sexta-feira, 30 de setembro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – BRAÚNA E OS OURIÇOS

flores de Melanoxylon brauna

Quase todos aqueles que já andaram por fazendas e sítios, no Rio de Janeiro e demais estados do Sudeste, escutaram falar nas célebres cercas feitas com lascas de braúna: esteios de madeira dita imputrescível, de coloração escura, outrora abundante, nos domínios da Floresta Atlântica. Hoje, não são mais encontrados, por estarem essas árvores, ao menos aquelas de porte madeirífero, praticamente extintas na natureza. Foram exploradas à exaustão, na esteira da abertura das pastagens, desde o Século XIX, processo que arrasou florestas, além da busca seletiva pela madeira de lei, naquelas que ainda ficaram de pé.

Os esteios de braúna ainda são encontrados, em velhas cercas, até hoje, atestando sua dureza e persistência. Mas, nos dias atuais, utiliza-se, principalmente, a madeira do eucalipto tratado, muito dura também, embora sem rivalizar com a braúna. Extensos reflorestamentos da madeira australiana são capazes de suprir a demanda por este tipo de material, com muito mais eficiência que a nobre árvore nativa brasileira.

Melanoxylon brauna é a identidade botânica da braúna, que pertence à grande família das fabáceas (antigas leguminosas) e ainda existe, de forma abundante, mesmo nas florestas regenerativas, como é o caso daquela que recuperamos, aqui, no Jardim Fitogeográfico (ver postagem - http://orlandograeff.blogspot.com.br/2016/09/quesnelia-arvensis-bromelia-da-floresta.html ). Mas, antes que você pense que estamos em contradição, por reputá-la extinta, algumas linhas atrás, deixe-me explicar: assim como os jacarandás-da-bahia, caviúnas e perobas-de-campos, outras espécies nobres de nossa flora, as braúnas ainda existem, porém, na forma de árvores jovens, muito ramificadas e sem potencial de exploração madeireira. Ou seja, a espécie não está extinta; mas o patrimônio madeireiro sim!

Esta é a situação de uma planta desta espécie, que vive na floresta do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, que representava delgada arvoreta, em 2008, quando foi iniciada a recuperação da capoeira abandonada, tendo se desenvolvido esplendidamente, desde então, atingindo mais de dez metros de altura, nos dias de hoje. Nossa braúna vem se ramificando bastante, espalhando-se e cobrindo boa área de sub-bosque, que vai igualmente se modificando, mercê de sua sombra.



Acima - nossa braúna, em 2008, quando começamos a reflorestar o JARDIM FITOGEOGRÁFICO
Abaixo - a mesma árvore, atualmente, abrigando algumas de nossas orquídeas e bromélias, em seu tronco



Em nossa braúna, vivem diversas bromélias e orquídeas, todas elas cultivadas por nós, em seu tronco, cuja casca é bastante áspera e tolerante a esta função. Como típica árvore decídua (que perde as folhas, anualmente) da Floresta Estacional Decidual do Vale do Paraíba, da qual é espécie característica, Melanoxylon brauna  começa a produzir novas folhas nesta época de primavera, quando aparecem suas pequenas flores amarelas. Essas flores são muito palatáveis ao ouriço-cacheiro (Coendu vilosus), aquele roedor tranquilo, mas cujos pelos se armam de perigosos espinhos, com que nossos cães insistem em encher a boca, levando-nos a procurar o serviço veterinário de urgência, nas horas e dias mais impróprios.


Acima - ouriço-cacheiro, nos galhos de nossa braúna e - Abaixo - devorando avidamente as flores da árvore


quinta-feira, 29 de setembro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – VRIESEA RUBYAE



Vriesea rubyae

A seção petropolitana da Serra dos Órgãos é um dos mais notáveis centros de endemismo do mundo, abrigando populações extremamente restritas de plantas. Cada segmento de disjunções do maciço possui flora quase distinta, ao menos no que tange essas espécies raras de orquídeas, bromélias e outras famílias botânicas de nota.

Desde o Século XIX, naturalistas e coletores de outros países se embrenharam nas florestas da região, em busca de novidades, fosse pelo puro amor à ciência, fosse de olho nos lucros que essas plantas rendiam, nos mercados europeus. No Século XX, esses “mercados” se espalharam da Europa, para todo o planeta, gerando a cobiça de colecionadores, em todas as partes do globo, por nossas raridades. Bromélias ganharam moda, na segunda metade do século que passou, embora sempre tivessem sido procuradas, em nossa flora.

Com essa febre bromeliófila, surgiu um intenso mercado clandestino, que não se restringia aos lugares obscuros das cidades, mas também agitava as margens de movimentadas rodovias, como a BR040, em seu trecho compreendido entre o Rio e Petrópolis. Diversos vendedores ambulantes exibiam plantas, na beira da estrada, que eram vendidas a preços vis e, por vezes, se tratavam de espécies ainda não descritas pela ciência. Veja a postagem de 09 dejaneiro de 2013, que trata do assunto - http://orlandograeff.blogspot.com.br/2013/01/e-se-todos-fizessem-isso-coleta-ou.html

Dessa forma, apareceu Vriesea rubyae, descrita pelo célebre Edmundo Pereira. A bromélia foi descrita a partir de exemplares coletados em Petrópolis, local onde ocorre, de forma restrita.
Vriesea rubyae apresenta arquitetura singular em suas inflorescências, que são recurvadas para baixo, dando a falsa impressão, numa olhada rápida, de que estejam murchas, embora sejam rijas e bem estruturadas para emitir flores, exatamente nessa posição única. As brácteas são vermelhas e brilhantes, com matizes amarelo-alaranjados, coloração bastante usual, nas bromélias da região. Forma densas touceiras pendentes, através de estolões, apesar de ser planta bastante lenta, em seu crescimento.

Proveniente dessas plantas que circularam, nas décadas finais do Século XX, os exemplares da coleção vivem hoje afixados nas árvores da floresta recuperada do Jardim Fitogeográfico, de forma similar às suas parentes silvestres, que não moram longe. Dados de campo dão conta de sua ocorrência, de forma litofítica, ou seja, rupícola – crescendo diretamente sobre a rocha, modo que nunca nos foi dado observar.

