sexta-feira, 7 de novembro de 2014

BROMÉLIAS-IMPERIAIS – BELO FLORESCIMENTO E DOR DE CABEÇA PARA A CONSERVAÇÃO AMBIENTAL

              
Alcantarea imperialis
bromélia-imperial

               Na mais recente postagem do blog, falei sobre a conservação das populações naturais de bromélias-imperiais (Alcantarea imperialis), que agonizam nos paredões rochosos e afloramentos de pedra da Região Serrana Fluminense, mas também se escondem em Minas Gerais e São Paulo. Lembrei como os incêndios florestais, que se agravaram na estação seca de 2014, vêm contribuindo para o desaparecimento desta linda planta, amada pelos colecionadores, paisagistas e jardinocultores.

               Prometi que voltaria ao tema das bromélias-imperiais, agora falando um pouco de sua biologia, de sua produção na horticultura e das sérias ameaças representadas por outra frente relacionada ao homem: a coleta criminosa de exemplares, na natureza. Começo ressaltando que o calor incomum de 2014 proporcionou um belo espetáculo, ainda em curso, que é contraponto aos incêndios avassaladores, que consumiram milhares dessas magníficas bromélias, nas encostas serranas. Falo do intenso florescimento de muitas espécies do gênero Alcantarea, ao qual pertence nossa bromélia-imperial.

               Quem observa os jardins, espalhados pelas cidades, ou mesmo que presta atenção aos afloramentos rochosos que não foram calcinados, durante a estação do fogo, constatará um dos mais profusos florescimentos dessas plantas, nos últimos anos. Como por mágica, as grandes rosetas foliares das bromélias-imperiais e suas congêneres fizeram emergir verdadeiras árvores de flores – longas inflorescências, com até mais de dois metros de altura, bastante vistosas e coloridas.
Esse profuso florescimento de quase todas as Alcantarea spp. se deve ao prolongado período de forte radiação solar, que foi justamente o fator potencializador dos nefastos incêndios florestais. Essa foi seguramente a senha da natureza para que essas plantas produzissem flores, quase todas ao mesmo tempo.

               Muitas plantas do gênero Alcantarea renovam aí seus stands, através de profusa brotação lateral, maneira pela qual se espalham ainda mais pelo habitat. Podemos citar: Alcantarea geniculata, das encostas da Serra do Mar; Alc. glaziouana, que medra nos costões litorâneos do Rio; Alc odorata, espécie típica da região de Nova Friburgo; enfim, há uma série de espécies que nos proporcionarão o belo espetáculo de suas inflorescências e depois retomarão sua rotina biológica, aguardando novas oportunidades. Mas, infelizmente, não a bromélia-imperial! Ela morrerá, tão logo termine sua fase reprodutiva, quando deixará o legado de milhares de sementes plumosas, que normalmente se espalhariam pelo vento, renovando as populações serranas.

               Como afirmamos na postagem anterior, essa saudável diáspora há muito se viu interrompida pelos incêndios, que se espalham com facilidade, nas montanhas do Sudeste, facilitados pelo capim-gordura: As plantas adultas, algumas com mais de trinta anos, são consumidas pelo fogo e impedidas de deixar sementes; Plantas jovens não são mais vistas, na natureza, por serem carbonizadas junto com o capim-gordura, que cerca todas as populações. Somando-se a isso, há fator decisivo, para selar o trágico destino da espécie, no ambiente: A COLETA CRIMINOSA DE PLANTAS PARA O COMÉRCIO.

               A diferença fundamental entre aquela plantinha que você coleta, durante uma excursão, e as milhares de plantas criminosamente arrancadas pelos coletores é que você busca um exemplar, que talvez venha a integrar sua coleção; enquanto os coletores buscam ESTOQUES de plantas, para suprir mercados. Não estou aqui defendendo que sejam coletadas plantas, na natureza! Eu mesmo não pratico mais esta atividade, preferindo fotografá-las, em seu ambiente. Já imaginou se TODOS foram lá e coletarem plantas? Os tempos mudaram e tudo que fazemos é repetido por milhares de outras pessoas... As pressões sobre o ambiente são gigantescas!

     Mas, os coletores criminosos praticam o EXTRATIVISMO, que é a retirada de plantas, de forma massiva, para fins de comércio – ISSO É CRIME GRAVE CONTRA A NATUREZA!

               Infelizmente, o belo espetáculo a que assistimos, nos jardins de bromélias, representa o inevitável ponto de partida para novo e perigoso surto de coleta criminosa de bromélias-imperiais na natureza. Já há muita gente produzindo Alcantarea imperialis, com excelente qualidade. Mas, elas ainda são caras, por ocuparem muito espaço nos hortos e por demorarem muitos anos até se transformarem em plantas comercialmente interessantes. A DOR DE CABEÇA PARA A CONSERVAÇÃO AMBIENTAL COMEÇA AGORA: Deslumbrados pelas lindas plantas floridas, os leigos querem adquiri-las, para ter em casa... É a reação natural, numa sociedade de consumo como a nossa!

