segunda-feira, 3 de novembro de 2014

BROMÉLIAS IMPERIAIS – ELAS VÃO DESAPARECER?

               No início da década de 2000, quando era diretor de conservação da Sociedade Brasileira de Bromélias-SBBr, publiquei na REVISTA BROMÉLIA, juntamente com Yara Valverde, um artigo que, na época, não tenho dúvidas, foi considerado meio apocalíptico, bastante pessimista, ao menos para o estado de espírito vigente àqueles tempos, entre os aficionados e estudiosos das plantas desta admirável família botânica. Era intitulado – A INTERAÇÃO FOGO – CAPIM-GORDURA E O DESAPARECIMENTO DA BROMÉLIA-IMPERIAL (Alcantarea imperialis). Segundo nosso postulado, prevíamos o quase completo desaparecimento desta planta, na natureza, em função dos incêndios cíclicos, que avançavam pelos capinzais decadentes da Região Serrana do Rio de Janeiro.

               Esse prognóstico tinha como fundamento a franca invasão dos ecossistemas relacionados aos campos de altitude e afloramentos rochosos, especialmente no estado do Rio de Janeiro, onde atuávamos intensamente, pelo capim-gordura (Melinis minutiflora), uma gramínea importada da África, que se ambientou com perfeição nesses locais ensolarados, principalmente, nas vertentes serranas voltadas ao interior. Espalhando-se com velocidade estonteante, desde os tempos em que escapou do cultivo, nas antigas fazendas de gado leiteiro, mais de um século atrás, o capim-gordura ainda apresenta adaptação favorável com o fogo, que tolera bem e que lhe incrementa a capacidade de germinação das sementes.


A magnífica bromélia-imperial (Alcantarea imperialis), em seu habitat natural, na RPPN Graziela Maciel Barroso - Petrópolis - RJ

               Entremeando-se aos ambientes onde vegetavam as bromélias-imperiais, plantas de biologia tremendamente complexa, o capim-gordura funcionaria como combustível, durante os episódios cada vez mais frequentes de incêndios florestais, ocasionando a queima irreversível de grande parte dessas majestosas plantas. De fato, a gramínea funcionava como ferramenta de ascensão das chamas, morro acima, enquanto as bromélias-imperiais, “arrancadas” pelas chamas, desciam os paredões e ateavam fogo às matas abaixo, contribuindo para a propagação das chamas.

               Em nossas contínuas excursões, especialmente na Serra da Maria Comprida, em Petrópolis, e na região central da Serra dos Órgãos, além de suas inúmeras disjunções locais, constatáramos o estado lastimável das populações de bromélias-imperiais, que decresciam a olhos vistos, a cada incêndio que irrompia nas montanhas. Referimos, em nosso artigo, que já não eram mais encontradas populações intactas e que inexistiam seedlings (sementeiras) dessas plantas exclusivas dos afloramentos rochosos. Ou seja, além do gradual declínio das plantas adultas, não estava mais ocorrendo a renovação dos stands de Alcantarea imperialis.

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O agrônomo Alexandre Biancatto gravando imagens de uma população ainda intacta de bromélias-imperiais, na RPPN Rogério Marinho, no final da década de 1990

Após o grande incêndio que acometeu a RPPN Rogério Marinho e parte do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, em 1999, grande parte das populações naturais dessas bromélias foi aniquilada

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               Sabendo que essas imensas bromeliáceas chegam a demorar até quarenta anos para florescer e gerar sementes, processo único em suas vidas, ao qual se segue sua morte, inferimos o que seria mais lógico: DALI A QUARENTA ANOS, NO MÁXIMO, A PLANTA ESTARIA EXTINTA DA NATUREZA. Passados cerca de 15 anos, desde que imaginamos este sombrio cenário, faltariam cerca de 25 anos para que as bromélias-imperiais desaparecessem dos costões rochoso da região serrana. Infelizmente, ao final do mais grave ciclo de incêndios florestais a que já assistimos, que ocorreu no inverno seco da Região Serrana, adentrando a primavera, neste ano de 2014, a simples verificação visual das populações sobre as rochas nos induz a imaginar que demorará bem menos para que elas sejam definitivamente varridas da natureza.