Acima – exemplares de Vriesea rubyae florescem no Jardim Fitogeográfico

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – CATTLEYA FORBESII


orquídea Cattleya forbesii

No início da primavera, florescem as orquídeas outrora conhecidas como “cocktail-orchids”, que são as bifoliadas mais numerosas das florestas litorâneas do Sudeste e de parte do Sul: Cattleya forbesii. Não são vistosas e decorativas como Cattleya intermedia, que iniciou esta série de postagens das plantas do Jardim Fitogeográfico (ver -http://orlandograeff.blogspot.com.br/2016/09/plantas-do-jardim-fitogeografico.html ). Mas, sua rusticidade e plasticidade de habitats é inigualável.

Cattleya forbesii abunda nas matas de baixada litorânea do Litoral Sul do Rio de Janeiro, na Costa Verde, tanto quanto nas restingas arenosas e topos de blocos de rocha, quase na linha das marés, na Ilha Grande; ou nas florestas perúmidas alagáveis do litoral do Paraná (ver postagem das Expedições Fitogeográficas - http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2016/01/rppn-do-salto-morato-guaraquecaba.html). Formam touceiras avantajadas, mas também ocorrem isoladas, em galhos moribundos, em meio às pastagens.


No Jardim Fitogeográfico, esta simpática orquídea se ambientou esplendidamente, nos troncos e galhos das árvores da floresta recuperada, prometendo rápida dispersão, pelas matas vizinhas. Estamos torcendo por isso.

floresta de baixada litorânea, na RPPN Salto Morato, em Guaraqueçaba, no Paraná

domingo, 25 de setembro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – AECHMEA TOCANTINA


Inflorescência de Aechmea tocantina

Caminhando pelas florestas ciliares do rio das Mortes, em Mato Grosso, em meio às áreas protegidas da Reserva Natural da Fazenda Ipanema, em Primavera do Leste, você poderá se surpreender com uma medusa espinhenta, elevada a uns dois metros do solo, cujos cabelos não são exatamente serpentes, mas que surgem arrepiados, para todos os lados, sendo até mesmo difícil definir de onde partem, tamanho caos se apresenta. São as inúmeras rosetas foliares da bromélia Aechmea tocantina, que tomam conta do espaço originado por algumas forquilhas de uma arvoreta, espetada sobre uma discreta elevação do solo, em meio ao terreno alagadiço.

Essa bromélia agressiva possui rosetas tubulares e alongadas, com notável divergência entre o tamanho de suas folhas; algumas terminando de forma abrupta; outras se alongando e dobrando pendentes. O conjunto é guarnecido por densa cadeia de espinhos, que lhe valem boa defesa contra os inúmeros herbívoros de porte avantajado, que pastejam ao redor: veados, antas e até mesmo vacas desgarradas. Essas rosetas se dispersam no espaço, cada uma numa direção, emprestando aquele aspecto poético de medusa, de que falamos atrás.

Suas inflorescências são até discretas e pouco emergem do centro dessas longas e agressivas rosetas. Nesta época do ano, são mais comuns, embora surjam ocasionalmente, fora de época, como é hábito fenológico de diversas bromélias do Centro-Oeste. Dividem o ecossistema com pelo menos outras duas importantes bromélias epifíticas do gênero: Aechmea setigera e A. bromeliifolia, que ocupam posições diferentes, nas árvores-suporte.

Aechmea tocantina ocorre também na Floresta Amazônica e noutras formações abertas de Goiás e Tocantins (onde foi coletada a planta-tipo). Na expedição ao Salto Augusto, na divisa entre Mato Grosso e Amazonas, em 1998, encontramos grandes populações de Aechmea tocantina, vegetando diretamente sobre as rochas quentes e ensolaradas da monumental cachoeira, tendo elas adquirido tonalidade vinácea, para se defender daquelas duras condições amazônicas.


No Jardim Fitogeográfico, Aechmea tocantina vive sobre os galhos de um cróton (Croton cf. floribundus – família Euphorbiaceae), árvore de índole decídua, como muitas das hospedeiras naturais desta bromélia.


ilustração do autor, retratando o hábito geral de Aechmea tocantina

OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS? SOPRADORES DE FOLHAS VIRAM OBJETIVO PRINCIPAL, NOS JARDINS


Você já viu a figura do "prestador de serviços de jardinagem" moderno? Descolado, soprador nas costas e nenhuma, mas nenhuma habilidade com plantas!!



Quando era garoto, no auge dos anos de chumbo dos governos militares, acostumei-me a escutar meus amigos, ou alguns professores de esquerda (sim eles sempre existiram) dizer: “os fins justificam os meios”. Normalmente, esses exaltados “guerrilheiros de bancos acadêmicos” se referiam a determinados regimes políticos, em voga naqueles tempos, nos quais horrendas carnificinas se justificavam por suposto objetivo de “libertar os povos”, ou até mesmo de levarem a um suposto estado de bem estar social, a ser atingido, dali a algum tempo, onde “todos viveriam felizes, com a comida no prato, saúde, segurança etc.”

Embora não seja este o assunto desta postagem, nem preciso dizer aonde levou aquele “belo ideal”, que, aliás, andou meio em destaque, ou melhor, ainda anda, aqui na nossa América Tropical. Evidentemente, todas aquelas vidas foram perdidas em vão; toda aquela brutalidade, enaltecida como “solução” pelos arautos da extrema esquerda foi inútil. Ainda durante o Século XX, bem lá no começo, outras terríveis barbaridades foram cometidas, também com essa curiosa justificativa de que levariam a “nobres objetivos”, tais como a criação de uma humanidade racialmente pura, o que seria imensamente vantajoso.

Tomei emprestado um pouco de nossa história humana recente, apenas para verificar como o ser humano, em nome de finalidades utópicas e inatingíveis, costuma se apegar aos meios que imagina servirem a tal, quase sempre sucumbindo a eles, ou neles paralisando, sem jamais sequer chegar próximo aos tais FINS. Ou será que esses FINS, esses OBJETIVOS seriam realmente vantajosos? Bem, para concluir, com relação aos grandes temas históricos, bastaríamos fazer as perguntas certas: Será que realmente existiria um estado possível, na sociedade, em que todos fossem iguais, em que comessem as mesmas comidas, pensassem e falassem as mesmas coisas e, principalmente, que venerassem um mesmo líder? Será que a eugenia, ou seja, um conjunto idêntico de genes, numa população, seria vantajoso para o homem? Imaginem só todos sendo idênticos, por mais belos e inteligentes que fôssemos. Tremenda bobagem, não é?

