quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

AS ORIGENS DO TEMPLO FITOGEOGRÁFICO

          Quando comecei a postar na internet fotografias de meus jardins, em Petrópolis, adotei a denominação Jardins do Templo Fitogeográfico, mais por uma licença poética do que por qualquer pretensão de criar alguma seita religiosa ou coisa parecida. Mas, foi inevitável: Muitos de meus amigos e conhecidos ficaram intrigados – com razão, creio eu. Pensei que isso se tornara uma oportunidade de contar sobre essa coisa da Fitogeografia e o que teriam meus jardins, afinal, a ver com um templo.
          Desde garoto, sempre fui muito idealista. Nasci com alguns sonhos, tal como um computador, que já é fornecido com o que os iniciados chamam: Programas Nativos. Isso quer dizer, tanto no caso da informática, quanto em minha cacholinha, que essas coisas tinham vindo de fábrica e, como tal, não seria razoável mexer. Afinal, não eram sonhos de ambição e poder, propriamente ditos. Era a idealização da profissão; das tarefas a serem realizadas (em busca de um mundo melhor, pensava); a maneira como encarar o amor; meus dotes artísticos; e, muito ligado a tudo isso, como deveria ser o ambiente à minha volta.
          Essa coisa do ambiente acabou se transformando num mote generalizado, impulsionando a luta ambientalista, à qual acabei aderindo, por já estar nessa correnteza desde quando a enchente começou. Quanto aos outros sonhos, jamais os deixei apagar, muito pelo contrário, transformei-os em projetos, metas de vida, que venho cumprindo, uma a uma, ao longo dos 53 anos que já vivi. Essa coisa de “como deveria ser o ambiente à minha volta” acabou sintetizando um princípio fundamental para mim: VIVER BEM É MORAR BEM.
          Durante anos, habitei casas alugadas, o que emprestava caráter transitório a tudo que fazia. Mesmo assim, tratava com imenso respeito esses lugares, vivenciando-os como se fossem meus. Isso, claro, produziu bons tratos que seguramente fizeram felizes muitos senhorios, mas que resultavam repetidos desgastes em meus sonhos, dentre eles, aquele que se personificava numa de minhas mais antigas manias: Minha COLEÇÃO DE PLANTAS.
          “O menino que, aos dez anos, não revela interesse em colecionar qualquer cousa instrutiva não evidencia espírito de pesquisa e nem promete ser indivíduo muito útil à humanidade”. Essas palavras não são minhas, mas de Frederico Carlos Hoehne, um dos mais célebres naturalistas que o Brasil já teve, e abrem o prefácio de sua famosa obra: Iconografia de Orchidaceas do Brasil, editada em 1949, pela Secretaria de Agricultura de São Paulo, onde Hoehne produziu inestimável contribuição ao conhecimento da flora brasileira. Minha coleção de plantas – orquídeas, principalmente – iniciou-se por volta de 1972, na casa de meus pais, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Juntamente com meu amigo Flavio Coutinho Ferreira, interessei-me pelas florestas e pelas plantas tropicais. Improvisei um ripado, aos fundos da nossa casa e comecei a juntar minhas primeiras plantas.
          Nunca mais deixei de fazê-lo, tendo reiniciado diversas vezes, em função de “viagens de vida” que foram a faculdade (UFRRJ) e minha expressiva permanência no Mato Grosso, na década de 1980. Em cada coleção que empreendia, organizava mais minhas plantas, passando a conduzi-las como verdadeiros bancos de espécies, com diversas origens. Depois de ter passado pela presidência da Sociedade Brasileira de Bromélias-SBBr, no início dos anos de 2000, minha coleção se transformou definitivamente numa ferramenta de ciência, mostrando que Hoehne não estava errado, afinal.