               Logo, logo, a pressão de demanda vai provocar nova corrida aos ambientes naturais, já combalidos, em busca de plantas adultas, com belas cores, grandes... E DE GRAÇA! Assim pensam os coletores extrativistas: O supermercado da natureza é inesgotável, basta ir lá e catar... a natureza repõe! Bem, já vimos que isso não é assim e aqui estamos nós, deixando nossa previsão fácil – AS BROMÉLIAS-IMPERIAIS CAMINHAM PARA A INEVITÁVEL EXTINÇÃO, NA NATUREZA!

INEVITÁVEL?


Inflorescências de Alcantarea glaziouana do Rio de Janeiro
Felizmente, essa linda espécie se multiplica lateralmente, renovando suas populações, ao contrário de Alc. imperialis


Alcantarea glaziouana da região de Nova Friburgo, estado do Rio de Janeiro
Essa espécie se destaca mais pela folhagem quase prateada - também se multiplica facilmente, por brotações laterais


A bromélia Alcantarea vinicolor é do estado do Espírito Santo
Iniciando seu florescimento - Seu cultivo é um pouco mais trabalhoso e as plantas apresentam atraente coloração vinácea - já são encontradas em cultivo


Curioso contraste entre Alcantarea glaziouana, em primeiro plano, e Alc. brasiliana, uma parente próxima de Alc. imperialis, que também partilha sua característica de morrer, após o florescimento


Várias espécies de Alcantarea florescendo simultaneamente, nos Jardins do Templo Fitogeográfico




segunda-feira, 3 de novembro de 2014

BROMÉLIAS IMPERIAIS – ELAS VÃO DESAPARECER?

               No início da década de 2000, quando era diretor de conservação da Sociedade Brasileira de Bromélias-SBBr, publiquei na REVISTA BROMÉLIA, juntamente com Yara Valverde, um artigo que, na época, não tenho dúvidas, foi considerado meio apocalíptico, bastante pessimista, ao menos para o estado de espírito vigente àqueles tempos, entre os aficionados e estudiosos das plantas desta admirável família botânica. Era intitulado – A INTERAÇÃO FOGO – CAPIM-GORDURA E O DESAPARECIMENTO DA BROMÉLIA-IMPERIAL (Alcantarea imperialis). Segundo nosso postulado, prevíamos o quase completo desaparecimento desta planta, na natureza, em função dos incêndios cíclicos, que avançavam pelos capinzais decadentes da Região Serrana do Rio de Janeiro.

               Esse prognóstico tinha como fundamento a franca invasão dos ecossistemas relacionados aos campos de altitude e afloramentos rochosos, especialmente no estado do Rio de Janeiro, onde atuávamos intensamente, pelo capim-gordura (Melinis minutiflora), uma gramínea importada da África, que se ambientou com perfeição nesses locais ensolarados, principalmente, nas vertentes serranas voltadas ao interior. Espalhando-se com velocidade estonteante, desde os tempos em que escapou do cultivo, nas antigas fazendas de gado leiteiro, mais de um século atrás, o capim-gordura ainda apresenta adaptação favorável com o fogo, que tolera bem e que lhe incrementa a capacidade de germinação das sementes.


A magnífica bromélia-imperial (Alcantarea imperialis), em seu habitat natural, na RPPN Graziela Maciel Barroso - Petrópolis - RJ

               Entremeando-se aos ambientes onde vegetavam as bromélias-imperiais, plantas de biologia tremendamente complexa, o capim-gordura funcionaria como combustível, durante os episódios cada vez mais frequentes de incêndios florestais, ocasionando a queima irreversível de grande parte dessas majestosas plantas. De fato, a gramínea funcionava como ferramenta de ascensão das chamas, morro acima, enquanto as bromélias-imperiais, “arrancadas” pelas chamas, desciam os paredões e ateavam fogo às matas abaixo, contribuindo para a propagação das chamas.

               Em nossas contínuas excursões, especialmente na Serra da Maria Comprida, em Petrópolis, e na região central da Serra dos Órgãos, além de suas inúmeras disjunções locais, constatáramos o estado lastimável das populações de bromélias-imperiais, que decresciam a olhos vistos, a cada incêndio que irrompia nas montanhas. Referimos, em nosso artigo, que já não eram mais encontradas populações intactas e que inexistiam seedlings (sementeiras) dessas plantas exclusivas dos afloramentos rochosos. Ou seja, além do gradual declínio das plantas adultas, não estava mais ocorrendo a renovação dos stands de Alcantarea imperialis.

