sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

ORGANIZANDO UMA COLEÇÃO DE PLANTAS – PARTE I: CADASTRANDO EXEMPLARES


Canteiro 02 do Setor Muro Dianteiro Sudoeste do Jardim Fitogeográfico, em Petrópolis, Rio de Janeiro


Você também é um amante de plantas? Tem espaço em sua casa? Coleciona plantas? Muito provavelmente, se você está lendo meu texto, será este o caso. Sim, pois a maior parte dos meus amigos da internet, ou representa pesquisadores, ou amantes de plantas, muito embora vinhos também façam parte dos interesses comuns com muitos deles. Então, se você já é um colecionador experiente, talvez pegue algumas dicas nesta postagem; se está começando, ou quer melhorar o nível da coleção, aproveite um pouco da minha experiência, para organizar suas plantas.

Antes de mais nada, é necessário avaliar os propósitos de sua coleção. Pode ser que você apenas goste de juntar plantas, aqui ou ali, levando-as para seu espaço e cultivando-as com carinho, para enfeitar o ambiente. Mas, posso apostar que não! Você é antes de tudo um COLECIONADOR! Colecionaria selos, se fosse o caso; juntaria vinhos, se os apreciasse; enfim, nada de mais, as pessoas gostam de colecionar coisas, é muito bom. Frederico Carlos Hoehne, um dos mais importantes naturalistas do Século XX, afirmava que “todo bom menino começa a colecionar coisas, quando começa a se interessar pelo mundo”. Não fui eu quem disse! Foi Hoehne: COLECIONAR FAZ BEM!

Assim, se você está querendo organizar sua coleção de plantas, é sinal claro de que o interesse botânico surgiu em você e chegou a hora de saber mais sobre cada um dos itens que você juntou; e mais ainda sobre aqueles outros que pretende arrumar por aí. Então, é hora de focar e organizar sua coleção. Se você gosta das plantas que coleciona, deve ter em mente, acima de tudo, que os objetos de seu desejo e devoção precisam ser mais conhecidos, protegidos e até propagados, para que não desapareçam. Sua coleção deve estar apta ao estudo. Pode ser que apenas você se interesse por essas plantas, sendo assim razoável que se torne fácil consultar os dados sobre elas. Mas, é muito possível que ela passe a representar interesse para pesquisadores e estudiosos. Então, é bom que tome alguns cuidados, a saber.

Obtendo Plantas:
Se você coletou uma planta na natureza, e espero que tenha cuidado para apenas retirar um propágulo, ou somente uma amostra, preservando o restante da população, deve anotar cuidadosamente o lugar onde a encontrou (coordenadas geográficas, dados sobre o habitat, forma de crescimento etc.), além de tirar boas fotos da população natural. Uma boa etiqueta ajudará a organizar as plantinhas que conseguiu, até que vão para seu cultivo. A identidade da planta é seu dado mais importante e não poderá ser perdida jamais. Eu mesmo, por força de inúmeras mudanças de endereço, perdi diversas identidades de plantas e hoje olho para elas, desapontado por não poder mais resgatar tão importante informação.

Acima – Orlando Graeff, no início dos anos 1980, no orquidário da Reserva Natural da Fazenda Ipanema, no Mato Grosso, coleção completamente desaparecida, anos depois – perdas irreparáveis para a cultura e a ciência

Cadastrando sua Planta:
Assim como nós temos ID e CPF, as plantas deverão receber um número de identificação, que jamais será mudado. O nome dela é menos importante do que essa numeração, que será indexada a uma ficha, ou listagem. Há quem defenda até que cada indivíduo seja cadastrado com um número, exclusivamente. Se você andou apanhando plantas demais (o que espero não ser o caso), realmente deverá cadastrá-las individualmente, mesmo que se pareçam muito. A MORFOLOGIA É UMA ARMADILHA e é bastante comum que duas ou mais de suas plantas, que você pensava se tratarem da mesma coisa, se revelem espécies diferentes. Então, fica a seu critério essa escolha. Especialmente bromélias podem te pregar este tipo de peça, assim, CUIDADO!