          Enquanto presidi a SBBr, estreitei meus laços ainda mais com o mundo científico, através das conversas e de meu aprendizado com cientistas de peso, que colaboravam nas ações da entidade: Rafaela Forzza, que hoje coordena o Herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro; Gustavo Martinelli, da mesma instituição, que coordena a lista das espécies da flora brasileira; além de pesquisadores de outras instituições ou para-institucionais que, assim como eu, davam seus esforços para o conhecimento e conservação das bromélias: Elton Leme, Ivo Penna, Luiz Felipe Nevares de Carvalho, Miriam Mendonça, Maria Esmeralda Demattê;  foram alguns desses nomes inspiradores.
          Minha coleção, desde então, tem contribuído com novidades e preciosas informações para a ciência: Espécies novas; dados ecológicos e geográficos; cultivares etc. Mais à frente, quando tratar especificamente dessa coleção, entrarei em detalhes sobre ela. A razão maior do texto de hoje é mesmo explicar como nasceu o Templo Fitogeográfico e o que essa coleção tem a ver com ele.
          Ocorre que, em 2009, comecei a dar vida, finalmente, ao projeto da MINHA CASA, deixando para trás a fase das contínuas mudanças de endereço... Meu e da COLEÇÃO DE PLANTAS! Meu grande amigo Arquiteto Pedro Quintanilha concebeu o projeto da casa e contribuiu muito para o equacionamento da ocupação do terreno. Não era uma mansão, mas nasceria com DNA caprichado: Enviei ao Pedro meus desenhos, aqueles que ilustravam o sonho de como seria o AMBIENTE dessa casa, produzindo, deste modo, a indivisível hibridação daquilo que eu pensava com o que um Arquiteto competente como ele seria capaz de transformar num projeto de verdade.
          Mergulhei fundo nesta realização e dediquei os seis últimos meses do período das obras à execução dos jardins... Os Jardins do Templo Fitogeográfico. Quero lembrar a muitos que me conhecem pouco que sou paisagista e, durante muitos anos, dediquei-me tornar realidade os sonhos jardinoculturais dos outros. Era chegada a minha vez! Com a ajuda de alguns funcionários, plantei as plantas da coleção diretamente em jardins projetados especificamente para abrigá-las. A partir de meus conhecimentos e experiências sobre os habitats dessas plantas, que eu visitara, Brasil afora, conseguimos dar vida a réplicas de algumas dessas paisagens botânicas, onde essas plantas cresciam, nos diversos ecossistemas do país.
          A essas alturas, eu já me encontrava imerso nos estudos e na organização do livro que venho preparando, desde 2006, que tem como tema exatamente a Fitogeografia. Por que existem algumas vegetações do Brasil e de países vizinhos? Como elas surgiram? Como elas são? Esses assuntos se transformaram na trilha de minha vida, nos recentes seis anos. Não haveria como enxergar os jardins de minha casa, assim como a coleção de plantas que neles encontrara abrigo definitivo, como algo diferente do que um aprendizado, uma contínua reflexão sobre tudo que venho tentando desvendar, nas paisagens do Brasil. Da janela de meu escritório, observo como orquídeas e bromélias se desenvolvem, em meio a massas de arbustos e arvoretas de nossa flora. Ao percorrer diariamente a floresta que replantei, aos fundos da casa, sobre uma encosta árida, desvendo relações entre as plantas nativas da coleção – que ali também estão – e suas árvores-suporte ou sobre os diversos substratos que a mata oferece.
          Enquanto escrevo e reviso meus textos, durante horas a fio, aprendo mais com as plantas, que me dão lições sobre sua ecologia. Princípios e hipóteses que estudo ou formulo são testados ali mesmo, na frente de minha janela, nos fundos de minha casa. Eis aí a origem dos Jardins do Templo Fitogeográfico: Fruto de sonhos inatos e vocações compreendidas; Inspirados nos naturalistas como Hoehne; Direcionados ao aprendizado e à reflexão, além da contemplação mais lúdica, é claro.


