domingo, 24 de abril de 2011

O OVO DA SERPENTE – VERSÃO BRASIL

          Imagino que alguns de meus amigos receberão este texto com quatro pedras nas mãos, vendo em mim uma versão atualizada daqueles militares reformados que, nos anos de 1980 (missão cumprida), gastavam seu tempo jogando vôlei na Praia de Ipanema e diziam: -“Eu pago meus impostos e ficam esses vagabundos, que não têm nada para fazer, assaltando e pedindo dinheiro nas ruas...” Eram uns reacionários, evidentemente, com aquela sensação de que eram os “caras bonzinhos” e que, uma vez que pagavam seus impostos (será?), podiam apontar o dedo para as mazelas da sociedade, requerendo “imediato cumprimento das regras”. Juro para vocês que não sou o caso. Aliás, isso ficará explícito, pela minha abordagem, na qual poderá concluir, que sou tão somente um cara comum, que cresceu, amadureceu e decidiu rejeitar qualquer rótulo direcional, em minhas convicções políticas – nem esquerda, nem direita... O JUSTO apenas!

          Lembro-me bem de uma acalorada discussão, entre meu querido amigo-irmão Paulo Raguenet e eu, por volta de 1984, sobre a figura política de Leonel Brizola, que fora um dos mais célebres exilados brasileiros, durante a ditadura, e que voltara ao país, retomando sua carreira política, tornando-se Governador do Rio de Janeiro, com ares de presidenciável. Eu era brizolista empolgado e Paulo quase deixou de ser meu amigo, por conta disso. Conto isso, sem medo das caras feias dos mais conservadores, apenas para mostrar uma evolução de fatos bastante lógica e barrar os impulsos sectários de alguns outros, digamos assim, esquerdistas da atualidade, que, lendo este blog, já estavam a juntar paus e pedras, antevendo um “papo de militar da rede de vôlei da praia”.

          A dura conversa, travada numa festa, naquela época, quase afastou o Paulo de mim, não fosse a intervenção de alguns amigos mais arejados, que acabaram com o papo de botequim, utilizando engraçadas técnicas de “deixa-disso”. O cerne da discussão eram justamente as políticas liberalizantes de Leonel Brizola, com referência às classes menos favorecidas do Rio, que nós, da Zona Sul, enxergávamos sob ótica distorcida como um potencial monte de criminosos, que o Governador tentava proteger, de algum modo. A garotada mais envernizada, da beira da praia, pensava que Brizola estava “facilitando a vida dos marginais”, quando decretou a proibição da subida dos morros pela Polícia, para evitar os níveis de violência que produziam mortes indiscriminadas de meliantes e simples moradores das favelas.

          O que a história conta, nos dias de hoje, é que se chocava, naquele instante, o Ovo da Serpente da sociedade violenta que vivemos hoje, para apropriar-me do título do filme marcante de Ingmar Bergman, de 1977, tendo no elenco David Carradine e Liv Ullmann. O Ovo da Serpente tratava da gestação silenciosa do Nazismo, na Alemanha Pré-Segunda Guerra, através de teorias conspiratórias, muito imaginativas. Bem, não deixei de continuar admirando boa parte dos postulados de Brizola, sob os quais, aliás, nasceu a carreira política da atual Presidente da República, que era do PDT. Mas, de certa forma, ainda que não concordasse com as invasões mortíferas da Polícia, da forma como era feita, nos morros cariocas, da década de 1980, obrigo-me a identificar ali um erro fundamental, em nossa história recente: A perda da AUTORIDADE.

          Naquela época, um jovem estudante da Universidade Rural, agitado pólo de agitação esquerdista, somente fora capaz de enxergar os PRÓ da política frouxa do Governador, até por que nossa Polícia conseguia ser ainda pior do que a de hoje em dia. Conhecia muita gente pobre, de comunidades e bairros periféricos, e entendia que o mal não obrigatoriamente morava nos morros, assim como também não era cada menino da Zona Sul, automaticamente, um futuro cidadão exemplar, pertencente a uma casta abençoada. Mas, imaturo que era, não percebia os CONTRA da decisão pura e simples de não subir nos morros e nada mais fazer, para reatar com a ORDEM, sem perder a AUTORIDADE. Afinal, essas duas palavrinhas significavam tudo de careta que se poderia ver no pensamento político pós-ditadura. Que ledo engano!

