terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Búzios – Dos anos Setenta à Praga dos Navios

          Do início a meados da década de 1970, realizei diversas viagens de mergulho a Búzios, no Litoral Norte Fluminense, juntamente com meu amigo Flávio Coutinho, para mergulhar em paraísos como a Enseada da Ferradura, Forno e Focas. Saíamos de Cabo Frio, onde ficávamos acampados, pegando um velho ônibus que, através de estradinhas poeirentas, nos largava no meio do nada, próximo a uma velha porteirinha de fazenda, lembro-me muito bem, cheia de espadas-de-são-jorge, aquelas plantinhas resistentes, que crescem em locais secos, tais como este “ponto de ônibus”. Pouca coisa se via, ao redor deste local, do qual caminhávamos um bocado, até chegarmos ao nosso objetivo tão desejado: A Enseada da Ferradura. Sim, este isolado ponto de ônibus dos anos setenta nada mais era do que aquele posto de gasolina que fica hoje situado no entroncamento entre a pista dupla do Centro de Búzios e a saída de quem retorna da Armação – Tudo isso hoje em meio à densa malha urbana do movimentado balneário.
          Não me arvoro de nenhum concorrente de Brigitte Bardot, na primazia da descoberta da Armação dos Búzios. Mas, já me sinto um tipo de Forrest Gump, aquele personagem do cinema, vivido por Tom Hanks, que passa quase imutável, através de momentos marcantes da história, sempre com a mesma cara, amealhando lendas de vida, para serem contadas. Bem, ao contrário do inesquecível Forrest, acabei amadurecendo um pouco – para não falar em velhice! – e minha figura mudou bastante, desde então. Mas, infelizmente, mudou Búzios também, sobremaneira. Naquela doce época, mergulhávamos o dia inteiro, nos belos costões da Ferradura e suas vizinhas, assávamos nossos badejos nas pedras, à sombra de magníficas árvores das matas que cercavam as deslumbrantes enseadas protegidas. Depois, caminhávamos na florestinha baixa e biodiversa das montanhas, de praia em praia, até chegarmos à Armação, onde aguardávamos a hora de pegar o ônibus, de volta a Cabo Frio. Sentados à beira do cais, espiávamos os peixes-agulha volteando nas águas transparentes, entre barquinhos que balançavam, ao sabor das marés.
          Como Forrest Gump, eu poderia agora simplesmente dizer: ...And that’s all I have to say about Búzios! Mas, não é tudo o que tenho a dizer sobre essa outrora aldeia dos sonhos, lançada aos olhos do Mundo, nos anos de 1960, pela também então estonteante Brigitte Bardot. Cresci e ela também. Coisa de uns dez anos depois, no começo dos anos de 1980, voltei a Búzios e me lancei alegre às águas da Ferradura, já então com muitas casas construídas, ao redor, com minha máscara e snorkel, pronto para rever meus badejos, marimbás e outros peixes, desta vez, sem a sanha de arpoá-los e devorá-los, mas tão somente para admirá-los. Lembram-se dos famigerados saquinhos de leite, que eram as embalagens utilizadas, há muitos anos, em vez das atuais caixinhas? Pois eram abundantes, debaixo d’água, no lugar de meus queridos peixes. Balouçavam nojentos, já meio esverdeados pelas algas, como bailarinas diabólicas e, o que era pior, em meio às águas já bem turvadas pelos esgotos e sedimentos do “progresso”da Armação dos Búzios.
          Ainda voltei a viver agradáveis momentos, em Búzios, bem diferentes daqueles dos 1970s, desta vez, embalado pela praia simplesmente, com muito frescobol e sol, junto com uma galera de bons amigos, entre os quais poderia destacar Carlos E. Viana Cardoso – Cadu – e o irmão Sérgio Burle Marx Smith, conhecido pelos demais como o Inglês. O centro das atenções era Geribá, ainda que derivássemos, com toda freqüência, para Tartaruga e, é claro, a minúscula e deslumbrante Azeda, com a Azedinha ao lado. Muitos namoros, paixões até, na Búzios dos 1980s. Chez Michou, Satyricon, Le Cheval Blanc... A noite passava a ser importante, nessa nova fase do Forrest Gump Tupiniquim. Mas, já percebíamos como a bucólica aldeia se ia transformando num turbilhão, numa mania que destruía suas matinhas tão singulares e sujava irreversivelmente suas belas praias.
          A mais destruidora onda que se poderia abater sobre a cidade – agora não mais uma aldeia – vem sendo os navios de cruzeiro que, no verão, aportam em dois a quatro por dia, desembarcando entre 3.000 e 5.000 pessoas na Orla Bardot. Um grande equívoco pseudo-desenvolvimentista, permitido por políticos inescrupulosos, que imaginavam nesta invasão descontrolada, que satura as ruas e a parca infra-estrutura de Búzios, um inigualável aporte de dinheiro para os cofres locais. Sim, isso ficou claro, na simples entrevista aos comerciantes da cidade, que se mostram decepcionados com o baixo nível de consumo dos navegantes da Classe C, que se divertem a valer, sem deixar de retornar aos barcos, onde têm suas refeições já incluídas nos pacotes turísticos. Além disso, o comércio tradicionalmente elitista de Búzios parece não agradar ao perfil desses visitantes, com suas grifes e marcas bem mais caras do que imaginavam os freqüentadores de shoppings da Barra da Tijuca ou Calçadão de Madureira.
          Mas, Búzios será sempre Búzios, com a Brigitte Bardot eternizada em bronze, assediada por milhares de turistas, todos os dias, em busca de uma foto para registrar o momento. Será decididamente difícil aniquilar por completo a beleza do lugar, por mais que seus políticos tentem, juntamente com empresários ávidos por lucros ignominiosos, fundamentados na sujeira e no fedor constante que os esgotos – ou sua ausência – infligiram ao lugar. Em visita à Velha Aldeia da Armação, coisa de uns dias atrás, descobri a solução para ter de volta um pouquinho da Búzios de outrora. Basta acordar cedo, descer do Morro do Humaitá e simplesmente caminhar pela Orla, dando um mergulhinho providencial na Azedinha, antes da chegada de dezenas de taxis aquáticos, que descarregarão mais tarde, multidões barulhentas que por lá deixarão seu lixo inevitável. Nesta hora, então, volta-se para o Alto do Humaitá, sur mer, de mãos dadas com Brigitte Bardot, cuidando para não passar perto de algum espelho, para não ver que o velho Forrest Gump mudou bastante, desde aqueles tempos, mas, apenas fisicamente. E... Isso é tudo o que tenho a dizer sobre Armação dos Búzios.


Acima - Vista do Alto do Humaitá, sobre a Enseada da Armação, em Búzios
Abaixo - Pescador chega com o resultado da madrugada, no Cais da Armação


Abaixo - O embate desigual das tradições de Búzios com a invasão dos cruzeiros, que aportam milhares de visitantes por dia, impactando a infra-estrutura local.


Um comentário:

  1. Adorei o seu texto. Moro em Buzios há oito anos e é tão bom conhecer o passado atraves de suas palavras ...

    ResponderExcluir