O número da planta não mudará nunca mais! Isso é fundamental. Não se esqueça: há números de sobra, até o infinito. Então, se você coletou uma planta, ou a recebeu de alguém, não importa, atribua-lhe um número, faça sua ficha e, mesmo que ela morra, ou desapareça, não mais utilize este número. Se conseguir outra “igual”, confira-lhe um novo número. Alguém poderá, um dia, realizar um trabalho científico sobre sua plantinha, quem sabe até uma espécie nova. Então, ele citará o material examinado, acompanhado do número de sua coleção. Isso não poderá mudar, sob o risco de colocar por terra todo um trabalho de pesquisa.

Se você conhecer minha bromélia Alcantarea vinicolor, cadastrada sob o número 342, saberá que foi coletada em Pedra Azul, no Espírito Santo, na Década de 1990, pelo naturalista Pedro Nahoum, tendo sido cedido a mim um exemplar, em janeiro de 2000. Daqui a dez anos, se você quiser saber mais sobre esta planta, bastará citar este número e pronto, você terá encontrado a mesma exata bromélia, sem riscos de engano... A não ser que ela tenha morrido! Bem, daí é outro assunto. Afinal, falamos de seres vivos e sobre isso, falaremos numa das próximas postagens.




Acima – A bromélia Alcantarea vinicolor, na coleção do Jardim Fitogeográfico, em Petrópolis

Como Cadastrar:

Enfim, sabendo as boas regras para dar entrada a uma planta em sua coleção organizada, você terá que saber como realizar este cadastro. Algumas coisas são realmente fundamentais e devem constar de seu cadastro: nome da planta (se você já souber); nome vulgar (se for conhecido); família botânica a que pertence; origem do seu exemplar; local de obtenção ou dados do local ou estabelecimento comercial, se tiver comprado; data de obtenção; e as observações gerais sobre a planta, que poderão relacionar dados geográficos, hábito da planta etc. Essa listagem poderá ser feita num programa ou aplicativo específico, ou simplesmente num texto de Word, como é efetuado aqui, no Jardim Fitogeográfico, há muitos anos.

Seja lá como o fizer, tome um imenso cuidado: faça backups regularmente e, se possível, imprima em papel, guardando em local apropriado. Como exemplo de uma ficha de planta, posso oferecer o seguinte:

443 – Bromelia horstii Werner Rauh – Família Bromeliaceae
Origem: Jaciara, Mato Grosso;
Data de Obtenção: 1999, durante viagem à região do Balneário da Cachoeira da Fumaça, juntamente com Luiz Campos Filho;
Observações: Planta extremamente agressiva e guarnecida de espinhos, desenvolvendo intumescimento, na base do caule, que pode permanecer como órgão de sobrevivência, no ambiente pedregoso (saxícola), no qual a planta vive, sendo comuns os incêndios florestais. Produz vistosas inflorescências, com lindas flores violáceas, sobre brácteas rosadas.

Essa planta foi encontrada por nós (o saudoso Luiz Campos Filho – que seria nosso Diretor Administrativo, na Sociedade Brasileira de Bromélias-SBBr, entre 2001 e 2003), enquanto investigávamos a natureza de uma bela região da borda da Serra de São Vicente, no Mato Grosso, já próximo ao Pantanal, onde seria desenvolvido um projeto turístico. Os dados sobre a planta constam da ficha, tendo sido tiradas muitas fotos, que ajudaram na identificação da espécie, feita pelo grande naturalista Eddie Esteves.

Adiante – Bromelia horstii, no habitat, em Mato Grosso (foto em filme negativo), e suas flores, em cultivo, anos depois, na coleção do Jardim Fitogeográfico





Se você tem iniciação botânica, na área de Taxonomia, também poderá coletar material para fazer uma EXSICATA, ou seja, uma amostra da planta seca, para depósito num herbário de sua confiança. Esse procedimento é ainda mais importante do que a coleta de material vivo, para compor sua coleção, pois poderá conferir validade científica para futuras listagens de flora, assim como para a descoberta de novas espécies. Mas, isso requer conhecimento e preparo técnico prático, que não é objeto de nossa conversa de hoje. Então, vamos lá: nada de malbaratar sua expedição, ou sua nova aquisição de plantas. Cadastre acertadamente, para que a ciência tire merecido proveito de sua coleção!