Pois bem, devo agora usar este argumento contraditório, para expor um fenômeno tão mais prosaico, mas que mostra aspecto igualmente decepcionante, entre meus pares, meus semelhantes, não assim tão semelhantes, que é a mania de buscar paisagens urbanas assépticas, “limpas”, homogêneas e pasteurizadas. Todos querem ao seu redor imensos gramados idílicos e britânicos, ou até “melhor”: todos sonham com imensas áreas calçadas, pintadas e destituídas de “sujeiras”, entendendo-se como tais quaisquer folhas secas, galhos ou plantinhas “invasoras”, que, por ventura, tenham a audácia de brotar, nas frestas do cimento duro.

Será que esse é um ideal a ser perseguido, no paisagismo? Será isso vantajoso para o ser humano? Nada de moscas, mosquitos, aranhas, passarinhos, ouriços-cacheiros e outras “coisas inúteis e asquerosas”, que deus nem deveria ter criado? Ah, espere aí, desculpem: esquilinhos bonitinhos, coelhinhos peludos e outras coisas “fofas” são desejáveis, mesmo que ninguém imagine que viverão, em nossos bairros, sem toda a restante cadeia de vida que os suporta: OS ECOSSISTEMAS! Ok, se você pensa desta forma, nada a fazer. Pode parar a leitura e passar a outra postagem qualquer. Mas, se você é um desses que gosta de ver as fotos de plantas e paisagens que costumo veicular, em meus perfis da internet; ou aprecia as coisas que escrevo sobre a natureza tropical, em meus livros, então passemos à reflexão seguinte.

É claro que não existe a possibilidade de dar certo um suposto ambiente urbano ou periurbano, no qual se utilizem métodos assépticos e radicais, para o ordenamento e limpeza. Não temos dúvidas: ninguém deseja passear ou caminhar em ruas imundas, repletas de lixo, de qualquer natureza. Certamente, isso não corresponde ao ideal a ser perseguido e eu jamais defenderia condições de abandono às nossa ruas e parques, sequer aos quintais de nossas casas. Mas, o que dizer do COMPLETO ESQUECIMENTO DOS OBJETIVOS PAISAGÍSTICOS, QUE JUSTIFICAM NOSSAS METAS DE MANUTENÇÃO? Pois é bem isso o que ora ocorre e vou utilizar meu próprio condomínio, onde moro e mantenho meu Jardim Fitogeográfico, como estudo de caso, para que entendam minha total aversão ao ambiente criado.


Sequência de imagens de nossa casa, onde fica o Jardim Fitogeográfico, desde sua construção
A FINALIDADE SEMPRE FOI A NATUREZA

2008

2013

2016


Meu condomínio está situado num belo conjunto de montanhas da Serra dos Órgãos, em Petrópolis, num de seus setores de maior biodiversidade natural. A reserva florestal do nosso “bairro” foi transformada em RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural), justamente por abrigar vegetações ameaçadas e, o que é ainda mais esplêndido, por proteger ao menos duas espécies criticamente em perigo de nossa flora: a minúscula bromélia litofítica Tillandsia grazielae; e a belíssima e singular amarilidácea Worsleya procera, conhecida como rabo-de-galo, mundialmente famosa, por sua arquitetura foliar única e suas esplêndidas flores violeta. Ele foi criado com todo cuidado, para que seu mapa de ocupação dos “lotes” não ferisse demasiadamente a paisagem e para que se visse interpenetrado por valiosos fragmentos de vegetação florestal nativa – Mata Atlântica.


Então, você imaginaria que as pessoas que procuram este lugar para morar, ou veranear, procuram exatamente este tipo de paisagem: florestas, árvores, ambientes ajardinados e biodiversos. Só que não! Na verdade, o que vem imperando, lamentavelmente, é justamente a estranha obsessão pela limpeza asséptica, a varrição absoluta de todo e qualquer “resíduo” produzido por esta natureza pródiga, que justificou, um dia, a implantação do condomínio. Certamente, isso é um equívoco e talvez essas pessoas mal saibam que estão cometendo tamanho exagero. Afinal, todos habitualmente estufam o peito, ao propagandear o condomínio que escolheram para sua “casa de campo” (termo sintomático): muita natureza, muito verde!

Claro que existe uma dramática defasagem entre o que os condôminos idealizam como “muita natureza” e aquilo que entendem como um ambiente limpo e organizado. Essa defasagem, infelizmente, reside na passiva rendição desses proprietários ao império dos prestadores de serviços (condomínio incluso), que “trabalham duro” para pôr em ordem as ruas e jardins. Assim, a imagem que lhes domina o imaginário é de um “exército de funcionários” atacando o inimigo maior, que é a “sujeira”. Mas, que sujeira é essa? Folhas secas? Algumas poucas folhas secas, caídas das árvores? Toda a força do condomínio e dos prestadores de serviços, então, se concentra em passar os dias inteiros manejando ruidosos sopradores de folhas, movidos a gasolina e óleo dois tempos – sim, aquele barulho de moto sem escapamento, que atormenta as ruas – para que não fique uma folhinha sequer sobre o chão, quando chegarem os veranistas.

Definitivamente transformados em manipuladores dessas máquinas infernais, coisa que parece enchê-los de orgulho, os outrora jardineiros se ocupam quase que exclusivamente de soprar, soprar, soprar e soprar, durante toda a semana, todos os dias, de manhã à noite. Afinal, jardinagem é para os fracos, devem pensar: ficar ali agachados, plantando e mantendo belas plantas, em jardins verdejantes, que dispensariam os tais sopradores, é coisa do passado, quando não havia tecnologia. Acomodado, o condomínio se acostumou com essa tarefa quase industrial, transformando-a num tipo de “orgulho institucional”, como se fosse uma moderna fazenda, na qual roncam os motores progressistas dos tratores. OS MEIOS OBSCURECEM OS FINS, numa inversão de objetivos totalmente danosa.

O triste resultado dessa priorização dos meios sobre os fins é que, tanto quanto nas medonhas passagens históricas e políticas citadas ao início do texto, esses fins jamais são atingidos, até porque não são atingíveis. Assim, em vez de passear nas ruas lindamente verdejantes, entre belas árvores, coletando frutinhos e flores no chão e observando centenas de pássaros a cantar, pulando de um galho a outro, tudo que se consegue, nos finais de semana – e somente neles – é caminhar sob sol escaldante, em ruas áridas e rigorosamente varridas, por entre rudimentos do que um dia foram gramados ou canteiros decadentes, que expõem o solo ressecado e estéril. Claro, aquilo que seria a tão valiosa matéria orgânica, que ajudaria a adubar os solos, foi radicalmente varrido pelos potentes e barulhentos sopradores, resultando naquela terra dura, compactada e desbotada.