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O agrônomo Alexandre Biancatto gravando imagens de uma população ainda intacta de bromélias-imperiais, na RPPN Rogério Marinho, no final da década de 1990

Após o grande incêndio que acometeu a RPPN Rogério Marinho e parte do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, em 1999, grande parte das populações naturais dessas bromélias foi aniquilada

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               Sabendo que essas imensas bromeliáceas chegam a demorar até quarenta anos para florescer e gerar sementes, processo único em suas vidas, ao qual se segue sua morte, inferimos o que seria mais lógico: DALI A QUARENTA ANOS, NO MÁXIMO, A PLANTA ESTARIA EXTINTA DA NATUREZA. Passados cerca de 15 anos, desde que imaginamos este sombrio cenário, faltariam cerca de 25 anos para que as bromélias-imperiais desaparecessem dos costões rochoso da região serrana. Infelizmente, ao final do mais grave ciclo de incêndios florestais a que já assistimos, que ocorreu no inverno seco da Região Serrana, adentrando a primavera, neste ano de 2014, a simples verificação visual das populações sobre as rochas nos induz a imaginar que demorará bem menos para que elas sejam definitivamente varridas da natureza.

               Há alguns fatos, digamos assim, positivos, que modificaram relativamente este cenário de que falamos. Entre eles, ainda se verificam os resultados (ainda que tímidos) de iniciativas que remetem ao final dos anos 1990 e à década passada, onde foram implantadas RPPNs (Reservas Particulares do Patrimônio Natural), com manejos preventivos ao fogo e protetores contra a coleta criminosa (outra frente grave de pressão). Em diversas áreas da região, o surgimento dessas reservas conseguiu proteger alguns remanescentes de populações de plantas rupícolas, entre elas a bromélia-imperial. São exemplos: RPPN da Limeira, na Serra da Maria Comprida; RPPN Rogério Marinho, no Vale do Mata Porcos; RPPN Graziela Maciel Barroso, próximo a Itaipava.

               Outro advento importantíssimo foi a chegada ao Parque Nacional da Serra dos Órgãos, entre Teresópolis e Petrópolis, de um núcleo do Sistema Prev-Fogo, do Ibama, assim como a organização de brigadas especializadas anti-incêndios florestais, com guarda-parques treinados, como aquela que tem atuado a partir da Reserva Biológica de Araras, aos pés da Serra da Maria Comprida. Os governos estadual e federal também passaram a ceder aeronaves e efetivos dos Bombeiros, para reforçar o combate às chamas. Porém, o poder de destruição desses incêndios florestais é estupendo e se tornam inevitáveis os estragos, quando atingem altas montanhas, onde o combate, tanto quanto a prevenção, é quase como “enxugar gelo”, gerando imensas frustrações.

               Mas, talvez a mais determinante razão para concluirmos que nosso sinistro prognóstico continua valendo, talvez piorado, é a generalização do descontrole do poder público dos municípios sobre a questão do lixo, aliado à danosa permissividade com o uso do fogo, como estratégia particular de “limpeza”. TODOS OS FOCOS DE INCÊNDIO TIVERAM ORIGEM NAS MÃOS DO HOMEM. Isso deverá ficar bastante claro, haja vista a mais absoluta impossibilidade de ocorrer combustão espontânea, que deve ser colocada no terreno da fantasia. Além disso, não foi muito difícil perceber que o céu permanecia indefectivelmente claro, afastando outra desculpa frequente: os raios. O que mais perturbou, contudo, foi perceber que boa parte dos incêndios foi criminosa e propositalmente ateada, em margens de estradas e ruas. PIROMANIA, nada mais que o prazer doentio da destruição pelo fogo!

               Tolerando o uso do fogo – que é vedado pela legislação municipal – as prefeituras deixam a Deus dará a prevenção aos incêndios florestais, tornando-se cúmplice pela omissão. A população deseducada e que não conta com políticas sérias de destinação de resíduos sólidos contribui para o irreversível desaparecimento das bromélias-imperiais, tanto como para a extinção de seu mais precioso recurso – ÁGUA. Aliás, cabe lembrar: As bromélias, de modo geral, são importantíssimas no ciclo das águas, nas montanhas fluminenses, por reservar farta quantidade dela, dentro de seus tanques, verdadeiros aquíferos suspensos, nas rochas e nas árvores da floresta.


               O assunto é vasto! Voltaremos a tratar dele, em breve.