Acima – Canteiro 01 do Setor Muro Dianteiro Sudoeste, no JARDIM FITOGEOGRÁFICO

PRÓXIMA POSTAGEM: MANTENDO SUA PLANTA NA COLEÇÃO

Sugestões de leitura neste blog:


E se todos fizessem isso? Coleta ou Extrativismo? Uma Ameaça às Plantas Brasileiras - http://orlandograeff.blogspot.com.br/2013/01/e-se-todos-fizessem-isso-coleta-ou.html

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – NEOREGELIA MACWILLIAMSII vs. N. COMPACTA

Falando esses dias sobre as “armadilhas da morfologia”, durante uma palestra sobre vegetações brasileiras, no 68º Congresso Nacional de Botânica, no Rio de Janeiro, referi os ensinamentos do amigo Gustavo Martinelli, um dos mais brilhantes naturalistas que conheço: - Orlando, cuidado com a morfologia pura e simples das plantas! O que importa é conhece-las, para saber se são ou não são diferentes ou iguais!

Martinelli mostra, com imensa facilidade, em face dos mais recentes conhecimentos e avanços da filogenia de grupos, o quanto a Botânica se equivocou, até hoje, ao aproximar e aparentar plantas morfologicamente similares, agrupando-as em famílias e gêneros, por vezes espécies iguais, levando em conta meramente sua parecença física. De fato, famílias inteiras de plantas têm sido movidas e alteradas, deixando para trás essas impressões artificiais e adotando o verdadeiro conhecimento de sua biologia e de sua história evolutiva.

Bem, sabemos que a ciência, de modo geral, está eivada de artificialismos, até porque é o homem que a faz, somos nós que observamos a natureza e, portanto, será sempre à luz de NOSSOS conhecimentos que faremos nossas classificações e agrupamentos daquilo que observamos: plantas, bichos, paisagens botânicas e a Fitogeografia, afinal. Então, não podemos também apenas reclamar daqueles que, outrora, se dedicaram a classificar e organizar o que viam, para nos deixar seu precioso legado.

Também devemos lembrar da genialidade e da capacidade de observação empírica de grandes gênios, a começar por Darwin, que sintetizou sua irretocável Teoria da Evolução das Espécies, quase que simplesmente a partir de suas observações e reflexões, pouco mais tendo à mão, naqueles tempos, que lupas e cadernetas de campo. Sob tal aspecto, até pelo objeto principal desta postagem do blog, devo remeter ao meu querido tutor bromeliológico Ivo Penna, que nos deixou recentemente, que referia, por seu turno, o grande professor Edmundo Pereira, com quem trabalhara, por muitos anos e que lhe ensinara um método valioso, na análise das bromélias: “tem que observar o jeitão da planta!”, afirmava Pereira, como método mais importante de investigação de plantas que vinham da natureza e eram estudadas.

Ivo Penna, certa vez, me chamou a observar a imensa diferença entre duas espécies de bromélias das restingas fluminenses, que a jardinocultura e até mesmo colecionadores reputavam espécie única, sob a denominação de Neoregelia compacta. De muito fácil cultivo e então abundantes nas áreas silvestres do Rio de Janeiro, essas bromélias eram massivamente coletadas, para compor jardins residenciais, em todos os cantos. Assim com as bromélias-imperiais da Serra Fluminense (Alcantarea imperialis), as “neoregélias” não faltavam nos viveiros do Rio. Só que, poucos notavam, havia ali na verdade DUAS PLANTAS DIFERENTES, morfologicamente parecidas, mas com hábitos e biologias completamente diversos uma da outra: Neoregelia compacta e Neoregelia macwilliamsii.

A vocês leitores, faço hoje o mesmo que fez o saudoso Ivo Penna, ao me mostrar, lado a lado, essas duas plantas em flores, para que eu apurasse meu senso de observação e constatasse o quanto diferiam uma da outra, embora exibissem morfologia tão similar, quando vistas nos cenários de cultivo. Ambas são plantas de farto crescimento lateral – estoloníferas – e se espalham de modo muito parecido, recobrindo grande área, em curto espaço de tempo. Ao observá-las na natureza, contudo, poderemos constatá-las ocupando nichos ecologicamente diferentes, árvores-suporte (forófitos) distintas e microambientes específicos, havendo certa variação na preferência pela iluminação e proximidade da influência salina do oceano.