ACIMA - Nossa rua, em 2008, antes de ser implantado o JARDIM FITOGEOGRÁFICO

ACIMA - O mesmo lugar, em 2014, com a coleção de plantas em pleno desenvolvimento

ACIMA - O Jardim Fitogeográfico HOJE, sopradores de folhas mantidos LONGE

Paralelamente, obcecados pela limpeza, nossos (ex)jardineiros-operadores-de-sopradores esqueceram de cultivar, de plantar, de adubar, cuidar dos jardins do condomínio. Com isso, cada vez mais, serão necessários mais e mais sopradores, nas mãos de mais e mais operadores-de-sopradores, e o mal se retroalimenta, fortalecendo os meios e esquecendo os fins. Talvez, um dia desses,  resolvamos asfaltar o condomínio e acabar de vez com suas árvores e florestas, para tornar mais “limpas” suas ruas e para que o vento empoeirado dos sopradores não mais encontre atrito nas anfractuosidades das pedras, dos paralelepípedos ou dos “matos sujos”. Tudo será tão mais fácil, então. Fico imaginando a razão para que alguém saia da cidade grande, para vir ao “império da Mata Atlântica” e das montanhas.

Mas, é bom que os leitores saibam: aqui no Jardim Fitogeográfico SOPRADOR NÃO ENTRA! Nossa matéria orgânica é TODA reprocessada e compostada (ver - http://orlandograeff.blogspot.com.br/2011/04/reciclagem-e-desenvolvimento.html), para utilização como adubo, na floresta recuperada e nos jardins de plantas raras. Sem a barulhada infernal, que infelizmente nos atormenta, vinda das demais áreas, os pássaros encontram refúgio e cantam, cantam, cantam... Nidificam, também!


AQUI, NO JARDIM FITOGEOGRÁFICO, OS MEIOS SERVEM AOS FINS! Se a finalidade é a natureza, vamos respeitá-la! E, com ela, nossos ouvidos, nossos olhos e nossos pulmões, que óleo dois tempos e gasolina fedem à bessa!

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – ANANAS ANANASSOIDES


Ananas ananassoides - em flores

Quem conhece o Cerrado conhece bem essa planta – ananás, ou abacaxi-do-mato – que é uma bromélia, parente bastante próxima do abacaxi comum. Seu nome é Ananas ananassoides e ocorre em praticamente todo o perímetro do Cerrado. Pode-se dizer que é uma planta indicadora deste Bioma, embora estenda sua ocorrência por outros domínios de natureza: Pantanal, partes da Caatinga e até Chaco.

Na Reserva Particular da Fazenda Ipanema, em Primavera do Leste, estado do Mato Grosso, projeto ligado ao Jardim Fitogeográfico, Ananas ananassoides está presente, nos bem conservados fragmentos de cerrado stricto sensu. No ambiente natural, seus frutos perfumados atraem animais diversos, que devoram a polpa e largam a coroa de folhas, distante da planta-mãe, promovendo assim sua dispersão vegetativa. Esse fenômeno também ocorre nas plantas de ananás do Jardim Fitogeográfico, onde a planta ocupa setor mais seco da floresta recuperada (ver - http://orlandograeff.blogspot.com.br/2016/09/quesnelia-arvensis-bromelia-da-floresta.html).


Os exemplares da coleção vieram de Humaitá, no Amazonas, enviados pelo nosso colaborador Sérgio Basso, há muitos anos, que os encontrou perto de valetas de drenagem agrícola e os remeteu, para cultivo e identificação. Você poderá encontrá-los em flores, ou frutos, em diversas épocas do ano. Mas, no final do inverno e início da primavera, eles são particularmente comuns.

Ananas ananassoides, no cerrado de Serranópolis, em Goiás

sábado, 24 de setembro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – VRIESEA INFLATA

Vriesea inflata

Nos anos 1990, durante o boom que consagrou as bromélias como as plantas mais desejadas, no Brasil, imensa quantidade de plantas foi extraída da natureza, para abastecer o mercado florescente de ornamentais. Algumas plantas extraídas da Floresta Atlântica ficaram famosas, ao serem massivamente oferecidas, nas margens das estradas, destaque para a subida da Serra de Petrópolis, no Rio de Janeiro. Vriesea inflata era uma delas.

Conhecida vulgarmente como “bromélia-peixinho”, em virtude do curioso formato de suas inflorescências vistosas, Vriesea inflata era encontrada por todos os cantos, nas residências dos veranistas, ou de quem viajava entre o Rio de Janeiro e a Cidade Imperial. O epíteto de seu nome “INFLATA” diz respeito exatamente a esta forma singular da inflorescência: o conjunto de brácteas superpostas umas às outras, ao longo da haste, que formam compartimento inflado. Pressionada sob os dedos, essa inflorescência cede gentilmente, como um balão de borracha.

Vriesea inflata deixou de ser coletada pelos mateiros, na esteira da desejável chegada ao mercado das mais lindas bromélias cultivadas, que apresentavam melhores condições fitossanitárias e cores mais vistosas, além do preço bem mais competitivo. É assim que se combate a coleta criminosa de plantas: fornecendo ao mercado mercadorias confiáveis e belas, a preços razoáveis.


Ela habita os locais mais úmidos das íngremes encostas da Serra do Mar, em grandes altitudes. Provenientes de apreensões realizadas pelo extinto IEF (Instituto Estadual de Florestas do RJ), alguns exemplares vieram dar à coleção, naquela década, sendo hoje mantidas nas árvores do Jardim Fitogeográficos, muito próximo à sua área natural de ocorrência. A tendência é que se multipliquem por aí e repovoem as florestas próximas.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – HYPTIDENDRON ASPERRIMUM



Hyptidendron asperrimum

A floresta do Jardim Fitogeográfico foi quase inteiramente reflorestada, pois pouco mais havia, em 2007, quando viemos residir no local, do que capim-braquiária, taquaras e algumas poucas arvoretas mirradas. Sobre este reflorestamento, falamos anteriormente, na postagem de 16 de setembro de 2016: http://orlandograeff.blogspot.com.br/2016/09/quesnelia-arvensis-bromelia-da-floresta.html . Bem, dentre essas “arvoretas mirradas”, havia algumas espécies interessantes, que ganharam viço, durante o trabalho de regeneração da floresta. Hyptidendron asperrimum (família Lamiaceae) era uma delas.

