sábado, 21 de janeiro de 2012

EVENTOS ENO-GASTRONÔMICOS DE SUPREMA IMPORTÂNCIA – COSTELETAS DE CORDEIRO COM VINHO PATAGÔNICO

          The nearest the bone, the sweetest the meat... Essa é uma das grandes verdades que todo churrasqueiro conhece bem: Quanto mais próxima do osso, mais deliciosa é a carne. Daí a gauchada ser famosa pela sua preferência, na República Sul-Rio-Grandense – Costela gorda cheia de graxa. Me lembro bem dum velho versinho do cancioneiro popular gaudério: “Duas coisas deixam o gaúcho de pé; Carne gorda com farinha e carinho de mulher”. Fato é que o almoço de hoje – sábado, 21 de janeiro de 2012 – foi exemplo típico dessa sabedoria tradicional: Costeletas de cordeiro na grelha, regadas a vinho tinto Malbec, lá da Patagônia.
          As costeletas foram inspiradas num delicioso momento, recentemente vivido, no magnífico restaurante Puerto Del Toro, em Caxias do Sul, quando também apreciamos a mesma combinação. Como sempre acontece, queríamos repetir a dose. Às vezes, isso não dá certo e a gente se frustra, pois cada ocasião é uma ocasião. Desta vez, porém, não teve errada. Estou até agora sentindo o imenso prazer de ter pilotado, uma vez mais, minha churrasqueira e de ter mirado numa garrafa de Malma (Bodega – NQN) – Malbec Gran-Reserva safra 2006 – que jazia quietinha na adega, fazia tempo.
          As costeletas vêm naquele corte gourmet, no qual os ossinhos da costela ficam saltando como palitinhos de um picolé, coisa que acaba sendo muito útil, nos dedos sequiosos e sem a menor classe do assador. Depois de uns goles de semelhante néctar patagônico, não há apreciador que não se renda à tentação de segurar naqueles “palitinhos” providenciais e comprovar a máxima que abriu este texto: Ali se encontra a melhor parte do churrasco. Mas, temperadas unicamente com sal grosso, as costeletas de Dom Pedrito, na Campanha Gaúcha, não deixaram de marcar presença pela maciez da carne, protegido que fora, durante o assado, pelos ossos, de um lado, e pela capa gordurosa, de outro.
          Quanto ao vinho, acabou por confirmar o que era certo: Malbecs patagônicos são a melhor bebida para acompanhar pratos como esse. Isso ficara patente em San Martin de Los Andes, na Patagônia, onde comemos prato assemelhado, igualmente regado aos vinhos de Neuquen. Foi por ali, em 2008, que ficamos conhecendo a vinicultura daquela região, especialmente da Bodega NQN, que hoje já se encontra bem difundida entre nós. A região de Neuquen tem uma característica que lhe confere terroir singular, em meu ponto de vista: Situada na faixa desértica argentina, que se espreme ao longo dos Andes Orientais, conta com climas bem mais amenos do que Mendoza. Vêm daí vinhos mais redondos, sem perder aquele tanino vigoroso da Argentina.
          A experiência de hoje foi gratificante e sempre nos surpreende a capacidade de manutenção da coloração viva dos vinhos Malbec pré-andinos, ainda mais após a passagem pelo carvalho, seguida de expressiva guarda (Estamos em 2012). No copo, evoluiu bem e parecia se fundir à comida, como se ambos tivessem sido gerados juntos, desde sempre. Em suas bordas, a taça mostrava aqueles “arcos da lapa”, como costumo chamar os resíduos viscosos da bebida, algum tempo após a movimentação e o pousio. Não consigo deixar de enxergar nesse corpo razoavelmente pronunciado de certos vinhos a figura mais representativa da paisagem antiga carioca. Agora, é descansar um pouco dessa viagem gaúcha-patagônica, prosseguir na revisão de meu livro e lembrar do festim.