Vejam então, a seguir, essas duas plantas da flora fluminense, em flores, no JARDIM FITOGEOGRÁFICO, que foi concebido exatamente para esta finalidade: cultivar as plantas da natureza brasileira, buscando a recriação de seus ambientes originais:

A Seguir - Neoregelia compacta (Mez) L. B. Smith e suas flores de coloração levemente violeta




Adiante – Neoregelia macwilliamsii L. B. Smith e suas flores esbranquiçadas e com forma diversa daquela de N. compacta






segunda-feira, 1 de maio de 2017

Peverella – Na trilha dos vinhos laranja da Era dos Ventos

parreiral de uvas Peverella da Era dos Ventos

Você se acostumou a diferenciar vinícolas-boutique daquelas grandes empresas engarrafadoras. Você certamente consegue discernir entre um vinho branco, um tinto e um rosê. Mas, quando você descobre o projeto Era dos Ventos, uma vinícola-poesia, no interior de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, você percebe que existe mais entre o campo e sua taça, do que prevê qualquer filosofia enológica. Ao deparar com os mágicos Peverella que ali se vinifica, então, você vai adentrar nova escala de cores e sensações, muito além daquelas que até então conhecia.

Luis Henrique Zanini, poeta-enólogo da Era dos Ventos, chama seus vinhos Peverella de vinhos laranja, introduzindo conceito que você somente conseguirá desvendar à luz da arte. Na arte da poesia, Zanini te encantará, ao manejar habilidosamente as palavras ligadas ao amor, à sensibilidade, à terra e aos vinhos. Quanto a estes, o jovem artista do vinho lançou mão de toda essa sensibilidade, para nos brindar com essa poesia enológica, personificada no incrível Peverella alaranjado.

Desde 2007, quando Zanini se uniu a outro talentoso artífice do vinho – Álvaro Escher – para criar o selo Era dos Ventos, tomei conhecimento dos finíssimos Merlot, que passaram a produzir, em seu tugúrio secreto do Caminho das Pedras. Esses tintos extremamente complexos são produzidos a partir de velhas vinhas redescobertas longe do circuito biotecnológico do Vale dos Vinhedos, situado na mesma região. Não saem todos os anos, é claro! A filosofia Era dos Ventos, fundamentada nas técnicas francesas de fermentação natural, em locais primitivos, onde imperam condições pretéritas de vinificação, sem o concurso de modernas tecnologias, remete necessariamente às artes enológicas do passado. O primeiro Merlot que experimentei da Era dos Ventos fora prensado e misturado sob os pés dos pequenos filhos de Zanini, hoje já um belo casal de jovens. Tenho a fotografia até hoje, em meu caderno de vinhos.

O projeto do Peverella nasceu na redescoberta de castas brancas, se é que assim podemos chama-las, muito bem escondidas, em meio a velhos vinhedos dos Caminhos de Pedra, estrategicamente distantes da fúria varietal, que grassava no Vale dos Vinhedos, já então dominado pela corrida tecnológica determinada pela sua condição de denominação de origem. Por lá, imperava a busca frenética pelos melhores clones, pelos mais produtivos recortes de terreno e pelo domínio das mais avançadas técnicas de vinificação industrial – afinal, era necessário suprir imensos mercados, merecidamente conquistados pelos laboriosos wine-makers de Bento Gonçalves. Ali, nas colinas basálticas a leste de Bento, contudo, a escolha era outra.

Essas variedades “perdidas” de uvas italianas se escondiam misteriosamente, entre velhos vinhedos artesanais, outrora explorados para fabrico de vinhos rústicos, usualmente consumidos nas residências dos descendentes de imigrantes italianos. Vegetavam misturadas, em meio a outras uvas diversas, sem que fossem notadas. Muitas delas eram centenárias parreiras, ou pés-francos, propagados pelas mãos puras dos pequenos agricultores, sem terem recebido fertilizantes ou defensivos sintéticos, ao longo de décadas. Em meio a elas, lá estavam os pés da preciosa Peverella, que Zanini e Álvaro foram buscar, com seus olhos poéticos.