          O tempo passou e, dias atrás, recebendo em casa uma amiga daqueles tempos da Rural, que vive nos Estados Unidos da América (USA), há quase trinta anos, acabei de perceber o quanto fomos inocentes, com nossas idéias esquerdizantes, nos tempos de Brizola. Cristina Neves mora em Topeka, no Kansas, e nos relatava sobre a região e a cidade em que mora, dizendo-me muito adaptada (Casou por lá e tem uma linda filha, com os mesmos 18 anos da minha). Contava-nos que as pessoas são OBRIGADAS, por lei, a andar com seus cães na coleira; Que são obrigados a PARAR nos cruzamentos, onde existem placas de PARE (Como aqui há também!); Que não podem fazer “puxadinhos” em suas residências; Que são obrigados a PARAR nas faixas de pedestres; Que não podem ultrapassar ônibus escolares, quando estão parados, pegando ou deixando crianças... Enfim, um monte de regras que (Incrível!) TODOS CUMPREM, em seu dia a dia.

          Mas, o mais inacreditável de tudo isso, que já virou folclore, contado pelos milhares de brasileiros, que viajam aos USA, retornando maravilhados (Mas que não o fazem em sua própria terra!), surgiu quando lhe perguntei QUEM fiscalizava o cumprimento de tantas regras: No caso do trânsito, todos sabem, sempre aparece um Policial (incorruptível) para aplicar uma bela MULTA nos infratores – SEM MUITA CONVERSA! Mas, no caso das posturas urbanas... Cristina nem sequer sabia quem eram os agentes fiscais! “Sabe que nunca reparamos nisso? É que TODOS CUMPREM AS LEIS E DISPOSIÇÕES!” E, quando alguém resolve dar uma “deslizada”, algum vizinho aparece na janela e chama atenção... O (quase) transgressor, então, imediatamente corrige seus atos. A AUTORIDADE  encontra-se impressa, estampada na mente dos cidadãos.

          Aqui em nossa linda terrinha, há muito, rompeu a casca do ovo a serpente da desordem e do caos, gestada por anos te doce tolerância. “Vamos ter bom senso! Não dá para levar tudo a ferro e fogo...” E assim prosperou a sociedade tolerante-leniente em que vivemos, repleta de grandes crimes, incensados pela tolerância aos delitos de menor gravidade. A sensação de impunidade, não se pode duvidar, estimula a quebra do pacto social da civilização. Todo mundo acha que a multa ou a sentença judicial são sempre “injustas”, ora por que “não precisava ser tão dura”, ora por que atingiram a nós ou algum amigo. Mas, devemos nos recordar do que dizia Goethe: “Prefiro a injustiça à desordem”.

          Ainda existe outra diametral diferença entre as sociedades americana e brasileira, diferença esta que é irmã bastarda da impunidade: A violência, que nos impede, aqui na doce terrinha, de chamar atenção de nossos concidadãos pelo que de errado estejam a fazer – furar um sinal, não respeitar uma faixa de pedestres etc. Falo das reações usualmente violentas daqueles que, chamados ao seu dever, se vêem ofendidos em sua honra ou “masculinidade” e capazes são de responder aos socos ou à bala à reprimenda. Tudo resultado da DESORDEM, tudo resultado da IMPUNIDADE, tudo sinais da FALTA DE AUTORIDADE. Leis, nos as temos aos montes e das melhores. Falta-nos determinação de cumpri-las, a qualquer custo, pois a lei serve mesmo para isso: Para protegermo-nos uns das vontades irrefreáveis dos outros.