Trata-se de uma arvoreta característica das matinhas de encosta de altitude da Serra dos Órgãos, em sua vertente interiorana, onde predomina o clima estacionalmente seco de inverno. Ocorre em outras partes do Sudeste e até mesmo no Mato Grosso. Nos domínios das escarpas e vertentes voltadas ao Vale do Paraíba, costumam ocupar bases de paredões de pedra, ou florestas baixas dos topos de morros, onde os solos são fracos e muito drenados, situação mais ou menos do local onde estamos.

Hyptidendron asperrimum produz flores violeta, que surgem principalmente nesta época do ano – final de inverno a início de primavera. Junto com elas, vêm os pintassilgos (Carduelis magellanica), que são minúsculas joias cantarolantes, amarelo-ouro, matizadas de negro, que cantam maviosamente, enquanto forrageiam nessas flores, ocasionando lindo contraste.


É uma arvoreta baixa, de seus cinco metros, pouco mais, com tronco recoberto por espessa casca suberosa, como o são muitas árvores deste tipo de floresta. Por isso, presta-se razoavelmente bem para algumas bromélias, que foram afixadas nos troncos de alguns exemplares do Jardim Fitogeográfico. Plantas dos gêneros Vriesea, Aechmea e Quesnelia se deram bem neste tipo de suporte, embora exista risco de desplacamento ocasional, coisa usual em plantas de climas estacionais. 

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – A ORQUÍDEA EPIDENDRUM XANTHINUM


Epidendrum xanthinum


No setor de ambientes abertos do Jardim Fitogeográfico ( http://orlandograeff.blogspot.com.br/2012/02/as-origens-do-templo-fitogeografico.html), onde estão as espécies de campos rupestres, restingas e campos de altitude, uma planta vem se adaptando esplendidamente, chegando a formar grande touceiras, que florescem todos os anos: a orquídea Epidendrum xanthinum. Ela floresce principalmente nesta época do ano – entre final de inverno e início de primavera, embora seja rara uma época em que não mostra ao menos algumas flores.

O nome epíteto xanthinum diz respeito à sua coloração predominantemente amarela, podendo apresentar tonalidades douradas, até um pouco alaranjada. Ela pertence a um grupo de orquídeas bastante complexo em sua taxonomia, o que advém de sua morfologia extremamente convergente: é a aliança de Epidendrum secundum, cuja espécie mais famosa, que tipifica este grupo, comum em cultivo e nas paisagens de margens de estradas, exibe coloração rosada.

São plantas de crescimento ereto, aparentemente monopodial (que cresce apenas num eixo), embora ramifique intensamente, de forma lateral, o que termina por originar densas touceiras. Como é comum no grupo, frutifica intensamente, liberando milhares de sementes, que voejam com o vento e acabam germinando em vários outros locais.

Epidendrum xanthinum no Jardim Fitogeográfico


Na natureza, habitam afloramentos rochosos, em diversas altitudes, mas quase sempre nas cercanias de fios d’água, que escorrem pelas rochas e ajudam a formar núcleos de umidade, sempre com luz farta. Crescem nas margens de estradas, tolerando até as condições de rodovias movimentadas, onde abunda a poluição e o vento forte ocasionado pelos veículos. Em Petrópolis, pode ser admirada nas rochas que margeiam a movimentada BR040, juntamente com E. secundum.

domingo, 18 de setembro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – A BROMÉLIA NEOREGELIA CORREIA-ARAUJOI


Quando fazia jardins, na Década de 1990, era a época de ouro das bromélias, no paisagismo. Foi um verdadeiro “boom” de plantas trazidas da natureza, para lotar os jardins com bromélias, as mais variadas, vindas dos mais diversos locais. O mercado não se importava com a matéria conservacionista. Bem, talvez isso não tenha mudado muito, embora já se tenha hoje a plena consciência de que a coleta de plantas, nos ecossistemas, representa atividade danosa e até virou crime, passível de prisão.

Paralelamente, os horticultores trataram de produzir esplêndidas cultivares de bromélias, com belas características, que não encontram rivais na natureza. Essa, na verdade, foi a grande solução para o grave problema da coleta criminosa de plantas, uma vez que ninguém trocaria essas plantas bem produzidas e com formas à beira da perfeição, por outras vindas das matas, com folhas rasgadas, manchadas e cheias de pragas e doenças. Ainda mais se o preço for competitivo.
Numa postagem anterior, deste blog ( http://orlandograeff.blogspot.com.br/2013/01/e-se-todos-fizessem-isso-coleta-ou.html   ), tratei da complexa questão da coleta criminosa de plantas na natureza e creio que a questão foi bem definida. Naquela ocasião, citei o fato que, durante muitos anos, nas minhas expedições pelas florestas e demais ecossistemas brasileiros, cheguei a coletar plantas, com o estrito objetivo da descoberta científica e investigação. Nestas oportunidades, cuidava muito para coletar apenas partes de plantas (fragmentos de propagação vegetativa ou sementes), ou mesmo seedlings ou indivíduos redundantes, em populações que poderiam absorver este impacto necessário.

Felizmente, a ciência e o conhecimento sobre a flora avançaram muito, havendo excelentes listagens de espécies, para quase todos os ecossistemas, dispensando a necessidade de coletas. Mas, como seria de esperar, grande parte das plantas que trouxe da natureza ainda vivem na coleção de plantas do Jardim Fitogeográfico, tendo até deixado incontáveis descendentes, como é o caso da vistosa bromélia Neoregelia correia-araujoi, que já foi muito comum, na região da Costa Verde, litoral sul do estado do Rio de Janeiro. Essa bromélia era intensamente coletada, nas florestas de Mangaratiba, Angra dos Reis e Paraty, sendo empurrada às vias da extinção, embora venha se recuperando muito rapidamente, em função de ser planta bastante prolífica, no seu habitat natural.

Neoregelia correia-araujoi vive hoje em algumas árvores do Jardim Fitogeográfico, principalmente no setor da floresta recuperada. Mas, também se adapta bem aos muros de pedra, onde se imita uma de suas formas bastante comuns de ocorrência, na região de origem: os topos dos grande matacões de pedra granítica, quase à beira do mar. Velhos muros de ruínas do Século XIX, assim como telhados de algumas residências, em Angra dos Reis e Paraty, também abrigam belos indivíduos da bromélia que chamávamos de “finger-nail-plant”, no meio jardinocultural, por parecer com unhas pintadas com esmalte vermelho.