               Há alguns fatos, digamos assim, positivos, que modificaram relativamente este cenário de que falamos. Entre eles, ainda se verificam os resultados (ainda que tímidos) de iniciativas que remetem ao final dos anos 1990 e à década passada, onde foram implantadas RPPNs (Reservas Particulares do Patrimônio Natural), com manejos preventivos ao fogo e protetores contra a coleta criminosa (outra frente grave de pressão). Em diversas áreas da região, o surgimento dessas reservas conseguiu proteger alguns remanescentes de populações de plantas rupícolas, entre elas a bromélia-imperial. São exemplos: RPPN da Limeira, na Serra da Maria Comprida; RPPN Rogério Marinho, no Vale do Mata Porcos; RPPN Graziela Maciel Barroso, próximo a Itaipava.

               Outro advento importantíssimo foi a chegada ao Parque Nacional da Serra dos Órgãos, entre Teresópolis e Petrópolis, de um núcleo do Sistema Prev-Fogo, do Ibama, assim como a organização de brigadas especializadas anti-incêndios florestais, com guarda-parques treinados, como aquela que tem atuado a partir da Reserva Biológica de Araras, aos pés da Serra da Maria Comprida. Os governos estadual e federal também passaram a ceder aeronaves e efetivos dos Bombeiros, para reforçar o combate às chamas. Porém, o poder de destruição desses incêndios florestais é estupendo e se tornam inevitáveis os estragos, quando atingem altas montanhas, onde o combate, tanto quanto a prevenção, é quase como “enxugar gelo”, gerando imensas frustrações.

               Mas, talvez a mais determinante razão para concluirmos que nosso sinistro prognóstico continua valendo, talvez piorado, é a generalização do descontrole do poder público dos municípios sobre a questão do lixo, aliado à danosa permissividade com o uso do fogo, como estratégia particular de “limpeza”. TODOS OS FOCOS DE INCÊNDIO TIVERAM ORIGEM NAS MÃOS DO HOMEM. Isso deverá ficar bastante claro, haja vista a mais absoluta impossibilidade de ocorrer combustão espontânea, que deve ser colocada no terreno da fantasia. Além disso, não foi muito difícil perceber que o céu permanecia indefectivelmente claro, afastando outra desculpa frequente: os raios. O que mais perturbou, contudo, foi perceber que boa parte dos incêndios foi criminosa e propositalmente ateada, em margens de estradas e ruas. PIROMANIA, nada mais que o prazer doentio da destruição pelo fogo!

               Tolerando o uso do fogo – que é vedado pela legislação municipal – as prefeituras deixam a Deus dará a prevenção aos incêndios florestais, tornando-se cúmplice pela omissão. A população deseducada e que não conta com políticas sérias de destinação de resíduos sólidos contribui para o irreversível desaparecimento das bromélias-imperiais, tanto como para a extinção de seu mais precioso recurso – ÁGUA. Aliás, cabe lembrar: As bromélias, de modo geral, são importantíssimas no ciclo das águas, nas montanhas fluminenses, por reservar farta quantidade dela, dentro de seus tanques, verdadeiros aquíferos suspensos, nas rochas e nas árvores da floresta.


               O assunto é vasto! Voltaremos a tratar dele, em breve.



Acima - Uma bromélia-imperial irreversivelmente danificada pelo fogo, na RPPN Rogério Marinho, em Petrópolis
Abaixo - Um velho exemplar de Alcantarea imperialis, na rocha, na região de Pedro do Rio, em Petrópolis, nos anos de 1990 - extinta



Abaixo - O fogo sempre tem início nas mãos do homem. Em Itaipava, ele é comumente utilizado na eliminação de resíduos sólidos, sob o olhar complacente da prefeitura. Dali, escapa para as florestas e afloramentos rochosos, ocasionando danos irreparáveis



2 comentários:

  1. Olá. É possível coletar sementes e reproduzir a bromélia-imperial? Tenho um vivieiro de árvores nativas no Vale do Cuiabá - Itaipava e estou aberto a participar como puder no resgate dessa espécie. Abs

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  2. Caro Bruno, é sim muito fácil coletar sementes desta magnífica bromélia, ao final de sua floração e frutificação, quando se abrem suas cápsulas, liberando milhares de sementes plumosas. Daí, bastará cultivá-las sobre substrato de orquídeas, mantido levemente úmido. Há produtores fazendo excelentes formas desta planta, mas suas populações naturais declinam aceleradamente, como afirmei. Sua produção auxilia na conservação, por suprir com belas plantas o mercado, desestimulando sua coleta criminosa, que ainda ocorre - aguarde minha próxima postagem, quando falarei sobre o tema.

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