          Não penso hoje que Brizola tivesse muitas alternativas, nos 1980s, para por amarras na brutalidade de uma Polícia violenta e fratricida, que subia os morros com a civilidade de um tanque de guerra. Mas, sim, gestava-se ali, com certeza, através do perigoso precedente da tolerância, o OVO DA SERPENTE da desordem que hoje nos aniquila o ânimo de nos transformarmos definitivamente num país de PRIMEIRO MUNDO.    


sábado, 16 de abril de 2011

RECICLAGEM E DESENVOLVIMENTO

          No jornal Bom Dia Rio de 14 de abril de 2011, noticiou-se que a reciclagem de lixo vem decaindo, ano após ano, na Cidade do Rio de Janeiro, tendo como principais razões, primeiro, o problema logístico, relacionado às dificuldades de separação, coleta e transporte; em segundo, por conseqüência da primeira, devido à gradativa desmotivação da população. Segundo dados da COMLURB – Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro – o volume total de lixo reciclado caiu de 10.377 toneladas, em 2008, para 8.292 toneladas, no ano passado. Ou seja, o que já era pouco, tornou-se pouquíssimo!

          O telejornal mostrou casos tristes em que condomínios inteiros, com centenas de famílias, ainda separam seu lixo, não sem trabalhosos protocolos internos, apenas para vê-lo atirado no interior dos mesmos caminhões que coletam o lixo convencional, indo parar nos lixões. Tudo isso é bastante triste e apenas mostra que caminhamos na contramão dos países desenvolvidos, com os quais tanto tentamos nos parecer. Nosso problema é a (falta de) CIDADANIA, uma palavra que parece ter saído de moda ou caído em desgraça, talvez por ter sido apropriada por todo tipo de escroques, nos últimos anos, para ser utilizada em discursos demagogos, que lhe “queimaram o filme.”

          Eu mesmo me lembro de ter atravessado um ano inteiro, quando residia no Vale do Cuiabá, em Petrópolis, muitos anos passados, separando cuidadosamente o lixo, em minha casa: Plásticos, garrafas PET, papéis (sim, ainda utilizávamos papel para nossos escritos!), latas etc. Cada coisa tinha seu lugar e realmente reduziu-se muito, nessa ocasião, o volume de lixo que destinávamos à coleta da Prefeitura. Enquanto se acumulavam imensos volumes de recicláveis, esperávamos descobrir o que fazer com o produto de tanto trabalho. Para encurtar esta parte triste da história, acabamos vendo todos aqueles sacos e caixas, cuidadosamente separados, seguindo para o lixo comum, exatamente como os condomínios do Rio hoje vêem o seu.

          Os especialistas consultados pelo Bom Dia Rio recomendam que não sejam desmobilizados os esforços de cidadania dessa gente frustrada, para não perderem o “habito” de separar e reciclar. A COMLURB promete um grande projeto que pretende levar os níveis de reciclagem atuais, de 1% do volume total, até 5%, nos próximos anos. Uma das estratégias a serem adotadas, bastante apropriada, para esses tempos, é a profissionalização dos catadores de lixo do aterro de Gramacho (Duque de Caxias), recentemente fechado, transformando-os de seu estado de marginalidade social para agentes de desenvolvimento sustentável. Tomara que consigam! Assim como não conseguimos hoje desenvolver nossa economia, pela simples carência de recursos humanos, já existe falta de catadores de lixo – Uma das justificativas apresentadas para o fracasso da coleta seletiva no Rio.

          Para aqueles que, assim como eu, residem em áreas menos urbanizadas, onde existem jardins, lavouras e mesmo florestas, tenho algumas dicas sugestivas de como começar a tornar mais leves suas consciências, enquanto o poder público não consegue fazer sua parte, ou seja, a coleta seletiva. Falo, principalmente, da matéria orgânica de origem vegetal. Ressalto que isso não exclui a importância de qualquer iniciativa para estimular a reciclagem dos demais materiais. Porém, no caso da matéria orgânica, dois aspectos estimulam a imediata adoção de seu aproveitamento: 1) O lixo dos países em desenvolvimento, como o nosso, apresentam grande percentual de matéria orgânica, quase 80% do total, o que revela a natureza relativamente fresca e farta de nossa dieta; 2) A matéria orgânica é um dos melhores adubos para os solos tropicais.