Acima: Da janela de minha cozinha, tem-se esta vista do Jardim que chamei de Jardins do Templo Fitogeográfico
Abaixo: A fonte foi projetada especialmente para que os pássaros viessem se banhar. Deu certo! Há filas diárias, entre saíras diversas, sabiás, tico-ticos, coleiros e uma infinidade de outras aves nativas. Quem realmente manda por ali é o João de Barro.



Abaixo: A fonte vista para a direção sudoeste. Dá para observar que inúmeras espécies se alojam em espaços únicos, que foram minuciosamente estudados para reproduzir seus habitats naturais

Abaixo: A casa é totalmente extrovertida, tirando partido do estilo de vida praticado em nosso condomínio.






Acima: As plantas surgem até nas calçadas do condomínio e são diariamente visitadas por vizinhos, que adoram vê-las em flor, como é o caso dessas bromélias Alcantarea vinicolor
Abaixo: A escadaria de pedra, que serve também como banco, é local que convida a sentar e se entreter com as plantas e as aves do Templo Fitogeográfico






Acima: Uma Neoregelia cruenta "variegata" que me foi presenteada por Pedro Nahoum, divide espaço com a marcgraviácea Norantea brasiliensis, planta que abundava nas restingas cariocas, até serem definitivamente transformadas em edifícios e shopping-centers
Abaixo: Em primeiro plano, Neoregelia sp. de Mangaratiba (RJ), sucedida por outra forma de Neoregelia cruenta "variegata" e Norantea brasiliensis. Notar Encyclia oncidioides - sem flores - entre as norantéas.



domingo, 5 de fevereiro de 2012

EVENTOS ENO-GASTRONÔMICOS DE SUPREMA IMPORTÂNCIA 2 - CONTRA-FILÉ ARGENTINO E TANNAT URUGUAIO

          Manhã de sol simplesmente deslumbrante, em Petrópolis. No período entre os dias 15 de janeiro e 15 de fevereiro de cada ano, nossa região experimenta quase invariavelmente seu veranico. Ele pode ter uma semana ou até mesmo, nos casos mais extremos, ocupar um mês inteiro, o que não vem acontecendo este ano. Sol e céu azul são tudo o que você verá, durante esses dias. Sorte nossa que Itaipava tem um dos melhores climas do país e, assim, não deixa de bater uma brisa leve e agradável, que nos transporta a paisagens já vistas, na Argentina ou no Uruguai. Do Uruguai veio o vinho que abrimos hoje – Don Pascual Tannat reserva, safra 2011.
          Da grelha, saltaram uns bifões de contra-filé argentino, emoldurados com uma capa de gordura incorruptivelmente branca, cortados com três dedos de largura. Procedência: Província de Buenos Ayres. Não tem muito segredo, a não ser ficar ali, muito atento, cuidando dos petiscos, de forma a assá-los baixo, num braseiro alucinadamente quente, começando pelo lado da gordura (eles se equilibram sobre ela, por conta de sua espessura, digamos assim, exagerada). Desculpem-me os criadores de gado zebuíno, de cuja raça detemos hoje o maior rebanho do Planeta, mas nada poderá rivalizar com a carne do Cone Sul, produzida a partir de raças européias.
          Na mesa, o vinho uruguaio! Primeira surpresa foi a rolha que, poucos minutos após destampada, exibia coloração exatamente idêntica àquela que muitos de nós conhecemos, nos bons tempos: Picolé de uva, em pleno verão da praia de Ipanema. Sim, falo daquele “uvita” ou “ki-uva”, que imaginávamos artificial, devido àquela cor violeta profunda e homogênea. Pois ali estava ela, a cor UVITA, na pontinha da rolha, prometendo sensações originais. E elas vieram, a começar pelos primeiros aromas testados no copo, entre o vai e vem cozinha-churrasqueira; churrasqueira-cozinha. Eram densos e prolongados, mesmo com a taça ainda quieta.
          A primeira degustação foi prazerosa e se fez acompanhar de intensa liberação de aromas de frutas. Claro, um vinho novo como esse poderia não ser lá tudo de bom, deixando sobressair a fruta... mas foi! Enquanto enfrentávamos os gordos nacos do contra-filé dos hermanos (delicioso, mas ainda creio mais nos gaúchos), descobríamos evolução excepcional no vinho do Establecimiento Juanicó. Taninos fortes cortavam feito faca no churrasco, enquanto o corpo se pronunciava vagarosamente. Não chegou ao corpo dos Malbec justa-andinos, mas permaneceu razoavelmente na boca. A coloração dos vinhos jovens é deliciosamente plástica e alegra a bebida.
          Os bons vinhos da região próxima a Montevideo se devem ao encontro do clima temperado do Prata e aos solos herdados da longa degradação dos granitos-rosa, cujos velhos matacões ainda podem ser divisados na paisagem, quando se cruza a Ruta no05, a caminho de Rivera. Fica a dica da aventura eno-gastronômica deste domingo: Vinhos uruguaios SIM. Do que se faz por lá, não posso negar, minha grande preferência é pela variedade Tannat, que alguns poderão chamar de Harriague. Novos como o nosso de hoje ou remontando à safra lendária de 2002, eles sempre surpreenderão. Mas, de qualquer forma priorizo os Reserva, que ganham forma, ao passar pelo carvalho.