O nome vem do termo “sangra d’água”, ou sangradouro,
que é um pequeno curso de rio, que dá vazão às águas de determinada área
alagadiça. Os gaúchos adotam esse termo – sanga – exatamente como uma
corruptela da denominação original, nascida em tempos imemoriais. Meu saudoso
pai, que era gaúcho nativo da área central do estado, ao deparar com o diminuto
e cristalino riacho, que lhe mostrei em meio à floresta-galeria da Fazenda
Ipanema, no início dos anos 1980, imediatamente o caracterizou desta forma,
remetendo à sua memória atávica: SANGA.
Desde então, a sanga d’água da Fazenda
Ipanema passou a me atrair, inicialmente, como manancial fundamental de meu acampamento
rústico, durante aquela década de 1980: na sanga, eu tomava banho, me
dessedentava, conseguia água para cozinhar. Ao longo dos anos 1990, estando longe
do Mato Grosso, o caminho que conduzia à sanga foi lentamente desaparecendo, em
meio à floresta viçosa, que retomava espaço. Recentemente, com o desenvolvimento
do projeto da Reserva Natural da Fazenda Ipanema, com
novo planejamento de manejo conservacionista e científico, comecei a rastrear e
reabilitar a trilha que conduz ao riachinho de meus vinte e poucos anos: a Trilha da Sanga.
Neste domingo, dia 19 de fevereiro de 2017,
depois de mais de vinte anos escondida sob a selva, a Trilha da Sanga foi completamente
restaurada e pude rever o recanto que tanto me valeu, desde os anos 1980, com
suas águas absolutamente cristalinas, a correr depressa, sobre fundo arenoso
alvo e em meio a velhas e grossas raízes de jequitibás e magnólias. A emoção
foi inevitável e não deixei de comemorar, sorvendo goles fartos de água pura,
tomados diretamente da velha sanga. Foi um trabalho extenuante, mas proveitoso,
pois marcou a primeira meta cumprida, no objetivo maior da Reserva Natural da
Fazenda Ipanema, que é o estabelecimento de um manejo integrado entre visitação
e pesquisa, neste precioso conjunto de ecossistemas ribeirinhos, ligado ao rio
das Mortes e ao Cerrado.
Acima - Dichorisandra pubescens (Commelinaceae), na borda da floresta-galeria
Acima - Macaco-prego, na floresta que circunda a Trilha da Sanga
Acima - Costus arabicus (Costaceae), no sub-bosque da floresta-galeria, na Trilha da Sanga
Acima - Imenso jequitibá-vermelho (Cariniana rubra - Lecythidaceae) da floresta-galeria, bem ao lado da sanga da Fazenda Ipanema
Acima - O autor Orlando Graeff posando ao pé do imenso jequitibá, que abriga exemplar de Monstera adansonii (Araceae), em seu tronco
Acima - Felicidade em rever essas águas cristalinas, que centralizam a floresta-galeria da Reserva, depois de tantos anos e tanto esforço
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