Esta bela bromélia, com porte relativamente avantajado, é uma planta tanque-dependente (guarda água no imbricamento de suas folhas), cujas flores alvas emergem diretamente do pequeno lago de vida e são intensamente buscadas por colibris e abelhas brasileiras. Seus pequenos frutinhos são bagas adocicadas, que os pássaros procuram avidamente, tratando de espalhar a planta, nas outras árvores. A espécie, aliás, tem cultivo muito fácil, bastando coletar suas sementes e plantá-las em vasos coletivos. Milhares de plantas saíram de semeaduras de nossa coleção, nos anos 2000, para abastecer cultivos comerciais, tendo assim colaborado para evitar a coleta.

bromélia Neoregelia correia-araujoi

sábado, 17 de setembro de 2016

O QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE FOGO NAS ENCOSTAS – INCÊNDIOS CRIMINOSOS



Acima – labareda de mais de 60m, no incêndio florestal ocorrido na
RPPN Graziela Maciel Barroso – Condomínio Quinta do Lago – em 08 de setembro de 2008.
Compare o tamanho da residência, situada abaixo das chamas

Se você já leu o capítulo de nosso livro FITOGEOGRAFIA DO BRASIL (NAU Editora – 2015), em que tratamos do fogo nas vegetações, já deve estar mais do que por dentro deste assunto: O FOGO NA NATUREZA. Já deve saber que os incêndios florestais, no nosso país, salvo EXCEÇÕES, advêm das mãos humanas. Ou seja, toda a destruição que você verá, quando o fogo se alastra pelas matas e montanhas, aniquilando a fauna, a flora, solapando a fertilidade natural de nossos solos e, ainda por cima, em muitos casos, trazendo prejuízos materiais e fazendo vítimas, começa pela mão de um ser (des)humano.

Antes que alguém desvie o assunto, para se dedicar à inócua discussão sobre possíveis origens naturais dos incêndios florestais, atribuindo-os a pedaços de vidro, “combustão espontânea” ou mesmo raios, aqui no Brasil, deixemos uma coisa bastante clara: embora os dois primeiros sejam pura balela e os raios possam sim deflagrar incêndios na vegetação, isso representa EXCEÇÃO e, ao menos em nossa região de Floresta Atlântica, toma parte tão somente em dinâmicas de fragmentos, jamais chegando a ocasionar a escala de destruição verificada nos incêndios florestais da Cadeia Atlântica.

Tendo isso em mente, passemos a tratar deste assunto sério, que são os incêndios florestais, principalmente nas regiões da Serra do Mar, ou de forma mais ampla, na chamada Cadeia Atlântica, que é o imenso conjunto de serras montanhosas, que separa o Brasil Continental do Oceano Atlântico. Nossa intenção, através desta postagem, é mostrar os principais aspectos da propagação de incêndios florestais, nas montanhas, deixando para um próximo capítulo o conjunto de sugestões fundamentais para prevenção desta força destruidora, que é seguramente o principal agente destruidor de nossa biodiversidade.

Abaixo – O livro FITOGEOGRAFIA DO BRASIL, de autoria de Orlando Graeff (2015),
onde o assunto FOGO é minuciosamente tratado



Acima – O autor consultando o capítulo sobre o FOGO, em seu livro FITOGEOGRAFIA DO BRASIL

CONDIÇÕES PARA INCÊNDIOS: A época mais frequente de ocorrência de incêndios florestais é no INVERNO SECO E FRIO típico do clima tropical, desta região do país. Isso costuma acontecer, geralmente, entre maio e setembro, quando a vegetação está seca e favorece a propagação do fogo. Em nosso livro FITOGEOGRAFIA DO BRASIL, explicamos que a condição ideal para a propagação do fogo florestal é a elevada relação carbono X nitrogênio da biomassa. Isso significa dizer que, quanto mais tarde ocorrer o fogo, maior será sua agressividade e sua capacidade destruidora, pois as plantas concentram maior quantidade de carbono, em seus tecidos, para resistir ao frio seco. Como se sabe, carbono é o principal combustível para o fogo. OS PIORES INCÊNDIOS OCORREM EM SETEMBRO, época em que convergem maiores temperaturas do ar; maior relação carbono X nitrogênio; e ventos fortes.

COMO SE INICIA: O fogo pode se iniciar no alto das montanhas, quando balões criminosos caem, ateando fogo à vegetação esparsa e geralmente campestre dos topos de morro. Porém, na maioria esmagadora dos casos, se inicia na BASE DOS MORROS, durante queima de lixo, ou simplesmente ateado por incendiários. Acredite ou não, a PIROMANIA (mania doentia de atear fogo) é muito comum e representa causa importante da deflagração de incêndios.

COMO SE PROPAGA: Nas ilustrações do texto, vemos uma representação esquemática da força que faz propagar o fogo, morro acima, na Região Serrana Fluminense. Em resumo, devemos ter em mente que o ar quente, gerado pelas chamas iniciais, retroalimenta o incêndio, quando faz surgir uma camada hiperaquecida de ar, junto ao solo, ocasionando sua ascensão rápida, morro acima. Esse VENTO DE AR QUENTE se assemelha às correntes ascendentes, que sobem as encostas, nas horas mais quentes do dia, ajudando praticantes de voo livre a subir, com suas asas-delta. O sopro cada vez mais rápido do ar quente desliza pela superfície da encosta, ganhando cada vez mais velocidade, na medida em que o fogo é oxigenado pelo ar, que vem pela retaguarda, puxado pelo próprio ar quente, que sobe acima.

