticos; e,
muito ligado a tudo isso, como deveria ser o ambiente à minha volta.
Essa coisa do ambiente
acabou se transformando num mote generalizado, ao longo dos anos 1990, na
esteira da Rio-92, impulsionando a luta ambientalista, à qual acabei aderindo
também, por já estar nessa correnteza desde quando a enchente começou. Quanto
aos outros sonhos, jamais os deixei apagar, muito pelo contrário,
transformei-os em projetos, metas de vida, que venho cumprindo, uma a uma, ao
longo dos 63 anos que já vivi. Essa coisa de “como deveria ser o ambiente à
minha volta” acabou sintetizando um princípio fundamental para mim: VIVER BEM É
MORAR BEM.
Durante anos, habitei casas alugadas, o que emprestava
caráter transitório a tudo que fazia. Mesmo assim, tratava com imenso respeito
esses lugares, vivenciando-os como se fossem meus. Isso, claro, produziu bons
tratos que seguramente fizeram felizes muitos senhorios, mas que resultavam
repetidos desgastes em meus sonhos, dentre eles, aquele que se personificava
numa de minhas mais antigas manias: Minha COLEÇÃO DE PLANTAS.
“O menino que,
aos dez anos, não revela interesse em colecionar qualquer cousa instrutiva não
evidencia espírito de pesquisa e nem promete ser indivíduo muito útil à
humanidade”. Essas palavras não são minhas, mas de Frederico Carlos Hoehne,
um dos mais célebres naturalistas que o Brasil já teve, e abrem o prefácio de
sua famosa obra: Iconografia de
Orchidaceas do Brasil, editada em 1949, pela Secretaria de Agricultura de
São Paulo, onde Hoehne produziu inestimável contribuição ao conhecimento da
flora brasileira. Minha coleção de plantas – orquídeas, principalmente –
iniciou-se por volta de 1972, na casa de meus pais, em Ipanema, no Rio de
Janeiro. Juntamente com meu amigo Flavio
Coutinho Ferreira, interessei-me pelas florestas e pelas plantas tropicais.
Improvisei um ripado, aos fundos da nossa casa e comecei a juntar minhas
primeiras plantas.
Nunca mais deixei de fazê-lo, tendo reiniciado
diversas vezes, em função de “viagens de vida” que foram a faculdade (UFRRJ) e
minha expressiva permanência no Mato Grosso, na década de 1980. Em cada coleção
que empreendia, organizava mais minhas plantas, passando a conduzi-las como
verdadeiros bancos de espécies, com diversas origens. Depois de ter passado
pela presidência da Sociedade Brasileira de Bromélias-SBBr,
no início dos anos de 2000, minha coleção se transformou definitivamente numa
ferramenta de ciência, mostrando que Hoehne não estava errado, afinal.
Enquanto presidi a SBBr, estreitei meus laços ainda
mais com o mundo científico, através das conversas e de meu aprendizado com
cientistas de peso, que colaboravam nas ações da entidade: Rafaela Forzza, que
hoje coordena o Herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro; Gustavo
Martinelli, da mesma instituição, que coordena a lista das espécies
da flora brasileira e criou o CNCFLORA – CENTRO NACIONAL DE CONSERVAÇÃO DA
FLORA; além de pesquisadores de outras instituições ou para-institucionais que,
assim como eu, davam seus esforços para o conhecimento e conservação das
bromélias: Elton Leme, Ivo Penna, Luiz Felipe Nevares de Carvalho, Miriam Mendonça, Maria
Esmeralda Demattê; foram alguns
desses nomes inspiradores, durante os tempos da SBBr.
Minha coleção, desde então, tem contribuído com
novidades e preciosas informações para a ciência: Espécies novas; dados
ecológicos e geográficos; cultivares etc. Em 2015, publiquei a obra
FITOGEOGRAFIA DO BRASIL, UMA ATUALIZAÇÃO DE BASES E CONCEITOS, para a qual a
experiência horticultural do JARDIM FITOGEOGRÁFICO contribuiu imensamente.
Em 2009, comecei finalmente a dar vida ao projeto da
MINHA CASA, deixando para trás a fase das contínuas mudanças de endereço... Meu
endereço e também o da COLEÇÃO DE PLANTAS! Meu grande amigo Arquiteto Pedro
Quintanilha concebeu o projeto da casa e contribuiu muito para o
equacionamento da ocupação do terreno. Não era uma mansão, mas nasceria com DNA
caprichado: Enviei ele meus desenhos, aqueles que ilustravam o sonho de como
seria o AMBIENTE dessa casa, produzindo, deste modo, a indivisível hibridação
daquilo que eu pensava com o que um Arquiteto competente como ele seria capaz
de transformar num projeto de verdade.
