quinta-feira, 15 de novembro de 2012

VINHOS, ARTE E BOTÂNICA – OS UMBUS DE NAVARRO CORREAS


          Tenho publicado algumas crônicas sobre vinhos e pratos, aqui no blog, talvez fazendo com que alguns me imaginem um expert – um sommelier – ou até mesmo um connaisseur. Devo esclarecer que não é bem isso. Sinto se decepciono os mais afoitos apreciadores de vinhos, que gostam de seguir algumas regras ou que pertencem a tribos do tipo Club Du Taste dun Vin. Sou um artista, uma pessoa que aprecia o belo e que valoriza as sensações. Por isso, procuro a beleza e devo dizer: A beleza chega pelos olhos, pelo olfato, pela pele e pelo gosto também. Assim, deixe-me iniciar este texto por informar que sim aprecio os bons vinhos, mas sem compará-los a couros; terras de determinadas regiões; bananas e outros frutos. Não seria capaz, na mais ampla acepção da afirmação.

          Bebo alguns vinhos, principalmente seguindo seu terroir, em geral a partir de conhecimentos obtidos em minhas viagens. Uma vez entendendo a região em que são produzidos; a cultura de seus povos; seus solos; as vegetações que por lá crescem e; principalmente, as pessoas que os fabricam, acabo seduzido por sua mais bela realização – seus vinhos. E será sobre a estética de um conjunto de rótulos que falarei hoje, literalmente pelos rótulos dos vinhos da Bodega Navarro Correas, de Mendoza, na Argentina, onde estive, em 2006, passando a me envolver sem retorno com suas paisagens e seus vinhos – o magnífico terroir de Mendoza.


Navarro Correas - Coleccion Privada
Cabernet - Merlot - Malbec
safra 2003

          Mendoza é um lugar fascinante, não somente por sua estonteante paisagem, que separa o deserto e a Cordilheira dos Andes, mas também pela beleza da cidade completamente arborizada, onde cada rua é irrigada por um rego de águas cristalinas, que vêm diretamente dos Andes. Não é só no viço dessas árvores e do Parque San Martin, regados por canais artificiais, nos quais correm abundantes essas águas transparentes, que reside a beleza de Mendoza. Seus vinhedos prósperos, que se concentram principalmente na região de Luján de Cuyo e Godoy Cruz, também absorvem essa água mágica da Cordilheira. Umedecendo os solos férteis aos pés da Cadeia Andina, que se formaram pela lenta deposição de cinzas vulcânicas – loess – essa água límpida ajuda a formar o terroir mendoncino, um dos maiores milagres enológicos de nosso Continente.
          Sempre que vou a alguma região vinícola, indago com seus habitantes quais são seus rótulos preferidos, ficando em segundo plano o marketing das bodegas ou o preço das marcas. O habitante do lugar possui em suas papilas gustativas e no seu olfato impressas as melhores experiências de sua neurolinguística nativa. Amam sua terra e, assim sendo, sobressai a eles o terroir local, desde a mais tenra infância. Procurando saber o que bebiam os mendoncinos, em 2006, uma das unanimidades eram os vinhos da Bodega Navarro Correas (www.navarrocorreasreserva.com ). Na época, trouxe de minha longa viagem de mais de 15.000km apenas uma garrafa, que me indicaram: Navarro Correas – Coleccion Privada – Cabernet  + Merlot + Malbec – safra 2003, que foi consumida em ocasião especial e que deixou impressões as mais definitivas sobre este corte de uvas, que fabricam até hoje, com absoluta regularidade e qualidade.
          Dá para ver que me tornei admirador dos vinhos desta bodega, que bebo fielmente, sendo bastante recomendável a linha chamada ALEGORIA, cuja qualidade acabei conhecendo, mais tarde, em 2008, num espetacular restaurante em San Martin de Los Andes, na Patagônia, cujo curioso nome era Ku. Acompanhou um churrasco de ovelha argentina igualmente inesquecível. Mas, o que motivou este texto, na verdade, foi um aspecto da Bodega Navarro Correas que somente veio ao encontro de minha obsessão pela beleza e, como muitos sabem, pela Botânica. Esta vinícola tem adotado, há muito tempo, a prática elogiável de veicular ARTE, nos rótulos de seus melhores vinhos. Indissociavelmente, obras de artistas argentinos, como pode ser visto nas imagens que anexei. Estratégia perfeita, devo afirmar: Associar a beleza das sensações de seus vinhos à beleza das telas que decoram seus rótulos.
          Em meio a isso, encontrei algumas garrafas de Navarro Correas – Coleccion Privada – Cabernet + Merlot + Malbec – safra 2007 - que traziam estampada a imagem dos umbus, que são curiosas árvores que habitam o sul do Brasil, mas principalmente a Argentina e o Uruguay, sendo por lá conhecidos como ombués. Assinavam as telas Nicolás Garcia Uriburu. Umbus são plantas notáveis, cuja identidade botânica é Phytolaca dioica (família Phytolacaceae). Habitam as florestas subtropicais e produzem imensos intumescimentos na base de seus caules, o que já lhes rendeu extensa citação nos cancioneiros gaúchos, uruguaios e argentinos, nos quais se conta que as mulheres e crianças se escondiam entre seus troncos (alguns ocos) e assim escapavam dos invasores inimigos, nas revoluções, que matavam os homens e violavam suas esposas e filhas.