          Reciclando matéria orgânica, estamos colaborando com dois pontos essenciais: A diminuição expressiva do volume de lixo transportado e disposto na natureza e; A recuperação dos solos fracos que nos circundam. No primeiro aspecto, a sociedade deveria esperar que o poder público, por se ver aliviado das pressões logísticas, direcionasse os recursos para atacar sua principal carência – A COLETA SELETIVA que é fundamental para viabilizar qualquer projeto de reciclagem. Quanto ao segundo aspecto, assume capital importância para a economia de baixo carbono. Estranho? Não, não é tão estranho. Deixe-me explicar, antes de seguirmos para as dicas práticas de reciclagem da matéria orgânica.

          A região na qual vivemos já foi praticamente toda coberta por florestas – a Mata Atlântica – que regulava nossos processos climáticos, hidrológicos e de solos. Sua supressão, como se pode imaginar, foi acompanhada da queima de praticamente toda a sua biomassa, coisa que persiste lamentavelmente, até os dias atuais. Essa queima direta das florestas, que ainda ocorre, impedindo sua regeneração, mesmo onde ela se vê desejada, é acompanhada da queima constante de matéria orgânica do lixo, na maioria das cidades médias e pequenas da Região Serrana Fluminense, o que alimenta ainda mais a taxa de gás carbônico da atmosfera. Enquanto isso, os projetos de recuperação de áreas desmatadas carecem justamente deste tipo de adubo e, sem ele, não conseguem ir para frente, mesmo com a aplicação de pesadas e caríssimas doses de adubos químicos.

          Adicionalmente, os condomínios – como aquele em que moro – são cheios de injustificadas áreas gramadas, sem qualquer utilização que não seja a rejeição à floresta (e seus mosquitos, aranhas, aves e toda sorte de seres “estranhos e assustadores”). Daí, a semana é passada sob o som desagradável das roçadeiras a gasolina – e sua emissão contínua de CO2 – que produzem farta quantidade de lixo orgânico que... é QUEIMADA, colaborando igualmente para o efeito estufa. Em meu condomínio, particularmente, a única amenização para este desastre ambiental é a proibição da queima de resíduos, o que acaba gerando pesados ônus de coleta e transporte para outras áreas onde, com certeza, a preciosa matéria orgânica é... QUEIMADA.

Minha solução – já implementada, às minhas próprias custas, como deve ser – foi a seguinte:

1)    1) Jardins de baixa manutenção, com apenas a quantidade de áreas gramadas suficientes;
2)      Reflorestamento de todas as demais áreas, de forma a reduzir a produção inútil de lixo de podas e corte de gramados, além de melhorar – em muito – minha climatologia, além de encher minha casa de passarinhos;
3)    2) Recuperação de TODOS os resíduos orgânicos vegetais, sem exceção (o que inclui os restos de cozinha), gerando redução drástica de volume em meu lixo e, por conseguinte, de TODO o condomínio;
4)    3) Trituração de resíduos, para aumento da velocidade de decomposição, na composteira. Galhos mais grossos viram lenha para minhas pizzas, depois de devidamente secos – às vezes, viram adubo para algumas de minhas orquídeas, que apreciam madeira em decomposição;
5)     4)Compostagem em local adequado, que deve ser coberto – para evitar vetores (ratos, baratas etc.) – e dotado de fundo cônico, para coleta do precioso chorume. O chorume, que é um efluente, pode ser danoso ao lençol freático, mas se torna o melhor dos adubos, se utilizado na rega de hortas e plantas – Veja o desenho que postei adiante;
6)    5)  Depois de decomposta, a matéria orgânica se transforma numa massa escura e friável, que deve ser drenada e peneirada. Os detritos ainda não totalmente decompostos são levados de volta à composteira, para continuar “sumindo”;
7)     6)A melhor parte: O adubo orgânico deve ser aplicado PREFERENCIALMENTE EM COBERTURA (sem incorporação no solo) nos canteiros, hortas e, em meu caso, sobre o solo da floresta, contribuindo para sua lenta recondução à biomassa florestal, um dia torrada, no passado triste de nossa região.