Assim como nas demais variedades que compõem a grade Era dos Ventos, a Peverella foi catalogada, tanto nos vinhedos próprios do projeto, quanto nalguns lotes ainda em mãos de antigas famílias. A essas alturas, a variedade hortícola Peverella estava em desaparecimento. A dupla passou a acompanhar sua produção, desde a emissão de brotos, florescimento e frutificação, passando pelo seu desenvolvimento, período em que se determinava se os lotes seriam ou não capazes de originar os vinhos especiais que deles se esperava. Desde então, diversas safras nada resultaram e seguiram para fazer sucos ou vinhos de garrafão, os quais confesso que ainda assim adoraria ter experimentado. As melhores safras, aquelas que beiravam a perfeição, seguiam para o porão da Era dos Ventos, onde se lhes extraía seu melhor néctar, enquanto Zanini rabiscava suas poesias, nas paredes grossas da cantina.

Desde então, o processo tem se aperfeiçoado, porém, dentro da estrita filosofia de seu fundamentalismo enológico. Os velhos barris de carvalho guardam preciosidades que tive oportunidade de testar, junto com Zanini, neste outono, tais como uma safra de 2011, que ainda “dorme” em suas barricas, levando ao extremo as experiências da Era dos Ventos. Numa barrica reciclada de velhas madeiras de ipê, resgatado de antigos madeiramentos, jaz uma mágica partida de Peverella 2014, que revela aroma que remete às florestas semideciduais do Centro-Oeste do Brasil, sem que se possa explicar de onde vem essa misteriosa sensação. Tudo isso, contudo, se dá no plano da alquimia enológica singular e exclusiva dos jovens fazedores de vinhos, sem a incorporação de qualquer tecnologia sintética.

Para não se dizer que a dupla não lança mão da tecnologia agronômica, a que sou tão afeto, por força de minha formação, conheci um precioso lote de videiras Peverella que foi salvo de um centenário e decadente parreiral, num local próximo, que seria erradicado por seu proprietário: “estavam morrendo” teria afirmado seu antigo dono! Pois Zanini recorreu à coleta de material vegetativo dessas plantas e as enxertou sobre porta-enxertos adequados e salvou o velho e precioso patrimônio genético, que agora produz suas melhores partidas de vinhos laranja.

Os vinhos Peverella da Era dos Ventos são densos, embora isso não lhes determine corpo exagerado. Por não serem filtrados, conservam o volume das frutas que lhes originam. A coloração, já foi dito, beira o âmbar, direcionando para o laranja ou dourado, dependendo da safra e da idade. Trazem um retrogosto mineral único e sem similares a mim conhecidos. Você será capaz de afirmar estar bebendo um Peverella, em qualquer teste cego de que tomar parte! Quando novos, refrescam ao primeiro contato e devem mesmo ser bebidos bem frios, embora a temperatura nas barricas estivesse perfeitamente propícia à degustação. Os mais velhos já perdiam um pouco a fruta pura e simples e se revestiam de notas complexas que puxavam para a mineralidade que referi.


Depois dessa visita, em que fui guiado pelo maestro de vinhos Zanini, prometi a mim mesmo que vou acompanhar mais detidamente a evolução dos Peverella da Era dos Ventos, tanto quanto o fazia com seus tintos, que adoram longas guardas, na escuridão quieta de nossas adegas. Acompanhe um pouco desta visita, através das imagens comentadas a seguir. Boas degustações a todos.

acima - Planta de uva Peverella, nas vinhas da Era dos Ventos

acima - A variedade Marselan, que vem produzindo excelentes tintos na Era dos Ventos

acima - Plantas da variedade Merlot, que produz alguns dos mais valiosos tintos do projeto

A seguir - O outono chega, nos parreirais da Era dos Ventos



Abaixo - O solo litólico de basalto da Formação serra Geral domina os vinhedos da Era dos Ventos, sendo comum o gravatá (Eryngium horridum - Apiaceae = Umbelliferae), com suas folhas agressivamente espinescentes. Essa condição é determinante para o terroir local


acima - A liliácea Lilium regale é planta importada, mas invade lindamente o entremeio dos pomares


acima - Luis Henrique Zanini explica a Orlando Graeff como conduz seus vinhedos, na direção de seus melhores vinhos