Acima - Uma bromélia-imperial irreversivelmente danificada pelo fogo, na RPPN Rogério Marinho, em Petrópolis
Abaixo - Um velho exemplar de Alcantarea imperialis, na rocha, na região de Pedro do Rio, em Petrópolis, nos anos de 1990 - extinta



Abaixo - O fogo sempre tem início nas mãos do homem. Em Itaipava, ele é comumente utilizado na eliminação de resíduos sólidos, sob o olhar complacente da prefeitura. Dali, escapa para as florestas e afloramentos rochosos, ocasionando danos irreparáveis



BROMÉLIAS – MULTIPLICADORAS DA VIDA NAS RESTINGAS

Artigo publicado no Boletim da Sociedade Brasileira de Bromélias-SBBr , em 2001, e atualizado em julho de 2010, para disponibilização no portal da internet Pluridoc www.pluridoc.com 

Bromélias são plantas da família botânica Bromeliaceae, de distribuição praticamente exclusiva no Continente Americano. As chamadas bromélias-tanque, espécies que são capazes de guardar água no imbricamento de suas folhas, representam importante capítulo na diversidade biológica das restingas arenosas, que caracterizam grande parte da paisagem litorânea do Brasil. Mesmo se tratando de uma vegetação estritamente relacionada à Mata Atlântica, bioma abundante em águas, as restingas são ambientes de notável restrição hídrica. Assentadas sobre areias litorâneas, de origem Quaternária, as restingas são pobres em aquíferos e sua fauna enfrenta sérias restrições com relação à disponibilidade de água.

Desta forma, em determinadas regiões de restinga, as bromélias são os únicos locais onde os animais poderão encontrar este recurso essencial. Existem espécies que podem guardar diminutas quantidades de água – menos do que o conteúdo de um copo, tais como nos gêneros Neoregelia, Vriesea e Aechmea. Outras conseguem armazenar tanto quanto o conteúdo de um balde, ou mais até, como ocorre nas plantas do gênero Alcantarea, que alternam sua ocorrência, nos costões rochosos marginais às planícies litorâneas. A água das bromélias não é pura, apesar de se apresentar frequentemente clara e límpida. Ela contém sais minerais, ácidos orgânicos e toda uma coleção de organismos que vivem nela ou dela se utilizam para alguma parte de suas vidas.

Os animais podem utilizar as bromélias apenas para se dessedentar, no ambiente hostil e quente da restinga: Desde cachorros do mato até quatis bebem águas nas bromélias, sendo elas, por vezes, sua única fonte de água. Outros animais frequentam o tanque das bromélias para caçar ou apenas para molhar a pele, como é o caso dos anfíbios e répteis, além de aves e até mesmo pequenos mamíferos, entre eles o mico-leão-dourado, nas matas litorâneas do Rio de Janeiro.

Existem outros bichos que depositam seus ovos nas bromélias, para que suas larvas passem ali os primeiros momentos da vida: pererecas, mosquitos, libélulas e certos crustáceos. Aliás, existem formas de vida que passam a vida inteira dentro dos tanques das bromélias e, nas restingas e na Mata Atlântica, alguns deles são exclusivos desse ambiente.

Tão variada é a fauna dos tanques das bromélias quanto complexa, sendo comum existir uma estrutura extremamente especializada, respeitando horas do dia e estações do ano para suas atividades. Numa restinga, as bromélias situadas na borda sul das moitas de vegetação terão uma fauna diversa daquelas encontradas na borda norte. Igualmente, as plantas situadas na sombra terão comunidades animais diferentes daquelas que vicejam em pleno sol. Animais observados na água das bromélias durante o verão serão diferentes daqueles encontrados durante o inverno, não somente em quantidade, mas também em qualidade.

Por isso, as bromélias são reputadas como multiplicadoras de vida na natureza. Delas dependem inúmeras formas de vida extremamente exclusivas e importantes para o restante dos ecossistemas e até para o homem. Os pesquisadores consideram as bromélias como indicadores biológicos ou simplesmente bioindicadores, uma vez que sua presença, em maior ou menor número na vegetação, indicará o grau de conservação do sistema ecológico local. Além da água que as espécies tanque-dependentes armazenam, as bromélias possuem imensa interdependência com aves, morcegos e insetos que as polinizam ou delas dependem para comer os frutos.

Preservar as bromélias na natureza é tarefa essencial para manter a qualidade do ambiente. A destruição dos ecossistemas de restinga, assim como a coleta de suas plantas representa perigosa pressão, no sentido da extinção de inúmeras espécies de bromélias e de toda uma variada fauna ainda pouco conhecida pela ciência.


Bromélias representam determinantes ambientes multiplicadores de vida, nas vegetações que cobrem as restingas arenosas do litoral brasileiro:
Acima Neoregelia spectabilis exibindo seu tanque reservatório de água. As flores brancas emergem em meio ao poço central de suas folhas e seus frutos representam importante fonte de alimentação para pássaros.
Abaixo – População de bromélias Hohenbergia castellanosii, numa vegetação de restinga do Recôncavo Baiano – Plantas em crítico estado de ameaça, devido à coleta criminosa e à destruição da vegetação