Posso dizer que estou muito longe ainda de ter de volta toda minha preciosa matéria orgânica, dependendo da aquisição de outras fontes, tais como húmus de minhoca ou substratos industriais. É claro que existem muitos projetos alternativos de composteira, adequados a cada situação. Podem ter certeza: Não existe a menor possibilidade, em nosso clima e condições ecológicas, de atingirmos tão cedo um auspicioso superávit de produção de matéria orgânica, em nossas casas e condomínios, o que poderia gerar qualquer tipo de excesso. Portanto, experimentem sem medo! A compostagem pode ser ajudada por fosfatos naturais e outros adubos. Seu melhor efeito é sobre nosso sono: DORME-SE TÃO BEM, SABENDO DO BEM QUE ESTAMOS FAZENDO!




Vista típica dos condomínios da Região Serrana Fluminense - ACIMA
ABAIXO - Como seria melhor o ambiente, com menos gramados e mais árvores: Clima mais ameno, menos lixo, menos ruído de roçadeiras e muito mais aves


ABAIXO - A queima de lixo ainda é uma doença ambiental séria, nas pequenas e médias cidades






segunda-feira, 4 de abril de 2011

A MACONHA E EU: UM CARETÃO NOS ANOS SETENTA

          Por mais que a galera dos anos setenta não acreditasse, alguns de nós não eram “doidões”. Doidão, não deve ser nenhuma novidade, era aquele cara que, no mínimo, “fumava um...” Sim, esse negócio de “queimar um fumo” era jargão de careta, de gente reacionária, fora daquele nosso contexto, e que queria dar uma de malandrão: - “Fulano tá queimando um fumo!” Meu Deus! Se falasse que estava “queimando um fuminho”, então, pior ainda! Mas, bem, a maioria de meus amigos daqueles anos fumava “unzinho” e, em muitos casos, algo mais. Mas, deixe-me dizer: paz e amor era o lema da maioria. Ninguém imaginava cheirar um monte de cocaína ou fumar crack, ficar alucinado, extremamente violento, entrar num carro de luxo (que o papai deu) e se matar num poste, junto com mais uns dois ou três amigos. Garanto para vocês, tudo era bem diferente!
          É lógico que sempre teve um ou outro que se arrebentou – e até morreu – em cima de uma motocicleta (Muito frequentemente, uma Yamaha RD350, apelidada, por isso, de “pertinho do céu”). Naquele tempo, havia somente uns poucos diabinhos a menos do que hoje... Mas havia! Só que o clima decididamente era outro. Bem, não sei se hoje um carinha careta (que não fuma, não cheira etc.) consegue ser aceito dentre os demais. Infelizmente, estou fora do sistema, faz tempo, e não dá para ver as coisas de dentro. Ainda bem que não fico dizendo que “os caras são boleteiros, maconheiros etc.” Mas, não canso de me perguntar se os “caretas” circulam tranqüilos, em meio ao restante da galera. No meu tempo (Falou o velho!), eu não encontrava problemas. Nem eu, nem alguns de meus amigos, tais como o Brenno, o Sérgio e o Paulo. Isso sim é que era liberdade.
          Voltei a estas lembranças, devido às historinhas que andei contando sobre o “Celacanto Provoca Maremoto!” aqui no meu blog. Falei do Carlos Alberto Teixeira, o CAT, sujeito tão estranho, na época, quanto gente fina e que se tornou meu irmão, desde aquele tempo. Lembrei-me de que ela muito diferente de nós, um tipo de rapaz do interior, e não podia ver, nem pintado, um baseado (cigarro de maconha). Uma vez, Paulo e eu o convidamos para fazer uma excursão pelas matas da Floresta da Tijuca, o que nada tinha de suspeito, uma vez que já éramos naturalistas, coisa igualmente incomum entre todos. Ele quase recusou, dizendo: -“Vocês vão chupar maconha na mata!” Rimos muito daquilo e acabamos convencendo-o do contrário, tendo ele participado de grandes incursões pelas florestas do Rio. É, esse contexto engraçado cercava inocentemente nossa juventude, com a droga circulando geral, mas quase sempre duma forma que chamo de “lisérgica”, o que quer dizer, para mim: de um modo pacífico. A maconha mandava, além de uns “acidinhos”, que eram os LSDs. Tudo isso remetia os usuários a momentos de muita calma e, assim, geralmente, geravam histórias engraçadas.
          Já havia escapado das patrulhas ideológicas, ao falar do Celacanto Provoca Maremoto!, dias atrás. Resolvi, então, enfrentá-las novamente, agora, para contar umas historinhas engraçadas, tendo como tema central a doideira dos anos setenta. Não pensem vocês que faço isso, num tipo de arroubo de moralismo, querendo reafirmar minha então “caretice”, para passar por bonzinho. Nada disso! Muito pelo contrário: Foi a presença da maconha, especialmente, que tornou tudo aquilo muito mais engraçado. Não quero, também, dizer que estimulo sua utilização, ou de qualquer outra droga. Claro que não! Será fácil perceber que a graça de tudo era justamente não viver doidão. O que celebro aqui, na verdade, é a lembrança de um clima de liberdade, no qual eu e alguns outros tínhamos pleno direito de não sermos doidões e, mesmo assim, sermos plenamente aceitos e curtidos pelos demais. Isso sim era ser livre.