Acima - Lindas margaridas ajudam a revestir o solo dos vinhedos, que jamais conhecem capinas ou revolvimento, sendo possível caracterizar esses pomares como um autêntico plantio-direto

acima - Uvas Teróldego, outra variedade tinta que vai sobressaindo, na busca de novos vinhos

abaixo - L. H. Zanini percorre seus pomares de Teróldego na Era dos Ventos


acima e abaixo - Paisagens fundamentais, na Era dos Ventos


adiante - Conheça um pouco da paisagem interna do projeto Era dos Ventos - vinícola-poesia:







acima - Um dos belos rótulos dos vinhos Era dos Ventos
abaixo - Zanini busca atingir o estado da arte e da poesia, com sua criação enológica da Era dos Ventos


acima - Resultados inequívocos do projeto Era dos Ventos

a seguir - Ingredientes diários do trabalho, no "atelier" Era dos Ventos



acima - O autor deste blog exibe um pouco dos vinhos laranja da Era dos Ventos, sob a luz difusa do local de sua criação

acima - Aguarde! Estamos trabalhando no projeto Era dos Ventos

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Chegando à velha SANGA da Reserva Natural da Fazenda Ipanema

O nome vem do termo “sangra d’água”, ou sangradouro, que é um pequeno curso de rio, que dá vazão às águas de determinada área alagadiça. Os gaúchos adotam esse termo – sanga – exatamente como uma corruptela da denominação original, nascida em tempos imemoriais. Meu saudoso pai, que era gaúcho nativo da área central do estado, ao deparar com o diminuto e cristalino riacho, que lhe mostrei em meio à floresta-galeria da Fazenda Ipanema, no início dos anos 1980, imediatamente o caracterizou desta forma, remetendo à sua memória atávica: SANGA.

Desde então, a sanga d’água da Fazenda Ipanema passou a me atrair, inicialmente, como manancial fundamental de meu acampamento rústico, durante aquela década de 1980: na sanga, eu tomava banho, me dessedentava, conseguia água para cozinhar. Ao longo dos anos 1990, estando longe do Mato Grosso, o caminho que conduzia à sanga foi lentamente desaparecendo, em meio à floresta viçosa, que retomava espaço. Recentemente, com o desenvolvimento do projeto da Reserva Natural da Fazenda Ipanema, com novo planejamento de manejo conservacionista e científico, comecei a rastrear e reabilitar a trilha que conduz ao riachinho de meus vinte e poucos anos: a Trilha da Sanga.


Neste domingo, dia 19 de fevereiro de 2017, depois de mais de vinte anos escondida sob a selva, a Trilha da Sanga foi completamente restaurada e pude rever o recanto que tanto me valeu, desde os anos 1980, com suas águas absolutamente cristalinas, a correr depressa, sobre fundo arenoso alvo e em meio a velhas e grossas raízes de jequitibás e magnólias. A emoção foi inevitável e não deixei de comemorar, sorvendo goles fartos de água pura, tomados diretamente da velha sanga. Foi um trabalho extenuante, mas proveitoso, pois marcou a primeira meta cumprida, no objetivo maior da Reserva Natural da Fazenda Ipanema, que é o estabelecimento de um manejo integrado entre visitação e pesquisa, neste precioso conjunto de ecossistemas ribeirinhos, ligado ao rio das Mortes e ao Cerrado.

Acima - Dichorisandra pubescens (Commelinaceae), na borda da floresta-galeria

Acima - Macaco-prego, na floresta que circunda a Trilha da Sanga

Acima - Costus arabicus (Costaceae), no sub-bosque da floresta-galeria, na Trilha da Sanga

Acima - Imenso jequitibá-vermelho (Cariniana rubra - Lecythidaceae) da floresta-galeria, bem ao lado da sanga da Fazenda Ipanema

Acima - O autor Orlando Graeff posando ao pé do imenso jequitibá, que abriga exemplar de Monstera adansonii (Araceae), em seu tronco

Acima - Felicidade em rever essas águas cristalinas, que centralizam a floresta-galeria da Reserva, depois de tantos anos e tanto esforço


segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

OBSERVANDO AVES NO JARDIM FITOGEOGRÁFICO


Colibri (Chlorostibon lucidus) forrageando nas flores da bromélia Dyckia alba, do Rio Grande do Sul, na coleção de plantas do JARDIM FITOGEOGRÁFICO

Na última postagem do blog (link - http://orlandograeff.blogspot.com.br/2016/12/observando-aves-para-conservar-natureza.html ), relatei sobre a RPPN Graziela Maciel Barroso, contando um pouco de sua história e de como a OBSERVAÇÃO DE AVES vem prometendo resgatar as possibilidades de uso público da unidade. Nesta publicação, resolvi contar um pouco sobre a relação das plantas do JARDIM FITOGEOGRÁFICO com as aves. Aliás, há muito mais no projeto destes jardins do que simplesmente a flora, no que concerne às aves: muitos elementos paisagísticos foram concebidos para atraí-las.