Mergulhei fundo nesta realização e dediquei os seis
últimos meses do período das obras, em 2009, à execução dos jardins... O Jardim Fitogeográfico. Devo lembrar a
muitos que não me conhecem tão bem que sou paisagista e, durante muitos anos,
dediquei-me tornar realidade os sonhos jardinoculturais dos outros. Era chegada
a minha vez! Com a ajuda de alguns funcionários, plantei as plantas da coleção
diretamente em jardins projetados especificamente para abrigá-las. A partir de
meus conhecimentos e experiências sobre os habitats dessas plantas, que eu
visitara Brasil afora, conseguimos dar vida a réplicas de algumas dessas
paisagens botânicas, onde essas plantas cresciam, nos diversos ecossistemas do
país.
A essas alturas, eu já me encontrava imerso nos
estudos e na organização do meu primeiro livro que vinha preparando desde 2006,
que tem como tema exatamente a Fitogeografia. Por que existem
algumas vegetações do Brasil e de países vizinhos? Como elas surgiram? Como
elas são? Esses assuntos se transformaram na trilha de minha vida, nos anos de
2006 a 2015, quando foi publicada a obra. Não haveria como enxergar os jardins
de minha casa, assim como a coleção de plantas que neles encontrara abrigo
definitivo, como algo diferente do que um aprendizado, uma contínua reflexão
sobre tudo que venho tentando desvendar, nas paisagens do Brasil. Da janela de
meu escritório, observo como orquídeas e bromélias se desenvolvem, em meio a
massas de arbustos e arvoretas de nossa flora. Ao percorrer diariamente a
floresta que replantei, aos fundos da casa, sobre uma encosta árida, desvendo
relações entre as plantas nativas da coleção – que ali também estão – e suas
árvores-suporte ou sobre os diversos substratos que a mata oferece. Esse setor
é hoje tratado como o ARBORETO.
Enquanto escrevo e reviso meus textos, durante horas a
fio, aprendo mais com as plantas, que me dão lições sobre sua ecologia.
Princípios e hipóteses que estudo ou formulo são testados ali mesmo, na frente
de minha janela, nos fundos de minha casa. Eis aí a origem do JARDIM
FITOGEOGRÁFICO: Fruto de sonhos inatos e vocações compreendidas; Inspirado nos
naturalistas como Hoehne; Direcionados ao aprendizado e à reflexão, além da
contemplação mais lúdica, é claro.
O JARDIM FITOGEOGRÁFICO, como pode ser entendido, se
desenrola ao redor de minha residência, no interior de um condomínio fechado de
casas, em Petrópolis, Rio de Janeiro. Não é um parque público, embora eu venha
tentando já há anos conseguir uma área em que possa ser implantado um projeto
coirmão ao JARDIM FITOGEOGRÁFICO, porém com objetivos de uso público,
estendendo assim sua missão de educação ambiental e conservação da flora. A
Convenção de meu Condomínio veda uso comercial e desincentiva fortemente a
visitação de seu interior. Entendo o propósito fundamental, que seria a
preservação do sossego de seus moradores – inclusive eu! Mas, isso é levado tão
a sério, que um esforço recente de implementar uma trilha contemplativa, para
os jovens e amantes da natureza, numa área de reserva florestal do Condomínio
foi duramente barrada, mesmo se tratando de seus próprios moradores os
potenciais visitantes.
Haverá um dia, estou certo, em que teremos um JARDIM
FITOGEOGRÁFICO aberto ao público,
contribuindo com o desenvolvimento de uma relação afetiva do homem com o
ambiente natural e sua flora. Por ora, aqueles que apreciam as plantas e se
interessam por seus aspectos pitorescos podem acompanhar a hashtag #jardimfitogeografico
ou #phytogeographicalgarden, que conduz às constantes publicações no Instagram ou na página do JARDIM FITOGRÁFICO
no FACEBOOK. Espero vocês lá.
Acima - Jardins Dianteiros, onde são cultivadas espécies de ecossistemas campestres ou de maior iluminação. Abaixo - Detalhe dos Jardins Dianteiros e suas plantas
Acima - Duas espécies baianas de bromélias: Aechmea amicorum e Aechmea discordiae
Abaixo - Canteiro de bromélias Alcantarea vinicolor do Espírito Santo, em pleno florescimento