          Vamos às historinhas, que são o que realmente interessa:

Na Praia do Pepino:  Eu era o irmão mais novo de dois. Três anos era o que me separava do Helinho (Hélio Roberto, meu irmão mais velho), que tinha o sugestivo apelido de “Guru”, na turma do Bob’s de Ipanema. Isso foi, mais ou menos, em 1974 e eu estava naquela fase fundamentalista do surf. Tudo o que me vinha à mente eram ondas e mais ondas e eu fazia de tudo para cair num mar perfeito. Só que eu era menor de idade e não dirigia. Assim, fiquei alvoroçado, certo dia, quando um amigo de meu irmão, que surfava muito – o Márcio da Prudente de Morais (Isso bastava, na época!) - me convidou para “subir” no dia seguinte. Subir, devo explicar, significava ir às praias da Av. Niemeyer para frente: Barra, São Conrado, Prainha etc.
Eu havia recentemente pegado uma prancha novinha, uma Rico verde, com um shape fenomenal. Caminhara da casa do Rico, no Leblon, até Ipanema, de volta, com aquela jóia sob o braço, fazendo questão de que todos vissem aquele “carro novo”. Queria testá-la em ondas de verdade. Aderi à “barca” do Márcio e, na madrugada do dia seguinte, estávamos os dois na Av. Vieira Souto, esperando uma carona, que logo chegou: Uma Kombi caindo aos pedaços, pertencente ao Horácio, o cara genial que desenhara as letras que figuravam nas pranchas do Rico. Quanta honra! Entramos correndo na Kombi do Horácio, que não tinha mais o berço, na frente da carroceria, permitindo que os pés do motorista pegassem um arzinho e fossem vistos da rua. Sentamos nuns bancos velhos, ao redor do centro da Kombi, cada um segurando sua prancha no colo. Foi quando escutei o chamamento típico: -“Olha o baseado!!!”
Entre meio gelado e esforçado, para não dar uma de (muito) careta, fiz que nem era comigo. O baseado passou, de mão em mão, até passar por mim – passar mesmo, pois não fumei, é claro – e pelo carinha que estava ao meu lado que, lembro-me bem, também não fumou. Tudo ia muito bem, até que começaram a mostrar um recorte de jornal, no qual se lia: “Foi queimada meia tonelada de maconha, no Aeroporto do Galeão, pela Polícia”. A manchete era motivo de debates e não deixei escapar: - “Caramba! Vai ter muito urubu doidão voando por lá”. O comentário levou a galera (devidamente doidona, é claro!) às gargalhadas e, evidentemente, ganhei a simpatia de todos. O mar da praia do Pepino estava gigantesco, com ondas aí de seus 2,5m, quebrando em picos perfeitos, entre as lajes negras, sob as águas, e as rochas íngremes do costão. Foi duro, mas tive que cair n’água e entrar até lá fora, contando com a cara e a coragem, sem fumar nada!
Nesse mar memorável, estavam celebridades que despencavam nas maiores, com águas de um verde profundo. Lembro-me do Maurício Galinha, com suas perninhas delgadas e o tronco forte – daí talvez o apelido – caindo no vazio, para aparecer mais adiante e dar o famoso grito dos surfistas: “Úuuuu!” (Nada de U-Hu! Isso é novidade de americano, bem depois dos anos setenta!). Também me lembro do Daniel Sabá, ao meu lado, falando: - “Vou sair, fumar mais um e entrar de novo!” E eu ali, caretaço, tentando encontrar coragem para descer uma daquelas morras... Bem, não teve outro jeito e acabei testando minha Rico, num pico imenso, com grande sucesso, graças a Deus! Careta mesmo, juntei-me àquela galera da pesada e surfei horas, com o maior prazer. No dia seguinte, meu irmão chegou na sala e me olhou com aquela cara de incredulidade: - “Você, einh? Eu soube que entrou no mar, doidão, e que até contou piadas sobre os urubus doidões...” Como foi difícil fazê-lo acreditar que eu não havia fumado nada.