Sobre o JARDIM FITOGEOGRÁFICO, muito já se falou, aqui no blog. Numa antiga postagem (link -  http://orlandograeff.blogspot.com.br/2012/02/as-origens-do-templo-fitogeografico.html), contei sobre a origem do Jardim Fitogeográfico, que chamava, então, de TEMPLO FITOGEOGRÁFICO. O nome, decidi muda-lo, para afastar um pouco minha ciência da metafísica, embora as tenha meio próximas, em meu íntimo. Mas, como sou antes um cientista, nada mais apropriado que me manter na seara naturalista – JARDIM FITOGEOGRÁFICO acabou sendo o nome do projeto, desde então.


Acima – imagem-satélite da área do Jardim Fitogeográfico, em 2007, antes de ser iniciado o projeto
Abaixo – outra imagem do mesmo local, em 2015, já com as florestas em estágio avançado de recuperação



Acima – Outrora área aberta, a floresta do Jardim Fitogeográfico contrasta com terrenos lindeiros, nos quais os gramados dominam

Com a recente visita da equipe técnica do CONSÓRCIO PASSARINHO, à RPPN Graziela Maciel Barroso, fui também brindado por uma esticada do grupo, até aqui, no JARDIM FITOGEOGRÁFICO. Tive oportunidade de mostrar um pouquinho do que venho realizando por aqui, desde 2009: os ambientes que simulam vegetações campestres ou rochosas, onde são mantidas as espécies mais afeitas à luz solar direta; a estufa de plantas, onde mantenho as plantas mais sensíveis e intolerantes especialmente ao frio (que ocorre aqui em Petrópolis); e, por fim, a floresta recuperada (ver link - http://orlandograeff.blogspot.com.br/2016/10/a-floresta-recuperada-do-jardim.html), onde a vegetação de floresta semidecidual se regenera e que abriga grande variedade de plantas epifíticas (aquelas que vivem agarradas aos galhos e troncos).

O CONSÓRCIO PASSARINHO é responsável pela atualização dos Planos de Manejo das RPPNs contempladas pelo programa de fortalecimento, financiado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Sua equipe conta com Biólogos das áreas botânicas e ornitológicas (dedicadas às aves). Sua visita, na qual avistamos diversas aves, serviu para catalisar meu interesse pelas aves que aqui frequentam, às quais dedicava não muito mais que minha curiosidade ocasional. Bem, sendo tão comum o encontro com essas joias voadoras, no JARDIM FITOGEOGRÁFICO, pensei, nada melhor que realizar um ligeiro inventário de tudo que já vi pousar por aqui, nos últimos tempos.

Abaixo – a visita do pessoal do CONSÓRCIO PASSARINHO ao Jardim Fitogeográfico, em dezembro de 2016



Mas, essa coisa do Birdwatching é mesmo um vício e agora compreendo porque tanta gente se dedica a isso, adquirindo equipamentos especializados e gastando tanto tempo nas florestas e campos, esperando para encontrar pássaros e outras aves, que abundam no Brasil. Temos tudo para brindar os aficionados com avistamentos, seja em áreas silvestres, ou até urbanas. Minha amiga Inêz Raguenet, que reside em Curitiba, numa área bastante central, tem conseguido esplêndidos resultados, numa área aos fundos de sua residência, de onde despacha fotos e vídeos das aves que lhe visitam a casa. Aqui, no JARDIM FITOGEOGRÁFICO, minha catalogação preliminar apontou nada menos que SESSENTA E TRÊS ESPÉCIES, sem contar algumas outras que foram expurgadas da lista (como os urubus e andorinhas), além de muitas que ainda não consegui identificar.