Rótulo do Navarro Correas - Coleccion Privada - Cabernet - Merlot - Malbec - safra 2007
com a figura do umbu - Phytolaca dioica pintada por Nicolás Garcia Uriburu


          Adoro os umbus e pude vê-los nas paisagens que percorri, este ano (2012), durante minha Expedição Fitogeográfica 2012. Também os encontrei plantados nos parques de Montevideo e de Buenos Aires, onde não apenas enfeitam a paisagem urbana, mas também servem de abrigo aos namorados ou aos que apenas desejam se abrigar sob sua sombra, para ler ou tirar uma soneca. Vivas para os umbus; Viva os excelentes vinhos da Bodega Navarro Correas; VIVA O BELO! VIVA A ARTE!


Acima - Vinhedos Cabernet em Mendoza


Acima - Um umbu - Phytolaca dioica - num parque de Buenos Aires
Abaixo - Uma argentina lê seu livro sob a sombra agradável de um umbu.


Abaixo - Flores de um umbuzeiro, na margem do rio Uruguay, entre Argentina e Uruguay, fotografado durante a Expedição Fitogeográfica 2012





sábado, 3 de novembro de 2012

LA RIOJA – ARGENTINA – A FORÇA DA PRÉ-CORDILHEIRA


          No início de 2006, viajamos através dos semidesertos do oeste argentino, partindo de Foz do Iguaçu e passando por Corrientes, Santiago Del Estero e Catamarca, até atingir a Pré-Cordilheira dos Andes, junto à qual seguimos até Mendoza, lendária capital dos vinhos. Foi uma experiência inigualável e muitas fotos podem ser vistas sobre esta expedição no álbum do Flickr - http://www.flickr.com/photos/12389332@N08/sets/72157601726384796/ . Durante esta admirável jornada, na qual experimentamos variações climáticas dramáticas, experimentando calores da ordem de 45oC (Santiago Del Estero) e frio andino, na passagem da Cordilheira ao Chile, conhecemos a zona produtiva de La Rioja, verdadeiro oásis plantado aos pés da Pré-Cordilheira.

          Nossos objetivos, tirando o simples prazer da viagem em si, eram predominantemente naturalistas: Interessavam-me aspectos biogeoclimáticos que me levariam a compreender melhor algumas vegetações brasileiras, que venho até hoje estudando (veja o blog relacionado – Expedição Fitogeográfica 2012). Porém, não havia como ficar indiferente ao quadro revolucionário que víamos, em La Rioja: Grandes plantações de oliveiras e videiras irrigadas com as águas límpidas trazidas por canais, das elevadas montanhas, vicejando sobre férteis solos de loess vulcânico, que abundam ao longo dos Andes.

          Muitos anos depois, já capturado pelos prazeres enogastronômicos, perguntava-me por que não deparava com vinhos produzidos naquela singela paisagem de tintas espanholas. Pois foi na mesma Malambo de Buenos Aires (que citei no post anterior – www.malamboalmacen.com.ar) que vim a encontrar um rótulo que me excitou a curiosidade: Collovati, Malbec, 2008, produzido na região de Soñogasta, em plena Rioja Argentina. O produto foi elogiado pelo dono da Malambo, que venho considerando meu mais producente encontro enológico recente, naquele país.

          Não possuo uma adega muito grande e nem precisaria. Moro numa das maiores concentrações de boas lojas de vinhos do Rio de Janeiro – Itaipava. Dessas lojas, ainda virei a falar, futuramente, por que bem merecem. Mas, o fato é que meu estoque nunca ultrapassa umas trinta garrafas de vinhos escolhidos aqui e ali, durante viagens e garimpos diversos. Bem, residindo em meio a tantas adegas bem conduzidas, ao meu redor, por que gastar espaço em minha casa, se posso repor meus estoques em alguns minutos, com alguns dos melhores rótulos do Planeta? Depois, acabamos sempre consumindo nossa coleção, num ritmo que impede armazenamento prolongado.

          Assim, abriu-se espaço para que organizássemos uma “carta de vinhos” particular e manuscrita, como tudo mais o que faço. Nesse caderno dos prazeres, registrei esses dias minhas impressões sobre o potente Malbec riojano da Collovati: “Excelente! Acompanhando contra-filés argentinos (que estavam ótimos), sente-se o poder do terroir da pré-cordilheira”. Matei minhas saudades de La Rioja, aonde pretendo voltar, muito brevemente. Se possível, prevendo uma parada mais cuidadosa na região de Soñogasta, para conferir de perto este terroir que conseguiu originar um Malbec possivelmente superior a muitos daqueles produzidos na tradicional Mendoza, algumas centenas de quilômetros ao sul.



Paisagens de La Rioja, na Argentina – Imensos cactos colunares, sobre os quais somente faltam alguns daqueles linces que vemos, nas imagens de desertos americanos do norte; Infindáveis montanhas da Pré—Cordilheira, que foi erguida nos últimos cem milhões de anos, empurrada pelo soerguimento monumental dos Andes.



O riojano Collovati e nossa Carta de Vinhos particular