Teatro Tereza Rachel – Show dos Mutantes: Eu era como mascote do restante da galera do Colégio Rio de Janeiro, por ser o único que não fumava, mas que era mais doido do que todos os outros. Haveria um show dos Mutantes, já sem a Rita Lee, no Teatro Tereza Rachel, carinhosamente apelidado de “galinheiro”, pelas suas condições gerais de conservação. Como em todo show de rock, nos anos setenta, a grande atração era fumar um baseado ou tomar um ácido e “entrar numas”. Todos levavam seu baseadinho, escondido aqui ou ali. Mas, a grande atração se tornou um pacote que eu levava comigo, bem escondido, prometendo somente liberar a “coisa” na hora do show. Reconhecido careta, eu acabara me tornando o centro das atenções, pois todos finalmente me veriam doidão, pensavam. Imagine só o que seria aquela “marofa” que eu levava escondida naquele misterioso embrulho.
Show começado, clima de alto transe, a música dos Mutantes, que era realmente muito boa, com aquele toque meio Pink Floyd. A platéia era uma noite estrelada, com centenas de pontinhos luminosos dos baseados que se acendiam. No palco, a fumaça do gelo seco inundava tudo, parecendo vir de umas paisagens incríveis que eles colocaram no fundo, com uns slides de montanhas nevadas. Era chegada a hora de conhecerem o que eu levara escondido, para abrir em pleno show. A galera quase se estapeava para chegar perto e também poder ganhar um pouco. Cuidadosamente e com certo mistério, abri o pacote, que insistia em manter velado, para “não dançar”: Pacotes da mais deliciosa bananada Ojuara (Que queria dizer Araujo, de trás para frente), empanadas em açúcar-cristal! O delírio foi absoluto e a disputa pela nova droga foi insana. Até hoje, alguns amigos, que estavam naquela cena, me lembram, com carinho, dessa deliciosa passagem, que virou lenda entre os doidões.

          Deixem-me confessar uma coisa: Já não mais consumo aquelas bananadas Ojuara. Tenho muito receio de retornarem aquelas sensações e eu não mais querer parar. Tudo na vida tem que passar, não é?