Quando elaborei o projeto paisagístico da residência, que abriga o JARDIM FITOGEOGRÁFICO (ou vice-versa!), inseri diversas espécies de árvores e plantas, na ambientação, que eram atrativas de aves. A coleção de bromélias e orquídeas, por si somente, já é especialmente relacionável aos pássaros, que lhes visitam para polinizar e comer frutos (dos quais carregam as preciosas sementes). Mas, não deixei de inserir elementos físicos dedicados às aves: a Fonte da Musa, por exemplo, foi criteriosamente planejada para receber as aves, para seus necessários banhos, quando fazem sua higiene e refazem sua proteção oleosa das penas. Com um espelho d’água suspenso, com 5cm de profundidade, a Fonte da Musa permite o banho seguro de todos os pássaros, embora muitos prefiram se lavar na bacia que a musa segura, sobre seu ventre desnudo e de onde verte água, dia e noite.



Acima – desenho que originou o lago da Fonte da Musa
Abaixo – aspecto da Fonte da Musa, inserida no cenário local



Acima – canário-da-terra se banha na Fonte da Musa

A Seguir – “praia” congestionada, nos horários de grande movimento




Já tivemos ocasião, na qual DEZ ESPÉCIES de pássaros aguardavam a vez, para se banhar na Fonte da Musa (fora o número de aves, dentro de cada espécie!). Há outros lagos, além da floresta, que hoje atrai espécies silvestres, que não se arriscam fora dela. O CONSÓRCIO PASSARINHO e seus integrantes conseguiram aliciar mais um observador de aves, pois parece mesmo ser caminho sem volta. A RPPN Graziela Maciel Barroso conta com florestas de altitude, muito bem conservadas, onde torço muito para que seja implantado sistema de trilhas e refúgios apropriado. Mas, percebi uma coisa a mais, que se promete bastante importante, para a conservação da natureza, no local: o desesnvolvimento de outros “jardins fitogeográficos”, ou projetos similares, em residências e terrenos ociosos, servirá para incrementar imensamente a avifauna de Petrópolis, integrando-se ao manejo da RPPN.

A Seguir – ninho com ovos, no JARDIM FITOGEOGRÁFICO



Acima – filhotes do colibri besourinho-de-bico-vermelho (Chlorostibon lucidus), no Jardim Fitogeográfico

Sonho ambicioso? Não creio. Pelo que aprendi, depois da visita do CONSÓRCIO PASSARINHO, não há caminho mais producente para reaproximar os homens da natureza, que observando suas aves tão variadas, belas e canoras! Viva o Birdwatching! Viva a RPPN Graziela Maciel Barroso! Viva o JARDIM FITOGEOGRÁFICO!

A Seguir – flagrantes da bela e já rara águia-cinzenta (Urubitinga coronata) realizando sobrevoo do JARDIM FITOGEOGRÁFICO. Essa ave ameaçada já deu ares de sua graça em ao menos duas ocasiões



 A Seguir – canário-da-terra (Sicalis flaveola) são numerosos, na área do Jardim Fitogeográfico, chegando seus bandos a mais de 25 indivíduos, com variadas formas, associadas à idade e sexo






 joão-de-barro

Acima – o joão-de-barro (Furnarius rufus)é o pássaro mais respeitado, no Jardim Fitogeográfico, a despeito de seu porte: quando se zanga, põe todos os demais a voar para longe

Acima – sabiá-do-campo (Mimus saturninus) forrageando num camboatá (Cupania vernalis), na floresta recuperada


Acima – desenho da cambacica (Coereba flaveola), comum em nossos jardins, que compete lateralmente com os colibris, pelo néctar e insetos das flores



Acima – os arapaçus (família Dendrocolaptidae) são difíceis de identificar corretamente, embora diversos deles frequentem a floresta recuperada, em busca de insetos, nas cascas das árvores



A Seguir – os chopins (Gnorimopsar chopi) chegam aos bandos, entre a primavera e o verão, deliciando-nos com seu canto melodioso e suas peripécias, no Jardim Fitogeográfico




Acima – jacu (Penelope obscura) devorando frutinhos de camboatá, na floresta recuperada

Abaixo – maracanã (Primolius maracana), também a procura de camboatás



Acima – sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris), sobre a Musa, após o banho

Acima - sabiá-poca (Turdus amaurochalinus) sobre Vitex magapotamica, na floresta recuperada

Abaixo - vista do setor de vegetações abertas do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, com as montanhas da RPPN Graziela Maciel Barroso ao fundo