A SEGUIR – Desenhos esquemáticos, que mostram a propagação de um incêndio florestal, numa região montanhosa da Região Serrana do Rio de Janeiro





Acima – O fogo se alastra nas encostas da RPPN Graziela Maciel Barroso, em Petrópolis, com as chamas se retroalimentando, rampa acima, pelo deslocamento do ar aquecido

Acima – Num nariz de encosta, as chamas assumem uma linha de avanço em V invertido, no qual a parte do vértice tem mais força, pela convergência dos “ventos de ar quente”

Acima – Encosta da RPPN Graziela Maciel Barroso, durante o incêndio de setembro de 2008, sendo possível notar a direção dos “ventos quentes” originados no fogo: seguem para sotavento da montanha, num sentido pouco usual, na localidade

Acima – Vertente completamente tomada pelas chamas, na RPPN Graziela Maciel Barroso, em setembro de 2008: essa floresta de encosta foi completamente destruída e não existe mais

 Acima – Uma vez atingindo o topo da Pedra do Pastor, na RPPN Graziela Maciel Barroso, as chamas passaram a descer pela encosta a sotavento. Observe que as chamas, morro abaixo, perdem força e queimam devagar (esquerda)

Abaixo – O helicóptero do Corpo de Bombeiros combate o fogo de setembro de 2008, na RPPN Graziela Maciel Barroso, permitindo a dura comparação com a porte do incêndio, praticamente incontrolável




Acima – No entardecer do dia 08 de setembro de 2008, moradora de casa situada na frente de propagação das chamas tenta combater uma frente de labaredas, que ascendia a encosta e viria a atravessar o aceiro, por conta dos ventos de ar quente. Note que a onda de calor é visível pela luz avermelhada, que reflete na floresta

É por essa razão que, durante incêndios florestais, na Região Serrana, você verá aquele vento forte, que parece surgir do nada, como se a natureza o tivesse mandado, exatamente para piorar as condições. Nas áreas planas do Centro-Oeste, plantações e pastagens são aniquiladas por vórtices de vento aquecido, em meio às chamas, que sobrem como tornados de fogo e lançam longe a palha incandescente, que vai atear mais focos, alhures. Aqui, em nossas montanhas íngremes, as encostas funcionam como “chaminés gigantes”, que canalizam esse ar quente e produzem LABAREDAS INCONTROLÁVEIS EM ALTA ENCOSTA. Quem já combateu incêndios florestais, em Petrópolis ou Região Serrana, sabe bem como se torna impraticável e extremamente arriscado fazer frente a essas chamas, que destruirão tudo à sua frente, até que terminem por queimar tudo.

Numa próxima postagem, falaremos mais um pouco sobre como se pode prevenir, ou minimizar o avanço das chamas, que destroem de forma endêmica nossa vegetação, causando erosão de solos, extinção da flora e da fauna e, ainda por cima, ocasionando prejuízos materiais, ou até vítimas. Desta presente postagem, deve restar a certeza das causas associadas ao homem e de como se propagam as chamas, em nossa região.

Abaixo - incêndio ocorrido novamente, na RPPN Graziela Maciel Barroso,                                      em 07 de setembro de 2016



sexta-feira, 16 de setembro de 2016

QUESNELIA ARVENSIS – BROMÉLIA DA FLORESTA DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO

Primavera chegando! A estação das flores de 2016 está logo ali, daqui a poucos dias, mesmo que o Brasil não apresente aquela forte estacionalidade dos países temperados. Realmente, em termos gerais, dizem que o Brasil Tropical só mostra duas estações: inverno frio e seco; e verão quente e chuvoso. Mas, se você gosta de observar a natureza, notará sim diferenças substanciais entre cada estação do ano, coisa que a gente consegue ver bem, no Jardim Fitogeográfico.

a bromélia Quesnelia arvensis

Sobre o Jardim Fitogeográfico, creio que a maior parte dos leitores conhece bem sua história, que mostrei na postagem de de 16 de fevereiro de 2012 - http://orlandograeff.blogspot.com.br/2012/02/as-origens-do-templo-fitogeografico.html . Esta nossa reserva particular, situada em Petrópolis, estado do Rio de Janeiro, se divide em dois ambientes naturais e um controlado: são os ambientes que se referem aos ecossistemas abertos e ensolarados (restingas, campos rupestres etc.); e àqueles florestais, que ocupam área reflorestada a partir de 2007; além deles, uma estufa de plantas, onde são mantidas as espécies pouco tolerantes ao clima da Região Serrana.

Em nossa última postagem, mostramos a orquídea Cattleya intermedia, que é nativa do compartimento litorâneo do Brasil Sudeste e Sul. Agora, falamos da rústica e bela bromélia Quesnelia arvensis, que é nativa do Litoral do Sudeste, principalmente na floresta atlântica de baixada litorânea, adentrando também as restingas e as matas inundáveis do litoral. No Jardim Fitogeográfico, Quesnelia arvensis se encontra ambientada na floresta regenerativa (reflorestamento), ocupando seus trechos menos iluminados, que tolera muito bem e onde floresce continuamente, nesta época do ano.

Sobre nosso reflorestamento, cabem alguns comentários ligeiros. Ao chegarmos ao local, onde residimos e mantemos a coleção de plantas, ainda em 2007, encontramos terreno fortemente inclinado, aos fundos, onde pouco mais havia que denso capinzal e algumas arvoretas pontuais, aqui e ali. Antigas pastagens, abertas ainda nos tempos do Brasil Colônia (Séculos XVIII e XIX), quando por ali passava o Caminho das Minas Gerais, há muito se encontravam abandonadas, onde se estabeleceu o condomínio residencial, no qual se encontra o Jardim Fitogeográfico. Desde então, iniciamos o reflorestamento da área, visando a reconstituição da floresta nativa.

Evidentemente que foram plantadas diversas espécies de árvores nativas da Floresta Atlântica, além de ter sido iniciado o incentivo ao crescimento de outras espécies nativas, que habitavam a encosta, em estado de stand-by, em que eram mantidas pelo fogo endêmico de invernos secos e pela quase total ausência de fertilidade natural, consumida que fora, há mais de cem anos, para a produção de pastagens, que davam apoio às tropas de mulas, que passavam por Petrópolis, no caminho das minas de ouro do interior.

Abaixo - sequência de imagens de parte da floresta do Jardim Fitogeográfico, desde que foi iniciada sua recuperação, em 2007

agosto de 2007


 agosto de 2008

novembro de 2008

atualmente - setembro de 2016: ainda sem as folhas, depois do inverno seco e frio


A floresta recuperada do Jardim Fitogeográfica se liga a outro pequeno fragmento de reservas florestais do condomínio, na qual a flora é meramente residual, como o era a da área por nós cuidada. A partir da experiência contínua de cuidados, em nossa área particular, temos também envidado esforços graduais na revegetação da reserva florestal. Ambas representam corpo florestal isolado e relativamente distante das florestas da Reserva Particular do Patrimônio Natural Graziela Maciel Barroso, também pertencente ao nosso condomínio e na qual habitam espécies ameaçadas da flora, como a minúscula bromélia litofítica Tillandsia grazielae e o famoso rabo-de-galo (Worsleya procera), uma amarilidácea restrita à Serra da Maria Comprida.

Não se tratando de floresta primitiva (floresta primária) e sim de um novo fragmento regenerado artificialmente, essa área pôde abrigar grande parte das plantas da coleção de plantas do Jardim Fitogeográfico, muito em especial bromélias, orquídeas, aráceas e outros grupos nativos de florestas brasileiras, sem o perigo de mistura com os elementos nativos. Contudo, como sabemos bem que as espécies autóctones se veriam favorecidas pelas condições ecológicas da própria região de onde eram provenientes, ficamos satisfeitos em vê-las, desde sua reintrodução, a florescer e frutificar, espalhando-se novamente pelos ecossistemas próximos, dos quais haviam desaparecido, há coisa de dois séculos.


Adiante - outra sequência de imagens da floresta regenerada do Jardim Fitogeográfico, sendo possível observar sua evolução para ambiente menos iluminado. Com isso, muitos ambientes se modificaram, como continuarão a se alterar, ocasionando contínua adaptação das plantas da coleção

 agosto de 2007

 novembro de 2008

Abaixo - atualmente, em setembro de 2016, no final da estação seca e fria, mesmo assim, dando para observar a mudança gradual do mapa de sombras




Assim, nesta época do ano, alegramo-nos ao ver diversas espécies da Floresta Atlântica florescendo, na floresta recuperada do Jardim Fitogeográfico – entre elas, a bromélia Quesnelia arvensis, com suas inflorescências vistosas, que atraem beija-flores diversos. Essa planta abunda na Região da Costa Verde, entre Mangaratiba e Paraty, Litoral Sul Fluminense. É uma bromélia de folhas fortemente armadas de espinhos e que apresenta tanque de água, onde habitam inúmeras formas de vida, formando microcosmo complexo, no qual animais exóticos, como o famigerado mosquito Aedes aegypti não tem vez.


Quesnelia arvensis

terça-feira, 13 de setembro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – A ORQUÍDEA CATTLEYA INTERMEDIA

Tempo de voltar nossas atenções para outras coisas, que não a política, em nosso país. Afinal, há tanto mais a tratar, tanta coisa boa a celebrar. Pois então, vamos focar numa coisa que (quase) todos adoram: plantas tropicais, flores. Nesta série de postagens, o assunto passa a ser as plantas do Jardim Fitogeográfico, que abriga nossa coleção de espécies botânicas, em Itaipava, Petrópolis, Região Serrana do Rio de Janeiro.

Creio que quase todos conhecem a história do Jardim Fitogeográfico. Eu o chamava, há algum tempo, de Jardins do Templo Fitogeográfico. De um tempo para cá, resolvi suprimir o “templo”, por entender que, apesar de encarar meu jardim daquela mesma forma, como relatei na postagem de 16 de fevereiro de 2012 - (http://orlandograeff.blogspot.com.br/2012/02/as-origens-do-templo-fitogeografico.html), ou seja, quase como algo divino, até metafísico, não queria misturar as coisas. Religião é religião, cada um tem a sua, ou não tem. Então, vamos chamar a coleção de Jardim Fitogeográfico.

As razões para o FITOGEOGRÁFICO vocês já conhecem, pois referi longamente, naquela postagem: Fitogeografia é a área da ciência que sintetiza minha linha de estudos, tratando das vegetações na natureza. Ou seja, as plantas da coleção formam ambientes alusivos às tipologias de vegetação observadas no país, que eu tanto investigo e que resultaram no livro FITOGEOGRAFIA DO BRASIL – UMA ATUALIZAÇÃO DE BASES E CONCEITOS (NAU Editora, 2015), de minha autoria. Sobre esta obra, você poderá consultar em meu blog EXPEDIÇÕES FITOGEOGRÁFICAS, que é interligado a este.

Aqui no Jardim Fitogeográfico, as plantas da coleção interagem entre si e o meio, na forma de ambientes que imitam vegetações naturais. Tanto nas áreas abertas do Jardim, onde estão as plantas de locais ensolarados (restingas, campos rupestres etc.), quanto na floresta que foi recuperada, desde 2007, muita coisa interessante pude aprender com essas plantas, no tocante a suas ecologias e seus “hábitos” de crescimento e colonização dos ambientes. No meu livro, chamo isso de “desafio da horticultura” e isso me ajudou bastante, em minhas reflexões.

Cattleya intermedia em cultivo no Jardim Fitogeográfico

Muito bem, vamos então à primeira planta escolhida para a série, uma orquídea linda, que ocorre naturalmente (ou ao menos ocorria!), entre o norte do Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul: Cattleya intermedia. O grande naturalista Frederico Carlos Hoehne, que foi um dos pilares da orquidologia brasileira e viajou intensamente pelo Brasil, na primeira metade do Século XX, lançou importante olhar sobre as populações naturais de Cattleya intermedia, que se espalhavam em grande parte do litoral do Sudeste e Sul.

Cattleya intermedia crescendo sobre muro de pedra, 
no Jardim Fitogeográfico

Cattleya intermedia cresce principalmente de forma epifítica, ou seja, agarrada aos troncos de grandes árvores, ou formando touceiras quase suspensas por “ninhos” de raízes, nas arvoretas ramificadas e arredondadas das restingas litorâneas. Hoehne chamou atenção, em seu célebre livro Iconografia de Orquidáceas do Brasil, para largas populações desta orquídea, que habitavam diretamente a superfície dos matacões de rocha granítica, ao longo do litoral de Santa Catarina, destaque para a Ilha de Santa Catarina, onde está situada a cidade de Florianópolis. Suas fotos davam conta de imensas rochas roladas, com o topo recoberto de Cattleya intermedia. Quando floridas, essas plantas atraíam o olhar cobiçoso dos coletores, que trataram de depenar impiedosamente essas plantas, para vender a colecionadores, ou comerciantes de plantas.

Excursões pelo litoral catarinense ainda permitem a descoberta de esplêndidas populações naturais desta orquídea, principalmente sobre velhas figueiras, algumas protegidas em meio a terrenos alagadiços e impenetráveis. Poucas são as plantas divisadas sobre rochas e nenhuma população densa, como aquelas de Hoehne, pode ser mais encontrada.


Cattleya intermedia florescendo em seu habitat natural, 
na Lagoa dos Patos - Rio Grande do Sul, seu limite de ocorrência austral

No Jardim Fitogeográfico, Cattleya intermedia é mantida na forma de vasos pendentes, na estufa de plantas, e também de forma epifítica, modo com que ela mais se dá bem, por lhe ser possível espichar suas longas raízes, nos troncos e galhos de árvores situadas em locais protegidos do vento seco de inverno da Região Serrana.